Os fiéis da Igrejinha da 108 Sul, os policiais legislativos do Congresso e o segurança do Templo da Boa Vontade tiveram de lidar com um Mickey trajando sunga, maleta e sapato social. O modernismo das curvas de Oscar Niemeyer e as linhas urbanas da prancheta de Lúcio Costa inspiraram dois australianos a virem à capital do Brasil para realizar um sonho antigo: o projeto chamado ;Brasília; mistura performance urbana com fotografia na cidade.
Em fevereiro deste ano, Matthew Bird, arquiteto, e Phillip Adams, artista e modelo do ensaio, convidaram então o fotógrafo brasiliense Vitor Schietti para dar vida à ideia e registrar a série. ;Brasília; teve repercussão internacional, com publicações em revistas de arquitetura estrangeiras e banners nos trens elétricos de Melbourne (Austrália).
O fotógrafo explica o personagem inusitado com algumas referências: as orelhas (de roda de carrinho de mão) remetem ao símbolo do entretenimento de massa e da colonização da cultura americana; a sunga branca é a ligação mais direta à identidade brasileira, o sapato social e a maleta representam o trabalhador comum, o homem de negócios, que tem de inserir-se nas regras sociais e adequar-se à cidade, ao sistema. ;Esses três elementos juntos criam um personagem bastante único, e o resultado está aberto a interpretações. Nada é ditado, é apenas um convite à reflexão;, acrescenta.
A produção durou três dias. No primeiro, o trio fez uma lista e montou o cronograma dos locais a serem visitados, otimizando a luz solar em cada local. No segundo dia, se encontraram no estúdio do fotógrafo às 4 horas da manhã, e junto do assistente de fotografia Gabriel Brisola seguiram para a primeira locação ; o final do Eixinho Sul, no viaduto que vem do Eixão, sentido Rodoviária. Segundo Vitor, Matt compunha com ele as ações do personagem (Phillip) e procuravam, em cada lugar, os melhores enquadramentos e situações.
Vitor conta que Phillip tratava a performance com humor e interagia com as pessoas que estavam nos locais onde foi fotografado. ;Uma senhora até desfilou de mãos dadas com ele e outros se mostravam interessados em saber sobre o ensaio;, lembra. Em uma das locações, na Igrejinha da 108 Sul, ele tentou interagir com o padre e com quem assistia a missa das 6 horas. ;Documentei tudo, mantendo alguma distância, claro. Não acho que ele tenha sido ofensivo, mas certamente desagradou alguns fiéis no local;, diz.
Além disso, o fotógrafo recorda que o australiano aproveitava também a falta de conhecimento do português para driblar situações burocráticas que a equipe enfrentou durante o percurso, como com a polícia do Congresso que não permitiu aproximação na rampa de acesso à cupula da Casa e o segurança da guarita do Templo da Boa Bontade. ;Se não nos arriscamos mais na vida, especialmente em produções artísticas, ficamos no feijão com arroz, no seguro, e a coragem de Phillip era inspiradora;, justifica.
Em alguns cliques, o modelo dizia, repetidamente, ;Guerrilla style! Guerrilla style!”, o que em produções cinematográficas significa improvisar e filmar em locais sem autorização. Questionado se alguma locação havia ficado de fora, Vitor afirma que só uma e apenas porque era necessária uma autorização prévia para acessá-la: a escada interna do Palácio do Itamaraty: ;Ficou para outra visita;.