Cidades

História de fiel escudeiro de JK confunde-se com a de Brasília

Morador da cidade que ajudou a construir, ele celebra hoje um centenário de vida

Renato Alves
postado em 16/04/2016 06:08
Brincalhão, Heliodoro se diverte contando as histórias de Juscelino e de Brasília
Sessenta anos atrás, Juscelino Kubitschek começava a escrever a história de Brasília, assinando o documento que pedia ao Congresso Nacional a mudança da capital para o Centro-Oeste. Seis meses depois, a construção da cidade tinha início. Da equipe de assessores do presidente que participaram dessa bem-sucedida aventura, apena um está vivo. Fiel amigo e uma espécie de anjo da guarda de JK, o coronel Affonso Heliodoro completa 100 anos hoje. Morando há 35 na cidade que ajudou a tirar do papel, leva uma vida ativa, cercado de amigos e familiares.

Heliodoro nasceu em 16 de abril de 1916, mas os pais o registraram só dois dias depois, em 18 de abril. Por causa do atraso, os três dias são sempre festejados por ele, com muitas risadas e histórias ; de JK e de Brasília. A amizade de ambos vem da infância na terra natal deles, Diamantina (MG).
Aos 6 anos, Heliodoro andava pelas ruas de pedra da cidade mineira carregando pesados tabuleiros de doces, da fábrica onde eram produzidos para as padarias. Aos 7, no dia do aniversário, perdeu o pai durante uma investigação policial em Salinas, no norte do estado. O pai era delegado. A partir de então, a mãe criou, sozinha, os oito filhos.

Ainda na infância, Heliodoro teve como professora a mãe de JK, Júlia Kubitschek. Começava ali sua relação com o futuro presidente da República. ;Desde então, a nossa convivência foi integral e permanente. JK era uma figura humana excepcional, um administrador incrível e um patriota sem igual. Ele era fantástico. Um exemplo de vida;, ressalta o coronel.

Já como integrante da Polícia Militar de Minas Gerais, Heliodoro assumiu o Gabinete Militar no governo do estado, quando Juscelino se elegeu governador. Ainda na esfera mineira, dirigiu o Serviço de Verificação das Metas Econômicas do Governo e o Serviço de Interesse Estadual. Em seguida, participou ativamente da campanha eleitoral de JK para a Presidência.

Em Brasília
Heliodoro esteve ao lado de JK em todos os momentos cruciais da vida do presidente. O coronel fazia parte da comitiva que, na madrugada de 18 de abril de 1956, em uma modesta casa à beira do aeroporto de Anápolis (GO), testemunhou a assinatura do documento pedindo ao Congresso Nacional a mudança da capital para o Centro-Oeste e a criação a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).

O coronel também caminhou ao lado de Juscelino na primeira visita do presidente ao sítio da nova capital, em 2 de outubro de 1956. ;Isso aqui não era nada. Mas nunca duvidei do sonho de JK. Ele era um homem diferente. Gostava dos desafios e do progresso. E não media esforços para isso. Eu acordava o presidente e apagava a luz do quarto dele todas as noites. Ele era incansável, trabalhava como um louco pelo país;, conta.

Para Heliodoro, apesar de toda trabalheira, Brasília é o que de melhor fez na vida. ;Nós trouxemos a civilização e o progresso para o Centro-Oeste;, ressalta. O militar da reserva acredita que JK conseguiu cumprir a promessa de transferir a capital porque, entre outras coisas, tinha objetivos claros. ;Ele cumpriu todas as metas do plano de governo. Desde então, que administrador brasileiro teve metas claras? Nenhum;, afirma.

No exílio
Mas os planos de Juscelino, de acordo com Heliodoro ; que ocupou o cargo de subchefe do Gabinete Civil no governo federal, de 1957 a 1961 ;, contrariavam muitos interesses, em especial os norte-americanos. ;Eles não tinham interesse no desenvolvimento do país e, por isso, eram visceralmente contrários a Juscelino;, defende.

O coronel se lembra da terça-feira em que a ameaça de golpe militar se tornou realidade. ;Estava com JK no apartamento dele no Rio de Janeiro. Ficamos atordoados com a notícia, mas ainda não tínhamos noção do alcance daquele atentado à democracia;, destaca. Outros companheiros do ex-presidente acompanharam, assustados, a chegada das tropas à capital fluminense. Os amigos mais próximos temiam pela segurança de JK, pois as intimidações eram constantes.

Dois meses depois do golpe, em 3 de junho, Juscelino, então senador, fez o último discurso no Senado. ;Na previsão de que se confirme a cassação dos meus direitos políticos, que implicaria a cassação do meu direito de cidadão, sinto uma perfeita correlação entre a minha ação presidencial e a iníqua perseguição que me estão movendo;, frisou. Nove dias depois, ele teve suspenso o mandato e rumou para o exílio, em Paris.

A derrubada do então presidente João Goulart foi apenas um pretexto para impedir a segunda eleição de JK à Presidência, diz Heliodoro. ;Antes dele, o país importava até caneta esferográfica. No fim do governo, com Brasília construída e estradas abertas, estávamos exportando automóveis. Isso incomodou muita gente;, argumenta. Ele destaca que, em Paris, JK morava em um apartamento pequeno, em um bairro nada glamoroso. ;Fiquei um bom tempo com ele lá. Temia pela vida do presidente;, frisa.

Em família
Em Brasília, entre os anos de 1983 a 1996, Heliodoro assumiu o zelo pelo Memorial JK. Depois, passou a presidir o auditório do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF), do qual, hoje, é o presidente de honra. Na entidade, vai receber homenagens de amigos e familiares, nesse dia do seu centenário. ;Heliodoro foi o mais importante braço de Juscelino Kubitschek. É uma pessoa absolutamente correta e agradabilíssima. É um garoto de 100 anos;, destaca Márcio Cotrim, integrante do IHG-DF.
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