;Aqui se envelhece rápido.; A afirmação é do catador de material reciclável Nereu Bernardes dos Santos, 45 anos. Todos os dias, ele chega por volta das 2h ao Aterro Controlado do Jóquei, o Lixão da Estrutural, e trabalha até as 16h. A rotina é a mesma há mais de 10 anos. ;O serviço é muito pesado e desgastante. Tem o sol, o gás, o risco de pisar em caco de vidro, ferro;, descreve. Nereu ainda se queixa das frequentes dores de barriga. O trabalhador reconhece a insalubridade e os riscos do serviço. Mas, diante das montanhas de lixo que os caminhões descarregam a todo momento, ele também enxerga o sustento da família.
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O relato de Nereu não é diferente de outras histórias escondidas por trás das roupas compridas e dos rostos encapuzados do maior lixão da América Latina. Também vai ao encontro do trabalho desenvolvido na Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB). Entre 2011 e 2013, um grupo de professores e alunos desenvolveu estudos com a população de catadores de material reciclado para mostrar as condições de vida, de trabalho e de saúde dessas pessoas.
;Em 95% dos casos, elas têm consciência de que o ambiente de trabalho é perigoso ou muito perigoso. Os indicadores revelam que a qualidade de vida ali é precária. Elas devem sobreviver menos, mas ainda não temos dados para afirmar isso;, comenta a professora Leonor Maria Pacheco Santos. A pesquisadora aponta que aqueles trabalhadores estão expostos a gases, carregam muito peso, reclamam de dores nas costas e doenças crônicas, como pressão alta, trabalham à noite, têm problemas respiratórios, entre outras queixas. ;Sem falar que o próprio lixo, quando se deteriora, produz bactérias. Agora, por exemplo, o lixão é um ambiente propício para a propagação do mosquito Aedes aegypti em grande escala.;
Há mais de 40 anos, o aterro funciona ilegalmente e, com o passar do tempo, a área cresceu e se tornou uma cidade com vida própria. O Lixão da Estrutural é aberto 24 horas por dia. São mais de mil catadores de material reciclado e quase 3 mil toneladas de lixo diariamente. É um território cujas leis foram criadas pelos próprios trabalhadores, que, em grande parte, respiram aquele ar há anos. ;Não pode mexer com os cachorros que ficam do lado dos begues (o saco onde armazenam o material recolhido). Eles avançam, porque estão tomando conta para os donos;, alerta o funcionário do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) que acompanha a reportagem.
Da mesma forma que aprenderam a seguir as regras do aterro, os catadores encontraram estratégias para minimizar os riscos à saúde. ;O lixo hospitalar reconheço pela cor, e a gente tenta não pegar, mas já me furei com agulha e seringa;, conta Jhonatan Rodrigo Mesquita Silva, 26. Com um fone de ouvido e uma luva amarela, o rapaz separa o material que será vendido. ;Sinto muita falta de ar e dor no coração. Aqui, tem a Junta Médica, mas é a mesma coisa que nada. Quando preciso, vou ao Guará ou à Asa Norte.; No dia em que procura uma unidade de saúde para relatar as dores, deixa de faturar cerca de R$ 70 do trabalho.
;Corte é frequente;, afirma a catadora Francisca Orlena de Oliveira, 32. Há mais de 10 anos, ela enfrenta o sol e as dificuldades do trabalho no lixão. No entanto, preferiu trocar o serviço na separação que ocorre em um galpão para mexer diretamente nas descargas dos caminhões. ;Dá mais dinheiro. Apesar de que alguns dias sabemos que não vamos conseguir praticamente nada;, justifica. Para Francisca, os riscos que ela corre são como outros que ela teria fora dali. ;Tinha mais crise de sinusite antes de começar a trabalhar aqui.; No entanto, a catadora confessa que, durante as gestações dos filhos, trabalhava à noite para evitar a exposição ao sol e o tumulto. ;À noite, é mais tranquilo, tem menos gente disputando o lixo. Preferia para evitar que batessem na minha barriga.;
Alimentação
Nos estudos da Faculdade de Saúde da UnB, outro dado que chama a atenção é a insegurança alimentar dessa população. De acordo com as pesquisas, 55% das famílias informaram que comem alimentos catados no lixo. A situação ameaça a qualidade de vida e a saúde dos trabalhadores e os expõe a diarreias e também a doenças mais graves. Questionados pela reportagem, vários catadores afirmaram terem ingerido substâncias que chegavam, sobretudo, de descargas de supermercados.
Na hora do almoço, por exemplo, um outro cenário salta aos olhos. Envoltos por mosquitos, os trabalhadores abrem as marmitas e comem ao lado do lixo. Além disso, dentro do aterro, entre dois pontos de descarga, vendedores de comida dividem espaço com os cachorros, os cavalos e a sujeira. ;Há um restaurante popular próximo, mas os catadores não frequentam porque têm que tomar conta do begue. E esse tipo de comércio dentro do lixão é proibido pela legislação brasileira, mas é a forma de sobrevivência, tanto de quem compra quanto de quem vende;, esclarece Leonor Pacheco.
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