postado em 08/01/2016 09:04
Ângela não tem pai nem mãe. Vez por outra, sente-se como se nunca houvesse existido. Certa feita, indagou-se: ;Se eu não tivesse nascido, será que seria a mesma coisa?;. Diante de tais incertezas, até se acha boba. E chega a pensar: ;Será que estou pirando?;.
Aos 16 anos, a adolescente cheia de dúvidas comuns à idade aprendeu a botar os sentimentos no papel. Em português de dialeto próprio, mas claro o suficiente para externar alegrias e tristezas, Ângela escreve poemas.
No dia em que rascunhou alguns versos nos quais questionava a própria existência, mal poderia imaginar que se tornaria uma das protogonistas de uma iniciativa que tem ajudado a transformar o cotidiano de jovens garotas em conflito com a lei.
Trabalho que tem à frente pesquisadoras e estudantes de pós-graduação e graduação da Universidade de Brasília (UnB), o projeto Traços e Letras da Cadeia de Papel busca, por meio da literatura e da escrita, dar voz a jovens internas na Unidade Socioeducativa de Internação de Santa Maria, a única que atende ao gênero feminino no Distrito Federal.
Sob a perspectiva que visa entender a realidade desse público, a iniciativa surgiu em uma das visitas de campo realizadas por uma das pesquisadoras, em janeiro do ano passado.
Desde então, o que era apenas objeto de estudo se transformou em saraus literários, ocasiões em que as garotas compartilham experiências acerca do que leem e escrevem durante a rotina reclusa.
;Todas querem falar, ser ouvidas, escrever, trocar ideias sobre livros e romances. Já havia um projeto de leitura na unidade, um carrinho que circula pelos corredores entregando e recebendo livros. Não inovei no que já existia. Só introduzi literatura. Isso foi uma pequena novidade em uma cultura de leitura que me antecedia;, explica Débora Diniz, professora da Faculdade de Direito da UnB e idealizadora do projeto.
No início, sua intenção era estar ali somente para ouvir histórias. Mas descobriu nos encontros a oportunidade de descortinar o universo da literatura.