Cidades

Brasiliense preso duas vezes por engano reconquista liberdade

Em duas oportunidades, o auxiliar de cozinha ficou em penitenciárias por um crime que não cometeu. Agora, provada a inocência, ele sofre com o medo que passou, quer rever os filhos e achar um emprego que o ajude a se reerguer

Adriana Bernardes
postado em 17/05/2016 06:05
Márcio não quis que a família o visitasse:
A vida no cárcere era hipótese improvável na vida do auxiliar de cozinha Márcio Batista de Carvalho, 41 anos. Nascido em Sobradinho, começou a trabalhar aos 14 anos. Lavou carros, vendeu jornais, foi balconista e pedreiro. Levava uma vida comum até que, em janeiro do ano passado, uma abordagem policial mudou a vida dele. Márcio acabou encarcerado acusado de receptação e formação de quadrilha, crimes jamais cometidos. Levou dois meses e 10 dias para provar a inocência. Mas o pesadelo vivido num passado recente voltou a assombrá-lo. Márcio retornou ao presídio sob a mesma acusação. Lá, ficou 15 dias até provar, mais uma vez, o erro.

Morando de favor na casa de uma tia, em São Sebastião, Márcio recebeu a reportagem do Correio. A alegria pela liberdade reconquistada enche de lágrimas os olhos do ajudante de cozinha desempregado. Mas a violência vivida nas duas oportunidades fez dele um homem diferente. Perdeu a vontade de sair de casa. Tem medo de polícia e não esquece os dias e as noites atrás das grades. Nas duas prisões, as celas eram minúsculas. Onde mal cabiam seis homens, ficavam instalados cerca de 15. Não havia cama ou colchão. No lugar do travesseiro, ele usava os chinelos em busca de algum conforto.

Teve de ficar nu na frente de homens e mulheres que trabalham na prisão. Lidou com a vergonha e com o constrangimento. Sempre calado, engolia xingamentos e agressões, e sofria com a dor dos detentos mais velhos. Antes de dormir, se lembrava da família. Pensava na mãe e, especialmente, nos filhos, que não viu durante o tempo em que esteve preso. ;Eu não autorizei que nenhum deles me visitasse. Não podia permitir que me vissem naquela situação, naquele lugar;, frisa. Convivia com homicidas, assaltantes e traficantes pacificamente. Aprendeu os ;termos da prisão;. Ao comparar a realidade das penitenciárias de Águas Lindas e Papuda, não hesita: ;Águas Lindas era um paraíso;.

Sem voz
O brasiliense amargura a sensação de não ter tido voz. Quando foi preso pela primeira vez, garante que mal pôde se explicar. Estava caminhando por Águas Lindas (GO) ao ser abordado pela polícia. ;Os policiais me pediram para encostar na parede e entregar os documentos. Fui para a delegacia e lá constava o mandado de prisão por um crime ocorrido no Espírito Santo;, lembra. O curioso é que ele jamais esteve lá. Nascido e criado na capital, nunca saiu daqui. ;Na delegacia, não quiseram me escutar. Só falaram que eu estava sendo procurado;, lamenta. Na penitenciária de Águas Lindas, ficou numa cela com 16 detentos, um banheiro e seis camas. O conforto era mínimo: tinha televisão, luz e ventilador. Mas nem a menor das estruturas ofuscava o sentimento de indignação. ;Cheguei muito assustado, perplexo por estar preso sem ter feito nada;, diz. Dois meses e dez dias depois, foi solto.

Mas, em 29 de abril deste ano, a polícia o abordou novamente. Estava indo jantar na casa da tia, em São Sebastião. ;De novo, tive que mostrar minha mochila e fui revistado. Disseram que havia um mandado de prisão contra mim;, recorda. Passou a noite na delegacia. Dividiu a cela com um acusado de estupro. Depois, seguiu para a Papuda, mais exatamente para a cela 11E. A tia, que o aguardava, só soube da prisão três dias depois, quando foi à delegacia prestar queixa de desaparecimento. ;Eu não pude ligar para ela para dizer que estava preso. Eles não deixaram;, argumenta. Lá, sofreu com uma pequena revolta que fez com que os agentes usassem gás de pimenta. ;Mas na cadeia é assim. Se um erra, todos pagam;, ressalta.

Falsificação
Os crimes dos quais Márcio foi acusado e preso ocorreram no município de Presidente Kennedy, no sul do Espírito Santo, a 160km de Vitória. Um dos integrantes da quadrilha apresentou um documento de identidade falsificado. Segundo a defensora pública do Distrito Federal Nilda Resende, a fotografia, a data de nascimento e a assinatura são diferentes do papel original.

As ordens de prisão vieram de um juiz daquele estado.;Um dos acusados no processo usou um documento falso do nosso cliente e acabou condenado. Quando o juiz determinou a prisão, procuraram pelo nome e endereço que constavam do processo e chegaram a ele;, relata.

A família procurou a Defensoria Pública em busca de ajuda. ;Fomos procurados em 9 de maio. No dia 11, conseguimos decisão favorável e o reconhecimento de erro por parte do juiz;, conta a defensora. Márcio esperou na cadeia até o dia 13 deste mês a conclusão dos trâmites legais. A Defensoria Pública vai entrar com processo contra o estado do Espírito Santo pedindo indenização. ;Espero que a Justiça seja feita. Vou correr atrás de um emprego novo e rever meus filhos. O que mais quero é limpar meu nome e que o verdadeiro culpado seja preso;, desabafa Márcio.
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