Cidades

Por falta de remédios, brasilienses amargam em filas por quimioterapia

Falta de medicamentos na rede pública, pelo menos desde novembro, faz com que pacientes atrasem e interrompam tratamento vital. Secretaria de Saúde confirma o desabastecimento de remédios e diz ter planos para construção de um hospital referência no setor

Otávio Augusto
postado em 20/01/2016 06:05

Marilene Menezes não consegue realizar uma sessão de quimio há dois meses e, segundo ela, não há previsão para a chegada de produto para a terapia

A mais recente tomografia da professora Marilene Menezes, 48, identificou a existência de dois novos nódulos no pulmão. Na luta contra o câncer há quase um ano, ela vive na unidade da federação que não tem um hospital de referência para tratar a doença. Há dois meses, a moradora do Riacho Fundo 2 não consegue submeter-se a sessões de quimioterapia. No Hospital de Base do DF (HBDF), onde se trata, poucas são as informações. ;Dizem apenas que não existe previsão e que o remédio está em falta;, conta a mulher.

Anualmente, 5 mil pacientes realizam quimioterapia na rede pública da capital federal, segundo a Secretaria de Saúde. Entretanto, a pasta não informa qual é a demanda reprimida, ou seja, as pessoas que estão sem assistência médica na fila de espera, e não há previsão para a normalização dos serviços, à revelia do que recomenda a literatura médica, que é clara ao pedir agilidade no tratamento. Três hospitais oferecem o serviço na cidade: HBDF, Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e o Hospital Universitário de Brasília (HUB), que é uma unidade conveniada.

Marilene não é a única que está sem atendimento, apesar de o Executivo local não ter ferramentas para contabilizar quantas pessoas tiveram o tratamento suspenso. Uma enfermeira da oncologia do Hospital de Base conta que o dilema se arrasta desde novembro. Segundo a servidora, em meados de dezembro, algumas sessões chegaram a ser realizadas com os restos do estoque. ;A Secretaria (de Saúde) recebeu a primeira notificação ainda em novembro. No último mês, tivemos que escolher quem faria o tratamento;, afirma a enfermeira, que pediu para ter a identidade preservada.

Custeio
O repasse de recursos do Ministério da Saúde para custeio da especialidade aumentou 46,34% entre 2013 e 2014: saiu de R$ 21,3 milhões para R$ 31,2 milhões. No ano passado, até novembro, a autarquia federal desembolsou R$ 25,7 milhões. Para a cabeleireira Zinólia Rodrigues Pereira, 45, os investimentos não fizeram a diferença. A irmã dela, a empregada doméstica Edinólia Vicente Rodrigues Pereira, 47, descobriu um câncer no reto e no útero há dois meses. A mulher teve apenas o diagnóstico. Até hoje, o tratamento não começou. ;Ela teve que parar de trabalhar por causa das dores. No momento, ela toma apenas analgésicos. Não tem expectativa para começar o tratamento;, explica.

A fim de conseguir realizar o diagnóstico de câncer, Edinólia peregrinou por cinco hospitais. Na última semana, familiares estiveram no Hospital de Base como intuito de cadastrar a mulher na fila para a realização da quimioterapia. Chegaram às 10h e concluíram o atendimento às 18h. ;A atendente que fez a nossa ficha disse para procurarmos outra possibilidade. Ela contou que tem gente esperando desde março do ano passado e não fez nenhuma sessão. Ficamos muito abalados porque não temos dinheiro para pagar;, conta Zinólia. Em média, cada sessão de quimioterapia custa R$ 2 mil na rede privada.

No caso da primeira personagem, Marilene, a escassez de dois medicamentos, a carboplatina e a paclitaxel, diminui as chances de cura. ;Fico angustiada porque tenho que lutar contra o tempo, e o intervalo no tratamento faz com que a doença avance mais rapidamente. É quase uma sentença de morte;, lamenta. A última sessão de quimioterapia teria que ocorrer em 28 de dezembro. Porém, não havia medicamento para o serviço. Como o ciclo do tratamento é de 21 dias, na segunda-feira passada, a mulher deveria ter feito mais uma sessão ; o que não ocorreu pelo mesmo problema.

O oncologista Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia (SBO), alerta que a interrupção do tratamento ou o acesso tardio diminui as chances de cura e a qualidade de vida dos pacientes terminais. ;O tratamento não pode ser interrompido. Isso submete as pessoas à dor, ao sofrimento;, aponta o especialista (leia Três perguntas para).

Sem saída
Maria das Graças Machado, coordenadora do Instituto de Apoio ao Portador de Câncer (IAPC), instituição filantrópica que acompanha o tratamento de câncer no DF há 16 anos, garante que a maioria dos pacientes não tem acesso ao serviço. ;A paciente mais recente que acompanho espera desde julho do ano passado. Ela fez uma cirurgia e os médicos recomendaram a radioterapia e a quimioterapia oral. A família recorreu ao Ministério Público, mesmo assim, não adiantou. Esse é um tratamento caro. Normalmente, os pacientes não conseguem pagar e ficam sem saída;, conta Maria.

A Secretaria de Saúde informou, em nota, que ;trabalha no abastecimento de toda a rede pública;. ;Hoje, são 62 zerados (62 medicamentos faltando). Todos estão com processo de compra em andamento;, detalha o documento, sem dar prazo para as prateleiras estarem abastecidas. Segundo o Executivo local, há um projeto para a construção do Hospital do Câncer de Brasília. Com o empreendimento, a pasta estima atender cerca de 6 mil novos casos por ano. Também não há previsão para a unidade médica sair do papel. Em nota, o Hospital Universitário de Brasília (HUB) informou que, em 2015, 825 pacientes tiveram atendimento integral, com a disponibilização de 4.619 sessões de quimioterapia. ;Quatro médicos atuam no setor, que funciona com capacidade máxima. As vagas são liberadas sempre que um paciente conclui o tratamento.;

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