Os passos vagarosos e a fala mansa evidenciam as marcas deixadas pelo passar do tempo. Ainda assim, as memórias palpitantes se encarregam de ressaltar a graciosidade de uma vida dedicada a Deus. Dom José Freire Falcão, arcebispo emérito de Brasília, acaba de completar 90 anos e exala lucidez em cada gesto, em cada palavra. Em uma conversa intimista, na varanda da casa dele, na Asa Sul, o religioso falou sobre a data, a infância, a vida episcopal e o futuro da Igreja Católica.
Em uma família simples, surgiu a vontade de seguir o sacerdócio. Filho de dona Maria, uma costureira, e seu Otávio, um vendedor de remédios, José nasceu em 23 de outubro de 1925 em Ererê ; cidadezinha localizada no interior do Ceará, onde hoje vivem menos de 8 mil pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Aos 9 anos, ele viu a vocação aparecer. Enquanto a maioria dos amigos não se preocupava com o futuro, José descobriu: queria se tornar padre. ;Vi um dos meus tios se tornando sacerdote. Quando ele voltou, foi recebido com muita festa por todos do povoado onde nasci. Daí em diante, eu senti essa vontade;, lembra.
Assim se cumpria um desejo antigo da mãe. Antes de ficar grávida, ela rezava a Santa Teresinha pedindo que o primeiro filho fosse padre. Primogênito, dom Falcão ingressou no seminário aos 12 anos. ;Eu tinha certeza do que queria. Minha vida foi voltada para o desejo de ser padre;, afirma. Com 23, veio a ordenação como sacerdote, em Limoeiro do Norte, onde também se tornou professor e vigário. Em 1967, recebeu a nomeação como bispo, à frente da diocese do mesmo município.
Aos 46 anos, mudou-se para Teresina com a responsabilidade de ser arcebispo da cidade. Mas outra capital era o destino do religioso. Em 1984, a história de Dom Falcão começou a se confundir com a trajetória de Brasília. Ele tornou-se o segundo arcebispo da cidade e ocupou o posto por exatos 20 anos, até 2004 ; quando renunciou em razão da idade avançada. Entre as mais notáveis memórias, está a visita que o papa João Paulo II, hoje considerado santo pela Igreja Católica, fez a Brasília, em 1991.
Como cardeal, ele participou do conclave que elegeu o papa Bento XVI e passou a integrar uma série de reuniões no Vaticano. Agora, aposentado, ele não exerce funções, mas mantém contato com os antigos irmãos de caminhada. Dom Marcony Vinícius Ferreira, bispo auxiliar de Brasília, foi secretário de dom Falcão durante quase todos os anos em que esteve à frente da Arquidiocese de Brasília. A convivência entre eles sempre foi muito próxima e cordial. ;Eu sempre o tive como um verdadeiro pai, um pastor. Sem dúvidas, é um modelo de vida para nós;, acredita.
Para Marcony, o arcebispo emérito de Brasília trabalhou sob a força de três grandes pilares: humildade, serviço e doação. ;Quando assumiu a arquidiocese, o Distrito Federal tinha cerca de 41 paróquias. Quando saiu, ele deixou a cidade com o dobro disso. Ele sempre trabalhou muito, sem querer aparecer para ninguém;, recorda. Muito querido por padres e bispos, ele não pensava duas vezes antes de dividir funções e contar com a participação de todos, sempre atento às orientações do papa. ;Dom Falcão nos ensinou a amar o Santo Padre e a obedecê-lo de uma forma muito bonita;, garante Marcony.
Francisco
Quando o assunto é Vaticano, dom Falcão se sente à vontade. Perguntado sobre as ações do papa Francisco, sorri e logo responde, sem hesitar: ;Tenho uma grande admiração por ele;. O arcebispo emérito acredita que a liderança mundial do pontífice tem influenciado positivamente nos rumos tomados pela Igreja Católica como um todo. ;O testemunho de pobreza e amor aos pobres é especial. Ele leva uma vida realmente despojada de bens e é misericordioso;, pontua. A respeito do futuro dos católicos, ele acredita que o caminho é seguir os passos de Francisco. ;Não só de palavras deve viver a Igreja, mas de ações;, emociona-se.
Neste ponto da conversa, o assunto se voltou para os sonhos e projetos. Certo de que fez a escolha certa quando resolveu doar a vida a Cristo, dom Falcão revela estar feliz e satisfeito com tudo o que já passou. ;Sou um homem realizado. Não preciso de nada, pois tudo o que queria Deus me deu;, assegura, com um tímido sorriso no rosto.
Celebração Eucarística pelos 90 anos de dom Falcão
; Quando: hoje
; Onde: Catedral Metropolitana de Brasília
; Horário: 10h