postado em 22/12/2015 06:10
;É uma oportunidade de aprender uma nova profissão. Eu me sinto agora visto. Nas ruas, somos invisíveis para a sociedade.; A conclusão é do estudante do ensino médio Raimundo dos Santos Nascimento, 51 anos. Ele, que viveu por 10 anos nas ruas do Distrito Federal, hoje tem a oportunidade de aprender dois ofícios: cultivo de hortas e técnicas de fotografia. Isso graças a um grupo de profissionais que se uniram para oferecer, a pessoas em situação de risco, oficinas com práticas artísticas, terapêuticas, educacionais e profissionalizantes. O Projeto Equinócios é o segundo a ser mostrado na série #PrazerEmAjudar ; reportagens do Correio sobre grupos ou pessoas que ajudam a construir uma Brasília melhor por meio do voluntariado.O projeto começou em setembro deste ano com a realização de oficinas de agroecologia e fotografia. As aulas são realizadas no Centro de Referência Especializado para a População de Rua (Centro POP), na 903 Sul, e na Escola de Meninos e Meninas do Parque da Cidade ; instituição que se propõe a realizar um trabalho de educação com quem vive nas ruas. Além disso, uma vez por mês, ocorre uma oficina de cozinha, com lanches feitos com os alimentos colhidos na horta comunitária. Entre parceiros, voluntários e equipe, 25 pessoas que atendem a cerca de 50 alunos. A estudante de psicologia Juliana Sangoi, 32 anos, é quem coordena essa ação. ;Queremos diminuir o estigma em relação às pessoas que vivem em situação de rua;, explica.
[SAIBAMAIS]A cada hortaliça que nasce também ressurge uma esperança nos corações dos assistidos. Carlos Henrique Sá, 27, mora nas ruas há três anos e vê o projeto como uma maneira de aprender uma nova profissão e voltar a ter um lar. ;Vejo isso como um recomeço. Por isso, busco me concentrar na hora de aprender;, atentou. O pintor Heliovan Evangelista de Souza, 33, também participa com entusiasmo das aulas de cultivo. A cada dia, ele tem um novo lar, seja nas quadras da Asa Sul, seja na Torre de TV, a Rodoviária do Plano Piloto e no Centro POP. ;Isso significa que tem alguém olhando por nós. Um grupo de pessoas que quer nos dar uma chance. Vejo isso com muita alegria.;
Lentes
Nas oficinas de fotografias são registradas as melhores cenas da capital do país. As lentes captam as imagens a partir da percepção daqueles que vivem nas ruas. Quem ministra a oficina é a fotógrafa argentina Paula Carrubba, 38 anos. ;É um prazer imenso fazer parte desse projeto. Os alunos estão extremamente empolgados e com vontade de aprender. Isso me motiva a continuar.; Segundo ela, a existência da ação também depende da contribuição das pessoas. ;Quanto mais gente ajudar, doando equipamentos e materiais, mais força o Equinócios vai ganhar.;
As fotografias produzidas durante a oficina já foram expostas em duas mostras. A primeira, no arco entre o Museu e a Biblioteca Nacional; e a segunda, no salão de exposição do Centro de Convenções, durante a Conferência Nacional de Saúde, promovida no início de dezembro. As fotos fazem parte de uma imersão experimental das três primeiras semanas do curso. O cozinheiro Rogério Soares de Araújo, 44, foi um dos que tiveram a imagem exposta. ;Antes de chegar aqui, vaguei por cinco estados. É na fotografia que mostro o que tenho guardado nesses anos de ruas no DF. Essa chance dada me anima a prosseguir.;
O garçom desempregado Luiz Fernando Rocha, 27, saiu de Parnaíba, no Piauí, em 2006, em busca de um emprego e de novas oportunidades em Brasília. Porém, ele não teve sorte e foi parar nas ruas. Vive nas esquinas da 105 Sul. O jovem também participa da oficina de fotografia. A família reside no DF; porém, as drogas e o álcool o fizeram se afastar de todos. ;Vejo isso aqui como uma chance de aprender uma nova profissão e também de distrair a mente desta vida tão difícil que levo.; O vigia desempregado Helton Rodrigues, 27, também se sente à vontade nas aulas. ;É um prazer participar desse projeto;, disse.
Voluntariado
O Equinócios promove diversas atividades artísticas, sociais e ambientais voltadas exclusivamente para moradores de rua. O projeto é financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), porém muitos voluntários ajudam no andamento. As doações são essenciais para a continuidade da ação. ;As oficinas também são construídas a partir das demandas dos participantes. Queremos chamar a comunidade para fazer parte, seja levando uma semente, muda, seja colocando a mão na massa. O que vale é a troca de saberes, e construir esse vínculo. Diminuir o estigma em relação às pessoas que vivem em situação de rua;, explicou a coordenadora, Juliana Sangoi. ;Contribuir com o bem de alguém é um prazer para mim. Desde criança, tenho essa preocupação com o social. O Equinócios é mais um dos sonhos que se realizam. Isso me satisfaz.;
A publicitária Mayara Senise, 25, também faz parte da equipe de voluntários. ;Ao fazer bem aos outros, a gente acaba também se sentindo um ser humano melhor. Isso é além do que apenas fazer. É botar a mão na massa. O voluntário pode mover o mundo.;
Segundo dados da Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, a cada ano, o número de moradores de rua no DF é de, aproximadamente, 2.500 pessoas, sendo que a grande maioria é de homens entre 20 e 44 anos. Para 2016, a intenção do grupo que comanda o Equinócios é estender as atividades com a introdução de oficinas com atividades como teatro, circo, musicalização e artes urbanas, assim como atividades terapêuticas. Todas previstas para serem realizadas no Centro POP.