Ao contrário de Jesus e Maria, eles não figuram entre os mais populares nas encenações das vias-sacras. Espécies de vilões na Paixão de Cristo, Judas, Maria Madalena e os centuriões são, muitas vezes, hostilizados pelo público. Mas, nem por isso, os atores que dão vida a tais papéis na maior e mais popular via-sacra do Distrito Federal deixam de ter orgulho de fazer parte do time de 1,1 mil atores. Amanhã à tarde, Preto Rezende, Neidson Tavares, Giliard da Silva e Sandra Freitas seguirão, orgulhosos, do pretório de Pilatos até o monte Calvário, ao lado de 120 mil fiéis ; público esperado no Morro da Capelinha, em Planaltina.
Com eles, no elenco, estão pessoas das mais diversas idades e profissões, quase todos moradores da região. São contadores, funcionários públicos, professores e vendedores que, uma vez por ano, vestem os trajes de milênios atrás e incorporam a história mais lida e comentada de todos os tempos: a da Santa Bíblia. A a preparação tem sido intensa para fazer bonito a partir das 15h de amanhã. Mal acabou o feriado do carnaval, já começaram os ensaios. Pelo menos uma vez por semana, por quatro horas, o grupo se reúne para treinar as falas, os movimentos, a respiração e até as chicotadas ;- para que ninguém se machuque de verdade.
Na véspera da grande encenação, confira o que os atores que representarão os renegados da história do cristianismo têm a dizer.
1,1 mil
atores participam, todos os anos, da Via-sacra de Planaltina
Entre cusparadas e pedradas
Ofensas pesadas são a menor das preocupações dos atores que interpretam os centuriões, soldados que conduzem Cristo, entre chicotadas e empurrões, até o momento de ser crucificado. Há 12 anos integrando o grupo ; uma década como soldados e promovidos a centuriões em 2015 ; Neidson Tavares (à esquerda na foto), 40 anos, e Giliard da Silva (à direita), 34, aprenderam a lidar com as reações exaltadas do público. ;As pessoas realmente levam a sério e entram no clima. Elas se revoltam e nos chamam de tudo quando é nome, mas xingamento é o de menos. Costumamos levar cusparadas e até pedradas;, conta Giliard. O ator se lembra de uma vez em que precisaram correr de espectadores, que, enfurecidos, esperaram até eles saírem de cena para os perseguirem. ;Nunca chegaram a partir para a agressão, porque tem segurança. Mas, nesse dia, chegaram perto. As pessoas confundem com o vilão de verdade, é que nem novela;, compara Neidson.
Para eles, a reação é um bom sinal. ;Significa que estamos fazendo nosso trabalho direito, pois convencemos o público;, considera Giliard, que trabalha como contador quando está fora de cena. Espectador assíduo da Via-Sacra de Planaltina ; ele nunca perdeu uma desde que fez 1 ano de idade ;, precisou esperar seis anos na fila de espera até conseguir uma vaga no grupo, em 2004. ;Mais de mil pessoas estavam na minha frente;, recorda-se.
No mesmo ano, o colega Neidson, que trabalha como administrador de imóveis, entrou para o time dos soldados. Mesmo com toda a repercussão negativa do personagem, ele garante: ;Não trocaria de papel. O meu é tão importante quanto os outros para evangelizar e contar a história de Cristo. A gente mexe com o público, incomoda, mas passa a mensagem;.
[FOTO4] Há 15 anos como traidor
Quando foi chamado para atuar como Judas, em 2001, Preto Rezende relutou em representar o personagem mais odiado da via-sacra. ;Ninguém quer fazer o papel do traidor;, admite o ator, hoje com 57 anos. O coordenador da peça, à época, o chamou para assumir o papel quando o Judas anterior precisou viajar a trabalho, a uma semana para a Sexta-Feira Santa. ;Como eu era diretor de encenação, sabia todas as falas.;
Apesar do receio, ele acabou aceitando o convite. ;O primeiro ano foi difícil, senti a carga emocional; mas, depois, melhorou. Continuo aprimorando o personagem, hoje tiro de letra;, conta. Este ano, ele completa 15 anos de Judas e 31 de via-sacra. ;Já levei um cuspe ou outro, mas, em geral, a reação é positiva. As pessoas ficam com dó de Judas depois, quando ele fica agoniado e arrependido;, conta Preto, que foi o primeiro ator profissional a integrar o grupo.
Formado pela Faculdade de Artes Dulcina De Moraes, ele, atualmente, dá aula de artes em uma escola pública de Planaltina. Alunos, pais e até desconhecidos o reconhecem. ;Eu gosto da repercussão. É bom quando ouço que sou o melhor Judas que já viram;, confessa. ;Se pudesse escolher, preferiria continua fazendo Judas. Jesus, não. Ele apanha demais. Não tenho preparo físico para isso;, brinca.
Lágrimas de verdade
O retorno da plateia, para Sandra Freitas, 26 anos, que interpreta Maria Madalena, não é tão sofrido quanto o dos centuriões. Em 2014, ela realizou o sonho que tinha desde menina: fazer parte do grupo a que assistia todos os anos, no Morro da Capelinha. Mesmo sem nenhuma experiência em atuação, foi chamada para ser uma das pessoas do povo, que seguem Jesus até ele ser crucificado. ;Fiquei muito feliz. Para mim, qualquer papel servia;, lembra. A família, católica, formada por produtores de tomates, ficou igualmente feliz com a conquista.
No ano seguinte, Sandra foi promovida a Maria Madalena. ;Fiquei ainda mais emocionada com o convite, pois não estava esperando;, conta a produtora rural, que considera o papel tão importante quanto os outros. Ela tem certeza que o público concorda. ;As pessoas gostam da Maria Madalena, tem um carinho especial por ela acompanhar Cristo;, explica. As cenas mais emocionantes, para ela, são a da lavagem dos pés e quando Maria Madalena se desespera por não poder ajudar Jesus. ;Vejo os olhos das pessoas cheios de lágrimas e é muito bonito.;
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