Cidades

Conheça histórias de moradores do Sol Nascente, na Ceilândia

Ao abrigar talentos que cantam as injustiças sociais e batalham por uma cidade melhor, o setor habitacional revive a história da Ceilândia de 45 anos atrás e coloca em evidência as paixões e os desafios diários de quem foi acolhido pela região

postado em 27/03/2016 08:05

A rapper Rebeca Realleza anda de skate, luta Muay Thai e, agora, vai começar o curso de direito com bolsa ofertada pelo governo


Ceilândia não nega a diversidade que a constitui nem mesmo nas regiões que se ergueram há menos tempo. O Setor Habitacional Sol Nascente é um exemplo disso. Nas estradas de terra que contornam as casas, é possível ver passar de carros populares do último modelo a boiadeiros montados a cavalo tocando o gado. O mesmo ocorre na arte: do rap à música popular, todos os sons são bem-vindos e retratam, cada um à sua maneira, a realidade da região.

Uma aula de história sobre a burguesia e a realeza inspirou o nome artístico da rapper Rebeca Elen Santos Silva, 20 anos. Os colegas de classe brincavam que ela deveria fazer parte de um mundo de reis e rainhas, pois estava sempre envolvida com os projetos desenvolvidos na escola. Quando o contato com o rap se tornou mais forte, ela refletiu sobre os privilégios desses dois grupos no período Imperial e percebeu que a população da cidade em que morava também merecia ser tratada como a nobreza.

;A Ceilândia, principalmente o Sol Nascente, é uma cidade muito humilde, mas com pessoas que têm riquezas imensuráveis;, relata. ;Deveríamos ser tratados como a realeza, e não como os servos;, completa. A partir daí, adotou o nome Rebeca Realleza para as apresentações e gravações com o grupo Sobreviventes de Rua. ;Criei minha própria realeza, e meus amigos são meus impérios.;

Nas letras, Rebeca canta o amor pela cidade, a família e busca contribuir para a conscientização de outros jovens, mostrando caminhos que passam longe do crime ; que já levou alguns dos amigos dela ;, da violência e das drogas. ;É uma oportunidade que eu tenho de estar com eles, com as pessoas que estão nesse mundo, abrir os olhos delas e estar em contato com elas mesmo sem fazer o que elas fazem;, afirma. E tudo isso sem deixar de entreter. ;A gente também quer trazer cultura, alegria e diversão para a nossa quebrada, para a nossa cidade.;

Rapper, skatista, lutadora de Muay Thai e, dentro de alguns anos, advogada. Essas são as paixões que Rebeca carrega. Ela acaba de iniciar o primeiro mês de aula no curso de direito, que vai fazer graças à bolsa que conseguiu pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) no câmpus Oeste do Centro Universitário Iesb, em Ceilândia Norte. O objetivo é especializar-se na área trabalhista.

O futuro de conquistas que Rebeca traça para a própria vida coincide com o que deseja para a cidade que a acolheu. Além de ruas asfaltadas, com uma ladeira para que possa andar de skate com a irmã mais nova, ela espera mais oportunidades. ;Meu sonho para Ceilândia é que ela seja valorizada e tenha o mesmo investimento e privilégios que muitas outras cidades.;

Raízes

Também no Sol Nascente, o cantor e compositor Máximo Mansur, 38 anos, traz as raízes afro-brasileiras baianas e mistura a ritmos que só conheceu mais profundamente na capital federal. Afoxé e música de terreiro com o maracatu e as melodias que embalavam as festas que frequentava com os irmãos mais velhos nos fins de semana, ao som de Amado Batista ou Só para contrariar ;uma mistura bem brasileira.

Máximo chegou a Brasília em 1998. O fungo causador da vassoura-de-bruxa atingiu a plantação de cacau que a família tinha no interior da Bahia, em Ituberá, e, sem sustento, eles precisaram se mudar. Foi em 2006, mesmo ano em que chegou a Ceilândia, que lançou o primeiro disco, Banana com farinha, carregado dessa história de migração. ;Na época em que eu nasci, era isso o que criava os bacuris. Eles nasciam e iam comendo papa de banana, até poder comer feijão;, lembra-se. Até hoje ele é apaixonado por banana e por qualquer receita que leve a fruta como ingrediente.

;Saí da Bahia, mas a Bahia não saiu de mim;, resume. A busca uma nova identidade foi o que inspirou as composições. ;Lá (na Bahia) eu só precisava ser o filho da Maria;, conta. Servidor? Estudante? Político? Decidiu virar músico para cantar esses sentimentos e se envolver com os movimentos sociais para que, além de ouvidos, eles pudessem levar a mudanças na comunidade em que escolheu viver. Criou, então, a Associação Voz Nascente, que organiza saraus e convida artistas locais para discutir os objetivos da arte que produzem e que influencia as novas gerações. ;A música é um meio de levar isso para as pessoas sem ser um discurso frio;, afirma.

;Recentemente, estou lançando o trabalho Concréticas, que é o ápice dessa discussão. Não é mais como vim do interior e, sim, como viver nessa selva de pedra. Como a gente vai fazer para conversar, quais são os símbolos, como a gente dialoga;, explica. O que Máximo expressa por meio da arte tem relação com o presente que ele espera dar e receber de Ceilândia nesse aniversário. ;Um presente para mim e para a minha cidade é que meu trabalho fosse exposto de forma clara e que assim funcionasse para todos os filhos mais novos, que merecem estar na festa de Ceilândia.;


Participe
Associação Voz Nascente

A nova sede da associação está em reforma. Em breve, o espaço estará pronto e será inaugurado com o primeiro sarau. Informações na página maximomansur.blogspot.com.br.

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Esta é a nossa quebrada
Francisca Ambrósio do Nascimento, a Dona Chica, viu três cidades nascerem. Natural de Currais Novos (RN), ela chegou ao Planalto Central antes da inauguração de Brasília, em 1958. Mais tarde, mudou-se para Ceilândia com o marido, ainda na década de 1970, quando as ruas eram puro barro. Agora, aos 68 anos, orgulha-se de ter participado da construção de uma cidade pela qual lutou desde o início. ;O Pôr do Sol, hoje, é um sonho que se realizou. O que a gente via aqui dentro era só medo. As pessoas não imaginavam que isso ia se levantar do jeito que se levantou. A gente sonhava em ver assim, tudo arrumadinho;, conta ela, que ocupa o cargo de prefeita comunitária.

Ao lado do Sol Nascente, o Setor Habitacional Pôr do Sol é a região mais nova de Ceilândia. Muitos dos que moram por lá são filhos da cidade, integrantes da geração que sucede a dos pioneiros. É o caso de Johnny Costa, 46 anos, que veio com os pais do Piauí em 1979. Devido à valorização dos imóveis na parte central da cidade, ele e os seis irmãos dificilmente conseguirão, todos, comprar casas próximas à do pai, que mora no P Sul.

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