A curiosidade fez o jovem soldado tornar-se médico veterinário e, então, renomado cientista. Prestes a completar 100 anos, em 5 de fevereiro, o professor Milton Thiago de Mello ainda faz questionamentos que poderiam ser objetos de pesquisa. Tanto é que, em uma tarde de observação na varanda da casa, ele é capaz de listar 20 temas possíveis de serem estudados academicamente. São assuntos variados, das algas que habitam a fonte no jardim à incidência solar no lago. A atividade intelectual intensa será coroada com mais uma obra, O veterinário na segurança alimentar ; passado, presente e futuro, a ser lançada no dia de seu centenário, em solenidade na Universidade de Brasília (UnB), instituição em que atuou por quatro décadas.
Filho de indígena e pernambucano, o carioca começou os estudos no Colégio Pedro II. Cursou a Escola de Veterinário do Exército e dedicou-se a pesquisas na área de zoonoses aplicada à saúde pública e microbiologia. Desde cedo, percebeu que as áreas se completam. ;Ainda na escola, percebi que medicina humana, veterinária e meio ambiente são temas correlatos;, conta. Em O veterinário na segurança alimentar, o professor e pesquisador defende essa visão como papel central nos cuidados a serem empregados na cadeia de produção de alimentos de origem animal. Segundo consta do livro, há de se preocupar também com o aspecto social da profissão, ou seja, com questões como o combate à fome mundial. Isso porque, segundo Mello, os veterinários ainda não dão a devida atenção a aspectos não médicos da área. ;A saúde é uma só;, diz. Em decorrência dos estudos em microbiologia, precisou fazer experimentos em macacos. Dali, surgiu um apreço especial por primatologia, área então pouco explorada no Brasil da década de 1970. ;Costumo dizer que fundei a macacologia;, brinca.
A demanda por especialistas em primatologia o fez elaborar um curso de formação com profissionais de formações variadas. O grupo passava dois meses em imersão na Amazônia. ;De tudo o que eu fiz, os cursos pela Amazônia foram os que me deram mais alegria;, conta. Isso porque, além da produção de conhecimento específico ; a primatologia ; a experiência na floresta, durante dois meses, com os estudantes, foram aprendizados valiosos. ;Uma vez, uma aluna me disse que era um curso sobre convivência humana;, lembra. As duas primeiras edições da especialização foram por intermédio da UnB. Em razão das exigências burocráticas, os cursos seguintes ocorreram de forma independente. ;Foi um curso contra o establishment, contra o MEC (Ministério da Cultura);, afirma ele ; membro de mais de 30 sociedades científicas e com cerca de 20 prêmios e distinções internacionais.
Uma das críticas que o pesquisador faz ao ensino superior é justamente o descompasso das burocracias em relação às necessidades sociais. ;Minha bronca com a universidade é porque ela não satisfaz o anseio da sociedade;, afirma. Segundo ele, os cursos não estão capazes de identificar e promover as soluções demandadas pela população. ;As universidades ficam no salto alto e depois se surpreendem se as faculdades particulares fornecem a formação de que a sociedade precisa;, critica. O centenário deu-lhe liberdade para, sempre à vontade, questionar a ordem política e ideológica. ;Não estou mais preso ao establishment. Posso falar o que quiser e jogar a culpa na idade ou na doença;, ironiza.
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