Jornal Correio Braziliense

Cidades

Valorizar a individualidade de gêmeos é importante, diz psicoterapeuta

A especialista pondera que não se pode desconsiderar as semelhanças, pois elas também fazem parte do desenvolvimento da individualidade

Na parede do quarto, um quadro traz repetidas vezes o rosto da atriz americana Marilyn Monroe. Impressões iguais não fosse pelas cores diferentes, usadas pelo artista Andy Warhol. Tintas que garantem a individualidade de cada desenho. Assim também é na vida das gêmeas Carolina e Camila, 23 anos, donas da reprodução do quadro. Apesar das semelhanças físicas, o momento da escolha profissional e do ingresso na Universidade de Brasília (UnB) começou a lhes revelar a personalidade de cada uma delas.

;Essa separação no começo foi estranha e meio triste. Não foi só pela nova rotina;, comenta Carolina Silva Coelho Castro. Enquanto continuou no cursinho pré-vestibular por mais seis meses, a irmã, Camila, passou para o curso de Arquitetura na UnB. Na opinião das duas, foi o momento de ruptura e, ao mesmo tempo, de encontro. Até então, por mais que tivessem estudado em salas diferentes em algumas séries, pertenciam sempre ao mesmo grupo de amigos. ;Os assuntos e o dia a dia eram os mesmos. Não tinha coisas novas para contar;, lembra Camila.


Aos poucos e de maneira natural, cada uma descobriu o seu universo. Os gostos se diversificaram, as referências mudaram e a variedade de assuntos ampliou. ;Antes, quando a gente saia, a chave de casa, o dinheiro e os documentos ficavam com ela. Em 2012, viajei sem a Camila pela primeira vez, e ali senti que precisava me virar sozinha;, conta.

O processo culminou na descoberta da individualidade e não excluiu as semelhanças e as afinidades. Pelo contrário, as duas continuam ligadas como antes. O único desejo da arquiteta é saber como seria um dia de aniversário só dela. Para quem trabalha com a temática gemelar e conhece o assunto de perto, a busca da personalidade é algo que pertence ao indivíduo. ;A individualidade deve partir da criança. Quando essas imposições são severas e impostas, elas são prejudiciais;, comenta a editora de mídia e pesquisadora desse universo há mais de 5 anos Jemima Pompeu.

A notícia de uma gravidez gemelar surpreende todo casal e vem acompanhada de angústias, incertezas e inseguranças, além da alegria de ter filhos múltiplos. Do ponto de vista prático, destacam-se as questões financeiras e, do ponto de vista subjetivo, o medo da rotina. ;É comum que haja dúvidas a respeito do desenvolvimento individual dos gêmeos. Ora, se são gêmeos, não deveriam andar, falar, crescer, reagir a um só tempo e da mesma maneira? Não é um fator de angústia e cobrança para alguns pais que, muitas vezes, nem percebem que estão olhando para os gêmeos como uma só pessoa;, esclarece a psicoterapeuta Sâmara Jorge. Os questionamentos seguem na adolescência e na fase adulta, quando os irmãos começam a sair sozinhos e começam a surgir também as comparações entre eles, por exemplo.

;As pessoas me perguntam como é ser gêmeo, mas como é não ser? Eu não sei;, brinca o arquiteto Gabriel Daher Jardim, 27. Ele e o irmão Rafael são univitelinos. ;Minha mãe fala que foi desgastante ter filhos gêmeos;, comenta Gabriel. Pouco mais de um ano depois, veio Micael, o terceiro filho.

Para os dois, a profissão também marcou a individualidade. Por mais que dividissem a mesma paixão pela equitação, Gabriel preferiu deixar o gosto como hobby. Rafael seguiu na carreira como instrutor de hipismo. Em 10 minutos de conversa, é fácil notar as afinidades e as diferenças. Desde pequenos, ambos são parceiros de aventuras, incentivadas, segundo eles, por Rafael, o mais ;danado;. Mas as semelhanças não enganam a filha do instrutor. ;Ela nunca confundiu a gente;, comenta Gabriel. O arquiteto acredita que exista um imaginário em torno do universo gemelar, mas que não é como se pensa. ;A afinidade é grande, muito pela convivência;, pondera Rafael. ;E também pela própria questão genética;, acrescenta Gabriel.

Sempre juntas
;As pessoas querem ver e encontrar diferenças nos gêmeos quando eles andam muito juntos;, comenta a nutricionista Cíntia Sousa, 28. Uma gravidez esperada para gerar um menino, surpreendeu a todos assim que Cíntia chegou com a irmã Daiane. Quem conhece as duas acha curioso as gêmeas terem escolhido a mesma carreira, além da mesma especialização, e ainda terem aberto uma empresa juntas. ;Falo para as pessoas procurarem seus gêmeos. O único erro nosso foi não termos nascido siamesas;, brinca Daiane. ;A vida nos levou a criar a nossa individualidade, inclusive nos momentos de separação. Temos jeitos e prioridades diferentes. Mas temos facilidade na convivência e optamos por viver juntas;, afirma Cíntia.

Desde os primeiros anos de estudo, as psicólogas aconselharam os pais das nutricionistas a separarem as irmãs. ;A primeira tentativa foi frustrada. A gente não lembra, mas minha mãe conta que enquanto uma estava na escola a outra ficava quieta em casa, esperando a irmã chegar para brincar;, lembra Cíntia. Por algumas vezes, a responsável precisou solicitar formalmente que as filhas ficassem na mesma sala. Durante os ensinos fundamental e médio, a situação começou a mudar por opção das gêmeas. Elas pediram para revezar. Um ano estudavam juntas e no outro, não. Assim, uma ajudava a outra nas disciplinas que tinha mais facilidade.

A relação de cumplicidade e amizade entre as duas é tão forte que foi com o auxílio da irmã que Cíntia escolheu a profissão. ;A Daiane sempre falou em Nutrição. Eu não sabia o que queria, mas pensava: se somos tão parecidas e gostamos das mesmas coisas, pode ser que dê certo. Depois, me identifiquei e me surpreendi;, conta. E, como nos outros casos, o momento de ruptura maior foi na faculdade. Cíntia passou primeiro no vestibular. ;A gente fazia questão de curtir os momentos juntas. Foi até nessa época que meus pais reformariam a casa e optamos em dormir no mesmo quarto;, lembra Daiane. Hoje, com a empresa, Cíntia e Daiane estão diante de um desafio que exige novas habilidades de cada uma delas. Mas, aos poucos, vão se descobrindo e superando os obstáculos. Sempre juntas.

Três Perguntas Para
Sâmara Jorge, psicoterapeuta

Como deve ser trabalhada a individualidade dos gêmeos?
Alguns pais tendem a ver os gêmeos como uma só pessoa. Afinal, nasceram ao mesmo tempo, da mesma mãe, do mesmo pai, no mesmo lugar e foram gerados a um só tempo. Mas são duas pessoas, duas individualidades, e não um ;bloco;. Enxergá-los dessa maneira pode atrapalhar a manifestação e o desenvolvimento da individualidade de cada criança, sobretudo quando são idênticos. É preciso um olhar atento para cada filho. Mesmo com aparências idênticas, desde muito cedo, já manifestam temperamentos, ritmos e comportamentos individualmente. Evitar vestir sempre com as mesmas roupas, ter um tempo com cada um e valorizar suas singularidades são atitudes importantes. Evitar comparações também. Perceber, respeitar e valorizar o ritmo, as atitudes e interesses de cada um são essenciais. Entretanto, não podemos desconsiderar as semelhanças.Elas também fazem parte do desenvolvimento da individualidade.
À medida que crescem, começam manifestar desejos e vontades diferentes. É fundamental que os pais permitam, incentivem e respeitem as escolhas de cada filho. Uma vez que são as escolhas que nos diferenciam, que permitem identificações e que tornam possível a construção do caráter, de um perfil, um jeito de ser singular, único.

Intromissão de terceiros. Como lidar?

O universo dos gêmeos é permeado por especulações e estereótipos. É verdade que existem muitas particularidades em ser gêmeo, entretanto não há regras ou caminhos certos ou errados a seguir apenas porque alguém nascer gêmeo de outro. Uma das interferências mais comuns são as comparações. Não é raro que os pais de gêmeos ouçam perguntas do tipo: quem é mais bravo? Quem é mais tranquilo? Qual dá menos trabalho? E não há como evitar esse tipo de manifestação, cujo pior efeito se dá quando está implícito um julgamento de valor. Além disso, ao serem comparadas, as crianças são colocadas em um lugar ou em uma posição rígida, como se não pudessem circular entre a gama de características que possuem. Sentem-se levadas a se comportar, em alguns casos, de um modo oposto aos irmãos, para se diferenciar ou serem vistas como pessoas singulares. Em outros casos, podem experimentar um sentimento de inferioridade por não serem iguais.

O que define a relação dos irmãos gêmeos?

Não há como negar que existe uma vivência que só os gêmeos têm. Vou contar uma história de minhas filhas. Durante o parto, Julia teve uma fratura na clavícula e ficou durante 10 dias com o ombro e o braço imobilizados. Isadora, que nada havia sofrido, ficava com o braço na mesma posição que a irmã, dentro da manga do macacão. Nos primeiros dias, insisti em colocar o seu bracinho para fora da roupa, mas quando, depois de alguns instantes ia olhar, lá estava ela, com a manga do macacão pendurada e o braço dobrado novamente. Achei que tinha algo a ver com a relação delas e fiquei apenas observando. Quando tiramos as ataduras da Julia e ela começou a reconhecer e movimentar seu bracinho, Isadora também o fez e nunca mais voltou a ficar naquela posição. Embora não haja estudos ou pesquisas científicas que afirmem que sentem as mesmas coisas ou pressentem situações envolvendo o outro, há evidências de que isso ocorre. No caso dos gêmeos parece haver uma crença de que isso certamente ocorrerá. Cria-se um mito em torno da relação dos irmãos, como se essa comunicação entre eles fosse algo especial e quase telepático. Não é bem assim. Muitos não sentem nada disso. E não há nada de errado com eles.