Cidades

Metade da população do DF com mais de 60 anos tem carteira de habilitação

Muitas vezes xingados pelos mais jovens por serem considerados lentos nas vias, eles nem pensam em parar

postado em 31/10/2015 08:02

Marcia orgulha-se de, ao longo de 38 anos como motorista, só ter levado uma multa, por excesso de velocidade: falta tolerância dos mais jovens


Mesmo com a idade um pouco avançada, eles estão dirigindo pelas ruas do Distrito Federal. São motoristas e motociclistas com mais de 60 anos que não pensam em parar tão cedo: enquanto for possível, querem continuar ativos e, ainda, realizar muitos passeios. Dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) indicam que 183.926 pessoas com 60 anos ou mais são habilitados no DF. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito até junho deste ano, mostra que 14% da população do DF têm 60 anos ou mais ; um total de 332 mil pessoas. Ou seja, mais de 50% da população idosa do DF é habilitada a dirigir.

Com 38 anos de experiência no trânsito, Marcia Candia Passador, 75 anos, moradora da Asa Sul, vai às aulas de ginástica, ao supermercado, aos jogos de baralho, sempre dirigindo. Viúva, ela preza pela liberdade e, quando quer sair de casa, não gosta de ter de pedir para ninguém acompanhá-la. Marcia conta que levou apenas uma multa por excesso de velocidade e já bateram em seu carro duas vezes ; mas não por culpa dela. Além disso, por ser muito cautelosa e respeitar a velocidade da via, os mais jovens, segundo ela, não são pacientes. ;Várias vezes, já fui xingada no trânsito. Essa cultura de desrespeito tem de mudar, eles deveriam se colocar no nosso lugar. Aqui em Brasília, dependemos muito de carro, é muito complicado pegar um transporte público. Sou prudente, mas, por isso, acham que a gente é careta;, lamentou.

De acordo com a doutora em psicologia do trânsito e professora da Universidade de Brasília Ingrid Neto, hoje a realidade é diferente de alguns anos atrás. Quem tem 60 anos, atualmente, não passa mais aquela ideia de ;velhinho;, como era visto antigamente. Por isso, é natural que esteja ativo e queira continuar assim. ;A questão da mobilidade é muito importante para os idosos terem esse contato social: ir ao banco, ao supermercado, à igreja, enfim, para as suas atividades. É importante, inclusive, para um envelhecimento saudável.;

Mas, também, deve-se levar em conta que, com o avanço da idade, podem ocorrer alterações no estado de atenção e atrasos para reduzir a velocidade, por exemplo. ;Para a avaliação dessas características, os familiares têm um papel muito importante. É necessário conciliar as duas coisas: o idoso manter esse contato social e, ao mesmo tempo, ter a capacidade de dirigir. Mas é uma situação complicada porque, muitas vezes, ele não aceita que não pode mais dirigir. Nem sempre o idoso tem a consciência de que o comportamento não é mais o mesmo no trânsito;, explicou Ingrid.

Geysa Gonçalves Vieira, 72, tem 54 anos de carteira de motorista e é a condutora oficial da casa. Ela admite que, às vezes, não é fácil manter a paciência. ;Existem muitas pessoas imprudentes no trânsito. Muitos jovens são precipitados. É com o tempo que a gente vai ganhando experiência.; Geysa já viajou para outros estados dirigindo. Mas, para ela, ainda são necessárias várias mudanças. ;O carro é uma arma, tanto para você, quanto para os outros. O governo também deve aumentar mais a sinalização, e ter menos corrupção no trânsito.; Com muito vigor, Geysa ainda espera dirigir por muito tempo. ;Se tudo continuar como está hoje, vou dirigir até os 120 anos;, brinca.

O diretor-geral do Detran-DF, Jayme Amorim, ressalta que os muitos anos de experiência vividos podem contribuir para que os idosos sejam mais cautelosos e prudentes no trânsito. ;A experiência da vida nos traz uma certa prudência, uma cautela maior, porque, muitas vezes, quando se é mais jovem, passa-se por cima dos perigos, se é um pouco mais imprudente.;

Acidentes

Números do Detran-DF apontam que, até agosto de 2015, 23 pessoas com 60 anos ou mais morreram em vias urbanas. Pessoas dessa faixa etária foram as principais vítimas de acidentes de trânsito. Em segundo lugar, estão jovens de 20 a 29 anos, com 17 mortes. Mas isso não quer dizer que os idosos sejam os culpados. Amorim explica que alguns fatores podem influenciar para que os idosos sejam vítimas ou se envolvam em acidentes. ;Quando a pessoa atinge uma certa idade, pode sofrer uma perda de reflexos, de reação, de visibilidade, de capacidade psicomotora de reagir. Esses podem ser alguns pontos favoráveis para aumentar o risco de acidentes. A gente não pode afirmar que as pessoas são mais imprudentes com os idosos, mas essa questão do avanço de idade é um fator que contribui para que aconteçam acidentes.; Em 2014, 27 pessoas com mais de 60 anos vieram a óbito no trânsito. Entre 20 e 29 anos, foram 47, e entre 30 e 39 anos, 30 vítimas. Portanto, percebe-se que não é uma tendência os idosos serem as principais vítimas.

De acordo Ingrid Neto, idosos que já têm a CNH e vão apenas renová-la não passam pela avaliação do psicólogo, apenas pela do médico. Ela defende essa avaliação. ;É questão de segurança. Mas os jovens generalizam: o fato de alguns idosos serem mais lentos não significa que todos dirijam assim;, afirma. Ela defende ainda que ocorra uma melhoria de outras formas de transporte para essa faixa etária. ;Deve-se discutir novas formas de transporte público que contemplem os mais velhos e atendam suas necessidades de mobilidade.;

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