Cidades

PM acusado de extermínio no Entorno do DF é condenado a 48 anos de prisão

Militar recebeu a pena por matar colega de farda e outras duas pessoas. Ele é acusado de integrar esquadrão da morte que seria comandado por tenente-coronel escolhido para combater o crime na Região Metropolitana de Goiânia

Renato Alves
postado em 12/05/2016 15:17

Investigado pela Polícia Federal como integrante de um grupo de extermínio que agia no Entorno do Distrito Federal e em outras regiões de Goiás, o policial militar Geson Marques Ferreira Vieira foi condenado a 48 anos de prisão por matar três pessoas. Uma delas, também PM, era o alvo do réu. As outras duas, inocentes, acabaram assassinadas por serem testemunharem da morte do militar.

[SAIBAMAIS] O crime aconteceu em 2009, em Barra do Garças (MT), mas a condenação só saiu agora. Mesmo podendo recorrer da decisão, Geson está preso preventivamente em um quartel da PM do Mato Grosso. Ele, porém, é do quadro da PM de Goiás, assim como Jander Figueira da Mota, a primeira vítima no triplo homicídio ocorrido na cidade matogrossense.

Jander havia sido expulso da PM goiana por integrar um grupo de extermínio formado por colegas de farda. Ele decidiu procurar o Ministério Público estadual para denunciar ameaças de morte por parte de membros da quadrilha e pedir a inserção no programa de proteção à testemunha. Em 2008, sofreu uma tentativa de homicídio, em Goiânia, a qual tem militares como únicos suspeitos.

Tal esquadrão da morte seria responsável, entre outros crimes, pelo assassinato de um policial rodoviário federal. Ao investigar esse crime, policiais civis encontraram uma pistola na casa de Jander, que a perícia constatou ser a mesma que vitimou o patrulheiro rodoviário. A partir de então, os demais integrantes do grupo de extermínio decidiram que Jander deveria ser morto, como ;queima de arquivo;.

Comandante

Tenente-coronel Ricardo Rocha Batista, acusado de comandar o grupo de extermínio

O mesmo grupo de extermínio seria comandado pelo atual comandante de Policiamento da Capital da PM de Goiás, tenente-coronel Ricardo Rocha Batista. Ele assumiu o cargo em fevereiro, apesar da longa lista de acusações. Rocha, inclusive, vai a júri popular em 23 de junho, em Rio Verde, no sudoeste do estado. Ele responderá pela morte de Alessandro Ferreira Rodrigues, ocorrida em setembro de 2006.

De acordo com a denúncia do Ministério Público de Goiás (MPGO), Alessandro era suspeito de envolvimento com tráfico de drogas e foi atraído para uma emboscada próximo a um posto de combustíveis, quando teria sido alvejado pelo tenente-coronel. À época, Rocha comandava o Batalhão da PM em Rio Verde.

Autor da denúncia, o promotor de Justiça Mário Henrique Cardoso Caixeta disse que o policial, ;agindo como se fosse justiceiro, em atividade típica de grupo de extermínio, resolveu, então, assassiná-la (a vítima). Torpe, portanto, o móvel do crime;.

Ricardo Rocha é apontado como autor de mais de 100 mortes no estado. Metade das vítimas não tinha ficha criminal. O policial militar responde por assassinatos em Rio Verde, Goiânia, Cachoeira Alta, Aparecida de Goiânia, Formosa e Alvorada do Norte, todas cidades de Goiás.

Destituição do cargo

Em março, o MPGO e o Ministério Público Federal (MPF) expediram recomendação conjunta ao comandante-geral da PM goiana, coronel Divino Alves, para que destitua o tenente-coronel Ricardo Rocha do Comando do Policiamento da Capital.

Procuradores alegaram os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e eficiência. No documento, assinado pelo promotor de Justiça Giuliano da Silva Lima (da área de controle externo da atividade policial) e pelo procurador da República Mário Lúcio de Avelar, são destacados as ações e os inquéritos policiais a que o tenente-coronel responde em 10 comarcas. São cinco ações penais (quando a denúncia já foi recebida pela Justiça) e cinco inquéritos policiais.

;Rigoroso;


O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) saiu em defesa de Ricardo Rocha. Irritado com o questionamento dos jornalistas, o tucano afirmou que o oficial é ;extremamente operacional; e ;rigoroso; no combate ao crime. Perillo defendeu que Rocha foi absolvido de ;vários crimes;.

A nomeação de Rocha fez parte de uma série de mudanças nas cúpulas das polícias Civil e Militar de Goiás, em um plano de segurança pública do governo estadual. Anunciado com o nome de Tolerânica Zero, ele teve início na manhã de sexta-feira, com o intuito de diminuir os índices de violência, em especial os de assassinatos, na Região Metropolitana de Goiânia.

Impunidade

Apesar de ainda não ter sido condenado por nenhum dos crimes atribuídos a ele ; processos estão em andamento ou foram extintos por falta de testemunhas ;, Ricardo Rocha é alvo de investigação sigilosa da PF. A apuração, que está em andamento, culminou em prisões recentes em Formosa (GO) ; leia reportagens relacionadas nos links ao lado.

Impunes na esfera estadual, crimes atribuídos a PMs goianos (entre eles Rocha) que atuam ou trabalharam no Entorno do DF foram federalizados em dezembro de 2012. A decisão partiu do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por unanimidade, ministros da Corte acataram parcialmente o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e transferiram quatro processos da Justiça estadual para a Justiça Federal.

Parte dos crimes federalizados dizem respeito às mortes em série ocorridas em Goiás e denunciadas pelo Correio desde 2009, por terem características de ação de um grupo de extermínio. Todas as vítimas eram moradoras de rua e teriam sido executadas por policiais militares goianos em uma espécie de limpeza, em troca de propinas de comerciantes.

Sexto Mandamento

Operação Sexto Mandamento: policiais militares presos acusados de participarem de grupo de extermínio  são transferidos de Goiânia para o presídio de Segurança Máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul

Os casos estão entre os 50 apurados pela PF e que culminaram na Operação Sexto Mandamento (em referência ao decálogo bíblico, cujo sexto mandamento é ;não matarás;), em fevereiro de 2011, com a prisão de 19 PMs de Goiás. Entre eles, o então subcomandante-geral da PM goiana, coronel Carlos Cézar Macário, um tenente-coronel, um major, dois capitães, um tenente, dois subtenentes, um sargento e quatro cabos. O major era Ricardo Rocha.

Também estavam sob investigação o ex-secretário de Segurança Pública de Goiás e ex-deputado estadual Ernesto Roller e o ex-secretário da Fazenda estadual Jorcelino Braga, ambos na condição de suspeitos pela prática de tráfico de influência que resultaram nas promoções de patentes de integrantes da organização criminosa.

Roller, à época da Sexto Mandamento, era procurador-geral de Goiânia. Ele foi candidato a vice-governador de Goiás na eleição de 2010 pela chapa de Wanderlan (PP), derrotada. Segundo apuração do MPGO, responsável por uma série de investigações contra o bando de matadores, Roller teria protegido os PMs investigados, promovendo-os após serem denunciados à Justiça por suposto envolvimento nas mortes de inocentes.

Apoio político

Ricardo Rocha foi denunciado pelo MPGO por participação em uma chacina com cinco mortes e por crime de pistolagem. Tudo quando ele era o subcomandante da PM em Rio Verde, no Sudoeste goiano. Após as mortes em série, Rocha foi transferido para Goiânia, onde comandou a Rotam entre 2003 e 2005. Época em que a PM mais matou na capital.

De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, foram registrados 117 homicídios em Goiânia cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal. Outras 60 (51,3%) eram foragidas da Justiça ou acusadas de algum crime.

Em meio a investigação do MPGO sobre esses casos, o major voltou a Rio de Verde. Em seguida, foi para Formosa, terra natal e base eleitoral do então secretário de Segurança Pública de Goiás, Ernesto Roller.

Foi o próprio Roller quem nomeou Rocha para assumir o 16; Batalhão. Em solenidades e entrevistas à imprensa do estado, Roller não economizou elogios ao major. Declarou que ele diminuiu a violência, mas nunca apresentou as estatísticas.

Fazendeiros de Formosa também defendiam Rocha. Chegaram a fazer festa para ele após série de reportagens do Correio sobre a matança na região. Rocha ainda recebeu homenagem da PM, em Goiânia, na despedida do cargo que deixou para disputar a eleição de 2010 como deputado estadual, com apoio de Roller. Mas Rocha teve negado o registro de sua candidatura pela Justiça Eleitoral, por irregularidade na sua inscrição eleitoral.

Mortes em série

Em 2008, os PMs admitiram ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas em Formosa. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Na maioria dos registros, os militares alegaram confrontos com bandidos armados. Mas, grande parte das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Em quase nenhuma suposta troca de tiros houve moradores como testemunhas.

O aumento no número de mortes no município com a chegada do major Ricardo Rocha ao batalhão de Formosa, em 2007, chamou a atenção do MP e da Polícia Civil de Goiás, que abriram investigações sigilosas na capital do estado. Antes de Formosa, o major esteve em Rio Verde, onde é acusado de executar cinco condenados que haviam fugido da cadeia e de matar com cinco tiros um homem desarmado.

Apesar do histórico de violência, os PMs ficaram pouco tempo na cadeia após a Sexto Mandamento. Hoje, quase todos estão livres, na ativa e gozando de prestígio nos quartéis. Há suspeitas de que um deles voltou a matar por ordem de superiores.

Morosidade

A PGR queria que oito casos parados na Justiça goiana fossem repassados para a Justiça Federal, com acompanhamento do MPF e diligências da PF. Com a decisão do STJ, quatro vítimas tiveram os casos federalizados, o restante das ações foi mantida na Justiça de Goiás, mas com recomendação de prioridade.

Em agosto de 2012, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deu parecer favorável à federalização de investigações das oito ações penais e inquéritos policiais de crimes de homicídio, tortura e desaparecimentos forçados cometidos em Goiás. O parecer consta da manifestação final enviada ao ministro Jorge Mussi, do STJ, relator do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC-3), nome oficial do pedido.

O governo do Estado, segundo Janot, não tomou providências para investigar outros casos de desaparecimento forçado. Há ainda casos levados ao Judiciário que sequer têm a fase inicial do processo concluída. Por isso, o procurador considera a necessidade de federalização também para garantir o processamento dos autos em prazo regular. Dessa forma, ele rebate, além do governo goiano, o Tribunal de Justiça e o MP de Goiás, que se posicionaram contrários à federalização.

Em junho de 2012, a pedido de Mussi, uma diligência foi enviada à Goiás para analisar o andamento de cada investigação. Os técnicos do STJ constataram que os inquéritos não vinculados a pessoas presas estavam parados.

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