Otávio Augusto
postado em 11/09/2015 06:04
A crise da saúde pública obriga o cidadão a recorrer à Justiça para garantir acesso a tratamentos. As filas de espera e o aumento de ações judiciais contra o governo revelam a via-crúcis dos pacientes. Atualmente, 600 pessoas aguardam para fazer radioterapia, segundo o Conselho de Saúde ; órgão permanente de fiscalização e deliberação das políticas públicas do setor. O índice de processos nessa especialidade cresceu 543% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2014, de acordo com a Defensoria Pública do DF. O trabalho também é grande para quem procura se consultar com um cardiologista. Nesse caso, as denúncias aumentaram 196%.
A lista de gargalos é extensa e cresce a cada dia. Os problemas vão desde a falta de medicamentos ; para o tratamento do câncer, 63 são oferecidos, mas nove estão fora das prateleiras ; e de profissionais até o sucateamento histórico de equipamentos. A espera, às vezes, se arrasta por meses, e a ação da Justiça não significa a garantia de atendimento. Assim ocorreu com o mestre de obras aposentado Antônio Braga da Silva, 70 anos. A peregrinação dele em busca de tratamento para um câncer no palato já dura seis meses. Desde dezembro passado, quando descobriu a doença, a rotina do idoso se resume a procurar uma cura. A cirurgia, realizada pelo Hospital de Base, em fevereiro, era o primeiro passo para o tratamento, que foi interrompido.
;A ordem do médico era que começasse logo a radioterapia. Mas o pessoal do hospital disse que não tinha condições de fazer. Estava com o equipamento quebrado e não tinha o medicamento;, conta o servidor público Iraci de Paula Machado, 58, que acompanha a saga do irmão. Atualmente, o idoso, que mora em Luziânia (GO), está traqueostomizado, não fala e se alimenta por meio de sonda. Nesse período, a Defensoria Pública do DF enviou três ofícios à Secretaria de Saúde pedindo que o tratamento fosse preconizado. Sem respostas concretas, o processo judicial foi aberto. ;Eu nunca imaginei passar por isso para salvar a vida de uma pessoa;, lamenta Iraci. Após o trâmite, a primeira sessão de radioterapia foi agendada para a última quarta-feira, mas não foi realizada. ;Ligaram marcando, mas, ao chegar ao hospital, disseram que o procedimento não estava agendado. É um descaso muito grande, é desumano;, reclama Iraci.
Otimização
A Secretaria de Saúde recebeu, até a primeira semana de setembro, 1.077 mandados judiciais. O fluxo representa 69% de toda a demanda do ano passado, com 1.561 autuações. Além dessas, o GDF foi acionado 420 vezes para colocar à disposição leitos de UTI. O Ministério da Saúde não é contra a intervenção da Justiça, mas alerta para ;iniquidades; que podem ocorrer com a frequência das ações, sobretudo com os tratamentos para os quais o Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece a cobertura.
O Executivo local, a fim de reduzir os gastos extras com as demandas da Justiça, apostou em diversos mecanismos para frear os processos, todos sem sucesso (leia Memória). A saída, para Helvécio Ferreira da Silva, presidente do Conselho de Saúde do DF, é otimizar os serviços. ;Erros nos pilares estruturantes precisam ser corrigidos urgentemente. Média e alta complexidades não comportam a demanda. Nos últimos dois anos, o maior gargalo é a infraestrutura do sistema, onde a improvisação deve ser evitada;, critica.
Sair dos tribunais é essencial para que a Secretaria de Saúde não desequilibre o orçamento. ;O sistema universal, quando mal implementado, como se encontra o SUS, traz esse tipo de problema. Essa é a resposta que a sociedade dá ao governo pela falta de assistência. A longo prazo, isso pode quebrar os cofres públicos. A situação não agrada nenhuma das partes envolvidas. Não é dever do Judiciário resolver os problemas do Executivo;, explica Vitor Gomes Pinto, especialista em saúde pública e integrante do Observatório da Saúde do DF.
O número de processos contra o GDF só não é maior porque a Coordenadoria de Saúde da Defensoria Pública do DF procura meios para evitar os processos. ;O fluxo de atendimentos é bem maior que o número de ações. Fazemos o possível para resolver o problema do cidadão sem intervenção judicial. Ligamos, mandamos e-mails e ofícios a fim de solucionar os casos. Porém, as pessoas não podem ficar sem atendimento;, afirma o defensor público Celestino Chupel.
Situação crítica
A advogada especialista em direito da saúde Denise Camara confirma que o Estado tem dificuldades para cumprir as liminares. Para a jurista, a má distribuição do dinheiro e o cálculo errôneo da demanda são as principais deficiências. ;Antes, com a liminar, o SUS disponibilizava o tratamento imediatamente, mas a situação está tão crítica que isso não ocorre mais. Em alguns casos, o descumprimento da ordem judicial pode acarretar a prisão do secretário de Saúde, do governador ou do gestor responsável pela área. Quando a Justiça emite a liminar, o Estado tem a obrigação de cumprir;, alerta.
A parcela da população que procura a Justiça a fim de tratamento é pequena, segundo Denise, o que não reflete o tamanho real do problema. ;Nunca houve tantas negativas de tratamento como temos hoje. O governo deve enfrentar a judicialização como um indicativo para a melhoria do serviço. As demandas judiciais também cristalizam alguns tratamentos;, explica.
A Secretaria de Saúde informou, em nota, que tem investido na melhoria da assistência disponibilizada aos usuários. ;As medidas envolvem o reabastecimento da rede, reestruturação de serviços e a convocação de profissionais de saúde aprovados em concurso público;, diz o texto. Em 2014, a pasta gastou R$ 1,2 milhão na compra de um equipamento para exames em radioterapia. Segundo o GDF, está em fase de instalação, mas não há previsão para o funciomento.