Os integrantes do suposto cartel de postos de combustíveis usavam telefone, e-mails e encontros presenciais para combinar preços e, assim, ditar as regras do mercado no Distrito Federal. Os empresários falavam abertamente sobre o assunto e, em alguns casos, lançavam mão de códigos para acertar detalhes sobre os valores a serem fixados nas bombas de álcool, gasolina e diesel. O Correio teve acesso à íntegra do processo judicial decorrente da investigação do Ministério Público do DF e da Polícia Federal. Na última terça-feira, sete pessoas foram presas acusadas de envolvimento no esquema, entre empresários do setor e funcionários de distribuidoras.
Entre os presos, estão o presidente do Sindicato dos Donos de Postos de Combustíveis, José Carlos Ulhôa, e os empresários Antônio Matias e Cláudio Simm, das redes Cascol e Gasoline, entre as maiores do setor. A Justiça autorizou a quebra do sigilo telefônico de José Carlos Ulhôa em agosto de 2011, por conta de indícios de existência do cartel. Com o sucesso da coleta dos dados, o Judiciário autorizou o monitoramento de outras pessoas. O objetivo era desvendar o modus operandi do suposto esquema.
Exclusividade
A Polícia Federal e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP (Gaeco) apuraram que a BR Distribuidora fornecia produto com exclusividade para mais da metade dos postos de gasolina do DF. A Cascol comandava 95 dos 312 estabelecimentos. A rede cresceu rapidamente na década de 1990, logo após a abertura do mercado de combustíveis. A empresa fechou contratos com a Petrobras e conseguiu muitas vantagens, como o arrendamento dos postos de propriedade da BR Distribuidora.
Outras redes chegaram a recorrer à Justiça para conseguir os mesmos benefícios na BR Distribuidora. A maioria dos contratos da Cascol foi firmada na época em que José Miguel Simas, também preso, era gerente de Vendas da BR Distribuidora. Depois de se aposentar, ele passou a integrar a Rede Cascol. Para a PF, isso pode ser indício de promessas de vantagens indevidas, recebidas quando ele ainda ocupava cargo na BR.
Essas vantagens só diminuíram a partir de agosto deste ano, em razão da crise econômica que levou as distribuidoras a reduzirem os benefícios concedidos aos postos revendedores. A polícia flagrou uma conversa de Antônio Matias com Adão do Nascimento Pereira, da BR Distribuidora, em que o empresário cobra a retomada dos benefícios. Essa movimentação do mercado decorrente do corte de benefícios foi fundamental para que a Polícia Federal e o MP conseguissem comprovar a combinação de preços.
O cartel influenciava até os preços do Entorno. Marcello Dorneles, da Rede JB, relatou em conversa telefônica interceptada a realização de uma reunião com vários empresários. O objetivo era fazer um acordo com o posto São Roque para definir preços que seriam praticados em Formosa e na BR-020. Dorneles, que é diretor do sindicato, é um dos que usam códigos em conversas para combinar preços. Em um diálogo com um concorrente, ele afirma que quer ;fazer uma pinga 89;. Segundo os investigadores, isso significa que ele queria colocar o etanol a R$ 2,89. Entre as expressões usadas, os acusados falam em ;descer no subsolo; (abaixar muito os preços), ;matar ali no caminho; (não deixar que o movimento de baixa dos preços se alastre) ou ;publicar na segunda-feira; (abaixar o preço na segunda).
As gravações demonstram que o presidente do Sindicato dos Donos dos Postos, José Carlos Ulhôa, atuava em prol da Cascol. Matias pagava o salário de José Carlos, equivalente a R$ 11,8 mil, e os demais gastos da entidade. Em muitas ligações, Antônio Matias dá ordens a Ulhôa. Para a PF e o MP, isso evidencia a existência de uma relação de subordinação.
Argumentos
A juíza Ana Cláudia de Morais Mendes, da 1; Vara Criminal de Brasília, acatou os argumentos da PF e do MP. ;O que se vê nos autos, até o momento, são indicativos suficientes de práticas delituosas, que afetam diretamente a coletividade de consumidores, bem como a atividade econômica desenvolvida no DF. A atuação estatal se mostra imperiosa para restaurar o equilíbrio rompido no meio social;, destacou a juíza, na decisão que determinou as prisões.
Os representantes de Antônio Matias e Cláudio Simm alegaram que ainda não tiveram acesso aos autos. Os advogados de José Carlos Ulhôa e de Marcello Dorneles, Raul Livino e Antônio Gomes, explicaram que a defesa pediu à Justiça a revogação da prisão temporária dos dirigentes do Sindicombustíveis. Eles esperam que Ulhôa e Dorneles sejam soltos ainda hoje. A Petrobras Distribuidora informou, por meio de nota, que colabora com as autoridades. A Ipiranga declarou que as medidas serão avaliadas assim que a empresa tiver conhecimento dos autos. A defesa dos outros acusados não foi localizada.
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