O homem chega para trocar o botijão de gás e avisa: ;Sorte da senhora fazer o pedido hoje, enquanto custa R$ 50. Amanhã, estará R$ 61;. A situação foi vivida na última semana por algumas donas de casa, com o aumento médio de 15% no preço do gás de cozinha. A situação guarda ainda alguma semelhança com o passado recente do país, quando a hiperinflação, nos anos da década de 1990, fazia com que os preços brincassem de saltos ornamentais. Esse diálogo, 21 anos depois do lançamento do Plano Real ; que acabou com a instabilidade no custo de vida ;, mostra que o país convive com duas gerações: a primeira tem entre 40 e 60 anos e não esquece as crises seguidas que viveu; a segunda, formada por jovens de até 30 anos, começa a entender o significado de inflação e recessão.
Para os jovens de hoje, esta é a primeira grande crise econômica e política vivida na pele. Até então, o que se sabia de aperto financeiro vinha de casos contados pelos pais ou lidos em livros de história do Brasil. Esta crise, segundo especialistas, deve também deixar sua marca na história. Chega para essa geração em um momento decisivo, no qual se escolhe um curso superior e ingressa no mercado de trabalho. Na faixa de 18 a 24 anos, por exemplo, o desemprego é maior do que entre os adultos. Em meados deste ano, a taxa de desocupação era de 16,4%. No mesmo período de 2014, a taxa ficou em 12,3%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Assim, a tal crise financeira não abre novas vagas de estágio, deixa de contratar jovem em aprendizado, e não dá oportunidades para recém-formado. Lidar com isso virou estratégia de sobrevivência para muitos deles. ;Comecei uma faculdade, consegui um estágio na área, mas decidi mudar de curso. Agora, há meses, estou no estágio do curso anterior, porque não acho uma oportunidade na minha nova área. Não tenho o que fazer;, conta o estudante Rodrigo Alvarenga, 18 anos. Com a bolsa de R$ 650 que ganha com o estágio, o jovem mal passa o mês. ;Há dois anos tento comprar um carro. Nunca conseguimos. O plano terá de ser adiado mais uma vez;, lamenta Rodrigo.
Passado
Parte desses jovens ouviu relatos de pais ou avós de como eram os anos 1980 e 1990 e do que era preciso para sobreviver. Ficam assustados quando descobrem que em dia de pagamento se corria ao mercado e se comprava tudo o que fosse possível, para estocar. Uma das principais preocupações, na época, era com a perda do poder de compra. ;Minha mãe me conta que os preços eram alterados dia a dia. No caso da poupança, os juros eram tão altos que foi assim que ela conseguiu comprar nossa casa. Aplicava R$ 1 mil em um dia, tinha R$ 1,5 mil no outro", relata o estudante Gabriel da Silva Cornélio, 18. Na casa de Rebeca Costa Amâncio, 18, a regra é clara: apagar as luzes. ;Parece que mesmo assim não adianta. Reduzimos os gastos ali e aqui, e as contas continuam caras;, avalia.
Natya Zelaya, 18, lembra bem os relatos da família. Segundo ela, é inevitável comparar a crise que os pais viveram, em 1990, com a de hoje. Ela faz comparações na hora em que toma café na padaria ou compra um sapato novo. É aí que vem à lembrança quando, com R$ 1, compravam-se 10 pães na padaria. Com um pouco mais, R$ 10, por exemplo, ia-se ao shopping, lanchava e ainda dava para brincar na antiga e saudosa Divertilândia (um parque de diversões que existia em um shopping). ;Comprei caneta, lapiseira, grafite e borracha, com R$ 10 não deu para pagar a conta;, observa a jovem estudante. Marina Antonelli, 18, segura os gastos com passagens e alimentação. ;Preciso colocar pouca coisa no prato. Uma das formas de economizar foi reduzindo o almoço. Mas acabou que cortei de tudo;, pondera.
Impactos
Depois de anos de consumo fácil, custo de vida relativamente estável e expansão econômica, o Brasil entrou em um período de inflação acima do limite de tolerância, queda do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas geradas em um ano, e aumento do desemprego. Guardadas as devidas proporções, esse cenário lembra as crises dos anos 1980 e 1990, antes da implementação do Plano Real. O cenário atual, porém, não tem um único vilão. O que se vive hoje tem origem, em parte, em gastos públicos de baixa qualidade e acima do que se tinha em caixa. Na prática, quanto mais se gasta dinheiro público, mais pressão é gerada sobre a inflação. Se essas despesas são alocadas em folha de pagamento e em gastos que não geram riqueza para o país, o peso sobre o custo de vida aumenta ainda mais.
A crise financeira de 2008, quando o Banco Lehman Brothers quebrou nos Estados Unidos e contaminou todo o sistema financeiro do mundo, também teve sua parcela de contribuição para os problemas brasileiros ; fez o governo gastar mais sob a alegação de diminuir os impactos da crise. Posteriormente, o congelamento de tarifas públicas, decisões sobre políticas de juros, de crédito e de política fiscal, agravaram ainda mais o quadro. A Operação Lava-Jato, que paralisou obras em todo o país e colocou empreiteiros e políticos na cadeia, também afetou a economia. A Petrobras, uma das maiores empresas do Brasil e responsável por grande parte dos investimentos produtivos brasileiros, teve de parar projetos e abandonar outros, e milhares de pessoas foram demitidas.
Segundo o economista do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF) Newton Marques, a realidade econômica tem uma história que deve ser levada em consideração. Crise é um processo (veja Cronologia). ;O Brasil passou por vários planos de estabilização. Teve a primeira experiência no Plano Cruzado, mas sempre teve problemas inflacionários, desde 1900. Quando chegou João Goulart, por exemplo, o descontrole era grande. Tanto que o golpe militar foi motivado por isso. Então, foram criados vários mecanismo para que as pessoas convivessem num momento de política anti-inflacionária. E a situação, hoje, é bem diferente;, diz o especialista.
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