Cidades

Manifestantes e ambulantes interferem na paisagem da área central da cidade

Para especialista, um código de posturas urbanas, que já existe em outras cidades, poderia amenizar tais situações

postado em 29/11/2015 08:05

Depois de 30 dias, o acampamento em frente ao Congresso Nacional foi retirado pelas polícias Militar e Legislativa

O acampamento em frente ao Congresso Nacional, retirado há uma semana pelas polícias Militar e Legislativa, deixou marcas que podem ser vistas claramente pela população. O protesto contra o governo da presidente Dilma Rousseff durou cerca de um mês, o suficiente para deteriorar o gramado. As barracas de lona, espalhadas desde o espelho d;água até a Alameda dos Estados, do outro lado da rua, privavam de sol e chuva a vegetação rasteira. Também é possível constatar locais em que nem existe mais grama, em decorrência da instalação de churrasqueiras, geladeiras, fogões, banheiros químicos e geradores elétricos, suporte preparado pelos organizadores para os mais de 30 dias de espera pelo impeachment.

Brasília já não é mais a mesma que era quando recebeu da Unesco o título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, em 1987. Exemplos não faltam. No Eixo Monumental, outra ocupação, desta vez no Hotel Torre Palace, gera risco e incômodo tanto aos manifestantes quanto a quem trabalha ou circula pela região. Há quatro meses, o servente de pedreiro José Pereira dos Santos, 26 anos, vive no local, que, de abandonado, não tem nada ; pelo menos no sentido de habitação. São 14 andares ocupados por moradores como Santos e por integrantes do Movimento Resistência Popular (MRP). ;Eu sonhei com ele desabando há umas duas semanas;, desabafa.

O medo de que o prédio caia não é o único problema pelo qual passam os ;hóspedes;. Anteriormente, o servente foi roubado por usuários de crack. ;Eu tinha ganhado lençol, coberta cheirosa, gostava de deixar meu quarto bonito. Vieram uns homens e roubaram;, lamenta.

Para o taxista João Calazans, 67, que trabalha no ponto em frente ao Torre Palace há 42 anos, a situação do edifício atrapalha o movimento dos clientes. ;A pessoa chega para ficar no hotel ao lado e, quando vê essa bagunça, acaba indo para outro local. Isso nos prejudica, porque diminui nossos passageiros;, afirma.

Na rodoviária do Plano Piloto, o cidadão pode comprar fruta, guarda-chuva, capinha para celular, carregador portátil, acessórios femininos, roupas, calçados, chip das operadoras de telefonia móvel, atestado admissional, meias. Se conseguir se desviar de tudo isso pelo caminho e chegar a tempo, ele pega o ônibus. O comércio irregular segue do terminal até as entradas para o shopping Conjunto Nacional e para o Conic. Entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (bloco C da Esplanada) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (bloco D), comerciantes vendem de artesanato a produtos eróticos. ;Atrapalha quem utiliza o espaço para ir e vir. Hoje até que está tranquilo, mas, em dias de maior movimento, a coisa fica ainda mais complicada;, reclama Josefino Lopes, 49, que trabalha próximo ao bloco C.

Bagunça política
Para o coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do UniCeub, José Galbinski, os exemplos acima são típicos de um país em desenvolvimento. ;Os camelôs fazem parte da catástrofe econômica que nós estamos vivendo. As manifestações, também. Esses protestos ilustram a bagunça política que existe no país; eles são parte disso;, afirma.

Galbinski acredita que um código de posturas urbanas, que já existe em outras cidades, poderia amenizar tais situações. ;Brasília possui uma série de normas, mas não tem um código de posturas;, analisa. ;Código de postura diz respeito ao comportamento no espaço público e elenca uma série de coisas, como diretrizes para o comércio ambulante, regras pra ocupação de calçadas, postula sobre o direito de ir e vir. É uma lei muito importante para a vida urbana e nós não temos. Ainda não foi nem para a CLDF;, acrescenta o arquiteto e urbanista Frederico Flósculo.

Na visão da vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do DF, Vera Ramos, o fato de uma área ser pública não quer dizer que regras não recaiam sobre ela. ;O espaço público é de todos. Não é uma terra de ninguém, é uma terra de todos. À medida que pessoas se apropriam dela, isso interfere na vida das cidades, na vida do cidadão, na paisagem e na mobilidade, porque muitas vezes o pedestre tem que passar pela rua quando a via está obstruída. O urbanismo tem regras, a cidade tem regras e cabe aos órgãos de fiscalização fazerem cumpri-las;, explica.

O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Distrito Federal, Carlos Madson Reis, comenta que esse tipo de protesto pode atrapalhar a utilização dos espaços pelos cidadãos. ;A gente não quer impedir a manifestação, isso é garantia constitucional, mas sim a instalação de estruturas que comprometam a visibilidade e o bom do uso dos espaços públicos;, diferencia.

Com relação ao comércio que ocorre temporariamente entre os ministérios, a Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) informou que ;a fiscalização de ambulantes em todo o DF é constante. O governo de Brasília estuda novas estratégias para tratar o comércio ambulante. Em eventos, os ambulantes podem ser credenciados pela Secretaria de Gestão de Território e Habitação (SEGETH), assim tendo autorização para exercer comércio de produtos em área pública. O foco da Agefis, no momento, é combater a concentração nos grandes centros urbanos. O trabalho da Agefis não pode se limitar à ação de reprimir. É uma questão social e será tratada em todos os seus aspectos.;

Sobre o hotel Torre Palace, a Casa Civil do DF disse que ;mantém um diálogo permanente com os movimentos sociais e está trabalhando na solução das demandas dos dois grupos que ocupam provisoriamente a área central de Brasília;. O secretário adjunto de Relações Institucionais e Sociais, Igor Tokarski, afirma ainda que todas as medidas de segurança foram tomadas para evitar transtornos à população.

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