Cidades

Descaso com cemitérios resulta em túmulos destruídos e variação de valores

postado em 02/11/2015 08:00

Marinete cuida com todo o carinho do túmulo da mãe e do pai: roubos deixam o sentimento de desrespeito para a professora


Os preços praticados pelas funerárias do Distrito Federal são tabelados, assim como os cobrados pelos cemitérios da cidade. O último reajuste foi publicado no Diário Oficial do Distrito Federal em 17 de setembro, que trouxe a lista com os valores máximos para produtos e serviços básicos de um sepultamento, que pode sair, numa versão mais em conta, até por até R$ 723,35 (urna, ornamentação, remoção e formolização) ; o mais luxuoso passa de R$ 1,5 mil. E, entre o que é necessário, obrigatório ou aconselhado, entram os itens que encarecem o serviço. Coroa de flores não está na tabela oficial. Cada funerária estabelece o preço do produto. Em Samambaia, há por R$ 250. No Plano Piloto, por R$ 300. Nas banquinhas em frente ao cemitério, acha-se por R$ 100. Na hora de acertar a conta, o cliente fica exposto à ética dos empresários.

As tabelas, por exemplo, devem ficar visíveis nos estabelecimentos. Apesar disso, a depender da região, os valores dos serviços funerários são variáveis. ;Os itens da tabela não têm a qualidade que os meus clientes exigem; por isso, não ofereço à primeira vista. O que está na tabela eu não indico, mas, se insistir, tenho para vender;, explicou o sócio de uma funerária na Asa Sul, Franco Castro. O pacote mais barato na empresa dele não sai por menos de R$ 1,5 mil, pois ele trabalha com a coroa de flores e a formolização embutidas no pacote. O mesmo pacote previsto na tabela obrigatória do GDF, em uma funerária de Samambaia, sai por R$ 563,52.

Segundo a Coordenação de Assuntos Funerários (CAF) da Secretaria de Justiça e Cidadania, desde que a empresa tenha todos os itens descritos na lista oficial, para o caso de o cliente querer o serviço mais em conta, não há irregularidade. ;Fiscalizamos o cumprimento em todas as regiões. Não precisam vender apenas esses serviços, mas é necessário ter o básico e expor aos clientes para que tenham conhecimento, mas é fato que o que não está na tabela será vendido, conforme a funerária queira;, frisou o coordenador da CAF, Adailson Henrique da Rocha.

Autorização
No DF, as funerárias são regulamentadas e funcionam por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) válido até que seja feita uma licitação para o setor. Hoje, são 60 estabelecimentos com autorização de funcionamento. Por fazer parte do pacote de serviços essenciais, o governo é o responsável, principalmente, pela fiscalização. Mas, segundo o presidente da Associação das Funerárias do Distrito Federal (Asfundf), Francisco Ribeiro, os cuidados do governo são falhos. ;Precisamos rever a lei, por exemplo, a de n; 2.424/1999. Não podemos sair de baixo da fiscalização, pois é só assim que vamos colocar ordem;, afirmou.

Além dos preços praticados pelos itens usados em enterros, quem perde um ente querido fica exposto aos papa-defuntos. O nome diz quase tudo. São funcionários de funerárias que ficam nos cartórios, no Instituto de Medicina Legal (IML) e nos hospitais. A intenção deles é abordar o cliente antes mesmo da confirmação do óbito. Em menos de cinco minutos na porta do Cartório do 10; Ofício de Notas e Protestos, no centro de Ceilândia, a reportagem sofreu a abordagem de dois papa-defuntos. Um homem com problemas na fala entregou um cartão da Funerária Cristo Rei, que fica próxima dali. Disse que faria o ;pacote; do enterro por R$ 800, incluídas urna, ornamentação e remoção. E que, em caso de concorrência, melhoraria as formas de pagamento, dividiria no cartão ou daria desconto à vista.

Apesar de comum, a prática é proibida. ;O crime é previsto na legislação, e a prática é vedada no Distrito Federal, porém sabemos que acontece. Mas só podemos agir diante uma denúncia fundamentada, com registro, nome, identificação ; o que, até agora, não houve;, afirmou o coordenador da CAF, Adailson, que afirmou ter uma equipe que visita hospitais e o IML para coibir o crime. O gerente da Cristo Rei, Eremito Araújo, alegou que o rapaz que entregava os cartões não trabalha mais na empresa.

Ossos
Mato alto, buracos no gramado e túmulos destruídos. Quem tem um familiar enterrado sabe onde dói o descaso da Campo da Esperança Serviços Ltda. com a manutenção nos seis cemitérios do Distrito Federal. Desde o início de outubro, o Correio visita algumas necrópoles e identifica as falhas. Às vezes, a situação chega ao limite e muitos familiares recorrem à Justiça para tere os direitos garantidos. Em junho, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou o Estado a indenizar em R$ 20 mil a família de uma mulher cujos restos mortais desapareceram do cemitério de Taguatinga. A administração informou, à época, que os ossos haviam sido transferidos após exumação realizada sem o conhecimento dos parentes.

No último dia 15, além do mato alto que toma conta do Cemitério do Gama, ossos foram encontrados expostos em um dos túmulos. A situação mais complicada é na Quadra 24. É possível notar as falhas na conservação em toda a quadra. Somente ali, a reportagem reparou pelo menos cinco túmulos com tampas quebradas. ;Não aguento mais pagar para pôr planta aqui, porque roubam sempre, e isso aqui é muito importante pra mim. É importante manter, tanto em vida como em morte, pois é aqui que estão os restos mortais deles;, lamentou, emocionada, a professora Marinete Villar Busto, 49 anos.

A mãe morreu há 21 anos e, há dois, ela também perdeu o pai. Estar ao lado do túmulo é uma forma de sentir de novo os pais por perto. ;Venho todos os meses e, se não pagar alguém por fora para cuidar, nada é feito. A gente se sente desrespeitado. Pagamos tanto imposto em tudo que queremos direito temos de pagar de novo, à parte;, criticou Marinete, que gasta R$ 100 por mês para cuidar do túmulo onde os pais estão enterrados.

A Campo da Esperança se defendeu e garantiu que a manutenção da área comum dos cemitérios é feita diariamente. ;Na área parque (área nova), são feitos os serviços de irrigação, adubação, limpeza das placas de identificação das sepulturas, recolhimento de lixo e corte da grama. Na parte antiga, o serviço de manutenção é feito nas calçadas e nos gramados entre as sepulturas;, diz trecho da nota enviada pela empresa.

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