A degradação progressiva da Escola de Músicade Brasília (EMB) se torna ainda mais evidente quando ex-alunos e ex-professores entram no ambiente. A aura cultural do espaço se perdeu entre a falta de investimento e o abandono. A instituição, que sofre com a carência de instrumentos e cuidados, tenta resistir à escuridão dos corredores. Quem já frequentou o local e retorna hoje ao ambiente carrega a nostalgia de um período marcado pela alta produtividade musical. Em época de ouro, havia três orquestras sinfônicas na escola, além dos corais infantis e adulto. Na memória de quem estudou ali permanecem as apresentações e os concertos externos. O sucesso era tanto que a Escola de Música estourou como referência mundial e ganhou o status de uma das melhores da América Latina. ;Quando passei pela instituição os corredores viviam cheios de gente ensaiando instrumentos. Os alunos disputavam para trocar nas orquestras. Hoje, infelizmente, eu quase não percebo a escola de música para fora dela;, lamentou o servidor público Heitor Silveira Freitas, 30 anos, que de 1995 a 2004 estudou flauta transversal na instituição.
De parte do tempo em que esteve a escola, Heitor se lembra de participar ativamente dos eventos. ;Nós tocávamos em apresentações fora da escola. A realidade física era parecida com a de hoje, não havia ar-condicionado nem instrumento para todos, mas me lembro de que a escola estava sempre em evidência;, ressaltou. Em mais de cinco décadas de história, passaram pelo endereço artistas como Ney Matogrosso, Cássia Eller, Zélia Duncan, Hamilton de Holanda e Célia Porto.
Memórias
Célia, hoje com 48 anos, fez canto erudito no local, entre 1987 e 1992. Ela destacou grandes diferenças das atividades da escola, se comparadas às do período atual. ;A escola tinha relação com a comunidade, fazia apresentações, participava de concertos e audições. Tínhamos aulas teóricas, práticas e instrumentais;, relembrou. Mas, mesmo com um cenário de dificuldade, a cantora e professora ainda recorre à instituição quando precisa de músicos. ;A escola oferece curso profissionalizante da música e é referência mundial. Sempre volto à instituição a trabalho quando procuro um arranjo vocal, por exemplo. Ela ainda é reconhecida na cidade. Em uma época na qual Brasília sofre com espaços culturais fechados é preciso estimular o sentido da instituição. Artistas movimentam a cadeia econômica de Brasília;, frisou.
Na década de 1980, a professora Eliana Costa, 52 anos, fez o curso de clarineta na instituição. Depois, fez parte do corpo docente, entre 1996 e 2006, na área de curso técnico de instrumento. Ela lembrou a energia da escola nos dois momentos. ;A instituição respirava música com um ensino de alta qualidade. Devo toda a minha vida musical ao que aprendi aqui. Quando entro nesse lugar, me sinto como se estivesse na minha casa. O ambiente era fantástico;, destacou.
Mas, apesar do orgulho que sente pela escola, Eliana não esconde a tristeza ao mergulhar nos problemas que ela enfrenta. ;Ouço que a instituição não tem mais essa energia que nós sentíamos. Chegam até mim notícias de falta de diálogo e gestão democrática. A estrutura está sucateada, com instrumentos ruins e espaço físico pequeno. Para uma escola que sempre foi referência no cenário musical e na qualidade de ensino, é muito triste;, avaliou. ;Precisamos de grupos que representem esse espaço. Infelizmente, não enxergo mais isso. A Escola de Música sempre foi um orgulho para Brasília e para o país;, acrescentou.
Problema geral
A professora de canto Mariana Camelo, 24 anos, iniciou em 2009 aulas de canto popular. Depois de anos de estudos, consegue perceber as diferenças. Para ela, os problemas vão desde piano desafinado até a falta de limpeza do banheiro. ;Não há isolamento acústico, e isso dificulta as aulas de canto e instrumento. A Escola de Música sempre foi um celeiro de grandes músicos e daqui saíram artistas em potencial. A instituição é um patrimônio cultural da cidade;, ressaltou.
O diretor da escola, maestro Ayrton Pisco, explicou que do início do ano até junho a instituição recebeu R$ 15.455 do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf). Para o segundo semestre, estão previstos mais R$ 10.818. ;Temos uma população fixa de cerca de 3 mil pessoas na escola para pouco mais de R$ 15 mil em verba, até agora. O dinheiro não é nada. Precisamos fazer mágica para que esse valor se transforme em algo;, desabafou. ;A instituição se propôs a abraçar o mundo. Ela foi criada para oferecer o ensino de instrumento musical, mas ficou responsável por ceder o equipamento. Na própria Universidade de Brasília (UnB) não é assim. Significa que a escola se comprometeu com um trabalho caro e grande, porque é necessário um parque de instrumentos e esse parque precisa de manutenção;, acrescentou.
Hoje, a escola oferece 80 cursos; 30 são de diferentes instrumentos. ;Para essa variedade de instrumentos, teria de haver uma variedade de técnicos, e isso nós não temos, além de verba e facilidade de desburocratização. No início do ano, apesar da crise épica, a Secretaria de Educação fez um investimento de quase R$ 900 mil na compra de equipamentos. O montante não deu nem para arranhar, mas para o Departamento de Percussão, por exemplo, foi um oxigênio que estava faltando;, avaliou.
Segundo Pisco, para colocar a escola em boas condições instrumentais, seria necessário investir entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões. ;Este ano, a escola adquiriu duas arpas sinfônicas, dois jogos de tímpanos, 80 estantes musicais, 80 cadeiras para orquestra, trocamos a poltrona do teatro, mas tudo isso não fez nem cosquinha para o tamanho da nossa necessidade;, lamentou.
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