Eles dormem em camas separadas para não machucar ou incomodar um ao outro. ;Como ele sente muita dor nas pernas, se queixava que, ao me mexer, batia nele e doía muito;, conta Francisca Gomes de Moraes, 77 anos. Mas, quando a saudade de um carinho aperta, basta um toque de pés para a aposentada saber que o marido está ali, ao seu lado ; como há exatos 60 anos o casal jurou, no altar da Catedral Nossa Senhora da Guia, no município de Patos, na Paraíba.
A configuração das camas na perpendicular não interfere na cumplicidade nem no respeito que Francisca e Manoel Senhorzinho de Moraes, 79 anos, têm um pelo outro. Muito menos no amor que uma troca de olhares despertou entre os jovens vizinhos anos atrás. ;Ele era noivo. Mas, uma vez, ele me viu no passeio, quando os rapazes ficavam de um lado da rua olhando as meninas passarem para ir à igreja, e disse: ;Estou gostando muito daquela menina;. Espalhou isso para todo mundo da rua. Aí, quando tem que ser, acontece;, conta a mulher. Manoel complementa: ;Ela que falou para todo mundo que ia vencer todas as meninas e ficar comigo;. Em um ano, paqueraram, namoraram, noivaram e se casaram, em 4 de outubro de 1955.
Essa semana, um ensaio fotográfico dos dois, feito pelo fotógrafo Victor Daniel Xavier de Moura, 23 anos, a pedido da filha mais nova de Manoel e Francisca, ganhou a internet. Foram milhares de curtidas de diferentes partes da cidade, do país e até do mundo. Uma surpresa para quem está acostumado a viver de mãos dadas diariamente. ;Aquele era meu jeito. Ficamos com vergonha no começo, mas depois, não. É um amor que começou e é sem fim, até o último dia de vida;, resume Francisca. A caçula dos 15 filhos do casal, Flávia Gomes de Moraes, 35, queria, com aquilo, emoldurar o exemplo e a inspiração. ;Levo para a criação do meu filho a participação dos dois na nossa criação. Eles se complementam. Meu pai é trabalhador até hoje, mesmo com as dificuldades. Minha mãe tem uma força única e admirável;, comenta Flávia.
Francisca é o olhar doce e afetuoso. Manoel, a firmeza das mãos de quem nunca deixou faltar nada em casa. Mas é também nas diferenças que os dois viveram 60 anos juntos. ;Ele é danadinho. Essa é a terceira aliança dele. As outras ele perdeu;, brinca Francisca, enquanto o marido esconde o riso. Amante de um bom forró, no dia do nascimento de um dos filhos, Manoel estava pronto para sair de casa. ;Estava de beca e tudo. Mas falei para ele que o menino ia nascer e que era para ele chamar a parteira;, conta a mulher. Naquele dia, o esposo deixou para mais tarde a festa de São-João, mas, quando foi, aproveitou para celebrar o novo herdeiro. Por outro lado: ;Ela é brava e exigente. Uma vez, brigou comigo e apontou uma peixeira para mim;, relembra Manoel.
O homem de bigode branco e chapéu charmoso já usou topete com gel e tudo. A mulher de cabelos grisalhos tinha madeixas escuras e compridas. Mas o que despertou o interesse recíproco entre eles não foi nenhuma dessas características. ;Foi o destino. Quando Deus determina;, define Francisca. ;E o que faz durar são os filhos. Dei a minha vida por eles. Meu sonho sempre foi ser mãe;, acrescenta. Fé, paciência e, claro, amor são as palavras que sustentam a família do casal. Dificuldades existiram, mas nunca o suficiente para desmoronar o que sacramentaram na Catedral Nossa Senhora da Guia. ;Vamos findar da mesma forma e com o mesmo pensamento que começamos;, afirma Manoel.
Companhia
Quando João Antônio de Oliveira, 92 anos, era criança, viu dois desenhos em um livro. No primeiro, dois bichos disputavam a comida, cada um puxando para lados opostos. No outro, eles se uniam para sobreviver. Naquele momento, João compreendeu o significado de unir forças para enfrentar dificuldades. Quando foi a sua vez de escolher alguém para dividir a vida, sabia o que tinha que buscar. ;Naquela época, a gente procurava por família. Procurava por alguém para viver até o fim da vida. Hoje, pode se divertir. Não tinha tempo para isso;, conta João, ao explicar o que o fez se apaixonar por Angélica Gomes de Menezes, 89.
João e Angélica cresceram em uma cidade no interior de Pernambuco. Eram vizinhos. ;Ele era tímido. Ficava na porta da minha casa. Disse que queria se casar comigo, e eu falei que ele tinha que pedir para a minha mãe;, conta a esposa. Decidido, João assim o fez e, desde o dia do sim na igreja, já se passaram mais de 70 anos. ;A paixão nunca acabou. A cada dia, ela só cresce;, afirma o marido. Do grande dia, Angélica se lembra do nervosismo. ;Tinha 17 anos. Não sabia o que ia acontecer;, rememora. Ele, por sua vez, se perguntou qual sacrifício encontraria a partir dali. ;Entreguei nas mãos de Deus. Hoje, sei que tudo vencemos.;
O amor é o mesmo que os uniu na juventude, mas o olhar amadureceu. Ficou mais cuidadoso e paciente. ;Na velhice é diferente, somos só nós dois;, conta João. No dia a dia, dividem as tarefas. Enquanto Angélica faz a comida, o marido lava a louça. Não importa se é o feijão com calabresa e abóbora ou o básico feijão com arroz, todas as comidas com o tempero de Angélica são as preferidas de João. Sentados um ao lado do outro, eles não se desgrudam. ;Vocês têm medo de perder um ao outro?;, questiona a reportagem. Essa não é uma possibilidade nem a ser cogitada. ;Não sei o que seria da minha vida sem ele;, comenta Angélica.
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