;Para aqueles que ainda não me conhecem, sou Luisa Melo, uma artista brasileira que se cansou de desenhar Brasília, e decidiu encher uma mochila de papéis, tintas e pincéis para desenhar outras cidades e experimentar outras perspectivas da América do Sul;
Foi assim que a brasiliense e designer gráfica Luísa Melo, 24 anos, se apresentou para um universo desconhecido em Córdoba, cidade a mais de 600 quilômetros de Buenos Aires, capital argentina. Era a primeira vez que uma paixão de infância ganhava corpo e forma em quadros e molduras. Depois de percorrer quatro cidades da América do Sul na companhia do caderno de anotações ; ou sketchbook ; , a artista realizou a primeira exposição de suas ilustrações em um albergue da cidade. Um instante captado pela artista que se transformou em um outro olhar, sugerindo a turistas e habitantes dos lugares que vejam a cidade por um novo ângulo.
Logo que se formou em desenho industrial na Universidade de Brasília (UnB), no fim de 2014, Luísa decidiu viajar. Na mala, os instrumentos de trabalho e companheiros de jornada: tintas, pincéis, canetas e papel. A designer levava também um enorme anseio de observar o mundo. Com passagem apenas de ida e passaporte, embarcou para Santiago, no Chile, o primeiro destino. Já no aeroporto tirou da mochila o bloco e começou a registrar as impressões do que via. Dali em diante, os rabiscos ganharam forma, textura e letras. ;Virou uma mescla. Tem colagem de recibos, ingressos, lembranças do dia, textos e desenhos;, descreve.
Além do sketchbook, uma espécie de diário, Luísa ilustra as cenas do cotidiano em folhas avulsas. ;As do caderno são desenhos mais descomprometidos. As folhas são situações planejadas, em que saio para desenhar;, explica. Ao pensar a viagem, a ideia era conhecer as cidades e ficar muito tempo em cada uma para ter uma vivência do local. Com um olhar apurado e sensível, o objetivo de Luísa é ir além do lugar-comum e viajar até quando o dinheiro permitir. De Santiago, visitou Valparaíso, também no Chile, e Mendoza, na Argentina. Quando chegou a Córdoba, há pouco mais de um mês, começou a trabalhar em um albergue da cidade. O dono do estabelecimento viu o trabalho da brasiliense e não pensou duas vezes em propor uma exposição dos desenhos na área comum do hostel.
O convite se tornou realidade na sexta-feira da semana passada, na abertura da exposição Acuarelas Sudamericanas. Nas redes sociais, a mais nova artista chamou conhecidos e desconhecidos a descobrir ruas, avenidas e praças por meio das cores ;que me guiaram nessa experiência urbana que ainda estou registrando;. No dia da estreia, as folhas avulsas, dos desenhos planejados, estavam penduradas nas paredes. Um fio de náilon prendia o caderno de anotações e revelava o olhar de Luísa sobre quatro cidades.
Para surpresa da designer, a exibição deu tão certo que ela chegou a receber uma mensagem de uma jovem do Brasil pedindo para comprar uma das ilustrações. ;Seria um sonho se eu conseguisse pagar a minha viagem desenhando. Seria o paraíso.; Amanhã, ela deixará Córdoba para conhecer uma região de paisagens naturais, ainda na Argentina. Em seguida, o destino é Buenos Aires. ;É uma viagem totalmente espontânea. Vou sentindo a cidade e vou decidindo se quero ficar mais ou se vou embora;, conta. Os lugares nunca são uma certeza. No entanto, o sucesso da exposição despertou em Luísa o desejo de tornar o ocorrido uma prática. Na capital argentina, uma prima já se ofereceu para exibir as ilustrações da brasiliense na Faculdade de Design e Arquitetura, onde trabalha. ;Sinto que é uma análise da cidade, da vida urbana de cada lugar.;
Brasília sketchbook
O talento de Luísa começou cedo. Segundo a mãe da designer, Anabel Gonçalves Ferreira, 52 anos, desde pequena ela já desenhava e fazia minilivros para vender (leia depoimento). Por algum tempo deixada de lado, a prática voltou na faculdade, quando os cadernos de anotação, além de registrar ideias, passaram a guardar as ilustrações. Do hábito, a designer tirou a ideia do trabalho de conclusão de curso. Luísa fez uma publicação com desenhos sobre Brasília, que também virou site e páginas em redes sociais. ;Era algo que eu já fazia. Sentava e desenhava os lugares. Depois, comecei a me aprofundar mais e a fazer uma pesquisa teórica em cima da cidade. Passei a me aproximar dela, do cotidiano, prestar atenção nos detalhes.;
Aos poucos, Luísa foi contando para os próprios brasilienses quem era a capital no dia a dia. As cores, os traços e as pessoas que a formavam. Aquarela e texto montavam a história que rondava o momento captado pela artista. ;Queria compartilhar o que era a minha rotina para que os outros também olhassem diferente para o seu próprio cotidiano.; Além do livro e das plataformas digitais, Luísa fez cadernos em branco para estimular o olhar contemplador das pessoas. ;Os brasilienses não têm o costume da contemplação, mesmo morando em um enorme jardim. É comum irmos ao parque para a contemplação, mas, quando vivemos nesse parque, já não faz sentido admirá-lo e, por isso, não me compreendia;, escreveu a artista em um dos textos do projeto.
A ilustração descritiva conta uma história, mas revela, principalmente, a artista por trás do papel. Luísa registra ali a si mesma, quando coloca em cores, em traços e nuances, o movimento diante dos olhos. Assim como os grandes impressionistas, ela gosta de pintar in locu. Experimentar as luzes, os tons que mudam a cada hora do dia. ;Isso faz toda a diferença;, afirma. ;Ficar sentado, olhando uma vista por uma hora ou mais é um sentir mais apurado do que acontece na cidade, o que as pessoas estão conversando, o que elas vestem. São todos os sentidos envolvidos. Isso me dá uma visão diferente da cidade da que teria se tivesse só tirando uma foto;, completa.
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