Nathália Cardim, Luiz Calcagno
postado em 16/03/2016 07:14
Quatro horas após ser liberado da prisão, usando ainda as roupas brancas dos internos do Complexo Penitenciário da Papuda, Francisco Magalhães de Souza, 42 anos, só pensava em voltar para casa. Morador de Paracatu (MG), ele olhava para os espaços abertos do saguão da Rodoviária Interestadual de Brasília como quem se dá conta da amplidão do mundo pela primeira vez. Entre idas e vindas de presídios no Distrito Federal e em Minas Gerais, ele passou, no total, 2 anos e 4 meses atrás das grades. E por um crime que jamais cometeu: um assassinato praticado em Ceilândia em 1989. O autor do homicídio é o primo e irmão adotivo homônimo de Francisco, 11 anos mais velho. A história foi revelada pelo Correio.
Uma das últimas consequências do erro cometido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e também pela Justiça mineira foi o isolamento de Francisco na Papuda. De família humilde, ele passou os últimos cinco meses sem contato algum com a mulher, Nair Gonçalves da Silva, 56, e com a filha de criação. Sentado em uma mesa no pátio da Rodoviária Interestadual, com palavras simples e a voz baixa, quase sem sorrir, ele contou à reportagem que Nair trocou de celular pouco antes de ele ser transferido para o DF. Ela ainda tentou visitá-lo, mas não teria conseguido entrar na Papuda. ;Em dias de visita, era muito ruim. Parecia que a distância aumentava. Eu ficava só e vendo os outros presos recebendo os familiares. Senti muita saudade;, recorda (leia Quatro perguntas para).
Há seis dias, Francisco completou o 42; ano de vida. Nem se deu conta de que o aniversário tinha passado. Apenas ao ser questionado sobre a idade, percebeu. Acompanhando a mente, que levou tempo para perceber a liberdade, Francisco demorou para se soltar durante a conversa com o Correio. Do andar tímido e dos ombros encolhidos, passou a caminhar solto e, ao transitar pelo terminal rodoviário, chegou a brincar e a jogar para o alto a trouxa de roupas brancas e pertences pessoais que levava consigo desde que deixou o Centro de Prisão Provisória da Papuda (CPP). O momento de descontração foi, talvez, o primeiro desde a saída da prisão.
Saudade
Há seis dias, Francisco completou o 42; ano de vida. Nem se deu conta de que o aniversário tinha passado. Apenas ao ser questionado sobre a idade, percebeu. Acompanhando a mente, que levou tempo para perceber a liberdade, Francisco demorou para se soltar durante a conversa com o Correio. Do andar tímido e dos ombros encolhidos, passou a caminhar solto e, ao transitar pelo terminal rodoviário, chegou a brincar e a jogar para o alto a trouxa de roupas brancas e pertences pessoais que levava consigo desde que deixou o Centro de Prisão Provisória da Papuda (CPP). O momento de descontração foi, talvez, o primeiro desde a saída da prisão.
Saudade
A vida que levava antes, no entanto, acabou. Ele trabalhava como auxiliar de serviços gerais em Paracatu e, agora, terá de procurar um novo emprego. A Carteira de Trabalho ainda está na antiga empresa em que trabalhava. Francisco teme, também, que encontre dificuldades, não por causa da crise, mas pelo tempo em que ficou marcado injustamente como criminoso pelo TJDFT, pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e pelo Ministério Público de Minas Gerais. A primeira vez em que foi preso, em 2009, por causa do assassinato cometido pelo irmão adotivo, passou 11 meses na cadeia, mas não chegou a ser transferido para o DF. Foi liberado em 2010 e pretendia trocar de nome logo em seguida. Chegou a dar entrada no processo, mas, em 2012, acabou detido novamente pelo mesmo motivo. Passou cerca de 8 meses na penitenciária.
Ao longo desse período, a mulher dele lutou para que o Judiciário acreditasse na existência de um homônimo. Ainda assim, o MP e o TJDFT insistiram na tese de que o Francisco mais novo teria uma Carteira de Identidade falsa. Se o marido de Nair tivesse realmente cometido o homicídio em 1989, teria matado em Ceilândia aos 15 anos. No processo que o prejudicou, até o endereço do responsável pelo crime constava como sendo o do inocente.
Francisco pretende processar o Estado por danos morais e materiais, pelo emprego perdido e pela vida deixada para trás. ;Graças a Deus, estou livre;, diz Francisco. ;A saudade é muita, Estou doido para chegar em casa. Cada vez que fui preso, fiquei triste. Nunca participei de uma audiência sequer com um juiz. Nunca me olharam no rosto. Só me prendiam e me soltavam. Nos últimos meses, o único contato que tive foi com o advogado. Hoje, ainda tive medo de não ser solto. Mas agora vou voltar para a minha família;, comemora.
Pouco antes de ser liberado ontem, Francisco passou por mais um susto. A Vara Criminal de Ceilândia expediu o alvará de soltura na segunda-feira. O advogado dele, Ivo Ribeiro, chegou a ir à Papuda para buscá-lo por volta das 19h. Mas não havia tempo hábil para liberá-lo por causa dos procedimentos obrigatórios. A expectativa, então, era de que Francisco saísse ontem pela manhã. Mas o TJDFT errou mais uma vez com o auxiliar de serviços gerais. Por causa da falha em um código do documento, ele passou algumas horas a mais no CPP. Foi nesse momento que chegou a pensar que não sairia mais. ;O sistema prisional e a Justiça precisam de mais conexões para que essas coisas não ocorram. A liberdade de Francisco é muito gratificante. Você está evitando que a Justiça não puna alguém que não fez nada. É muito bom vê-lo solto;, afirma Ivo.
Quatro perguntas para - Francisco Magalhães de Souza, 42 anos
Qual foi o peso dos erros judiciais para a sua vida?
Fui preso três vezes. Perdi o meu emprego e a minha liberdade. Fiquei longe da minha família várias vezes e, desta vez, estou há cinco meses sem falar com a minha mulher e a minha filha. Graças a Deus, estou livre.
Por que você ficou tanto tempo sem falar com a sua família desta vez?
O presídio (Papuda) é distante (de Paracatu) para minha mulher me visitar sempre. Ela chegou a vir, mas não a deixaram entrar. Parece que foi por causa das roupas que ela usava. Não sei bem. Ela também mudou de telefone um pouco antes de eu ser transferido para cá, então não tinha como ligar para ela.
Você guarda algum ressentimento contra o seu irmão adotivo, por ter sido preso por um crime que ele cometeu?
Não nos falamos há muitos anos. Não cheguei a falar com ele desde que isso tudo começou. Apesar de eu estar preso pelo que ele fez, a culpa não é dele. A culpa é da Justiça. Foram eles que erraram. A primeira vez que me prenderam, em 2009, fiquei 11 meses na cadeia. Fui solto em 2010 e devia mudar meu nome. Dei entrada no processo, mas, antes do fim, prenderam-me novamente.
Como foi a vida na Papuda? Como foi a relação com os presos e com os agentes prisionais?
É um lugar triste, e a vida lá não é fácil. E se é difícil pagar uma pena por um crime que você cometeu, imagine estar lá e ser inocente. Os meus colegas de cela me falavam para processar a Justiça. É o que eu sentia e é o que as pessoas lá dentro também me falavam. Os agentes faziam o trabalho deles. Eles gritam, empurram você, mas nunca fizeram nada de mais grave.