Helena Mader
postado em 04/06/2016 06:00
Uma guerra política coloca em risco mais de 850 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em instituições públicas do Distrito Federal. Diante do deficit de pessoal nas unidades de internação, servidores decidiram, por conta própria, restringir direitos como visitas e banhos de sol. O clima entre os jovens é de tensão, e familiares temem rebeliões nas unidades. O Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal publicou esta semana uma resolução determinando o restabelecimento da rotina dos internos. O Sindicato dos Servidores da Carreira Socioeducativa, que representa a categoria, diz que seria preciso praticamente dobrar o efetivo para uma normal prestação dos serviços. Eles querem que o governo autorize os servidores a fazerem hora extra para suprir esse deficit.
A controversa cartilha do sindicato reduziu o número permitido de visitantes de quatro para um por interno. Os agentes socioeducativos também resolveram proibir a entrada de comida nas unidades de internação de adolescentes e reduziram drasticamente o tempo de banho de sol dos jovens. Eles alegam que não há efetivo para os procedimentos anteriormente adotados nos centros.
O secretário de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude do DF, Aurélio Araújo, critica a cartilha. ;O sindicato não tem autonomia para determinar procedimentos dentro do espaço público. Não cabe à entidade estabelecer as condutas a serem tomadas pelos servidores;, diz Aurélio. ;Eles não podem tirar direitos dos jovens como forma de buscar os próprios direitos;, acrescenta o secretário. Segundo ele, está em andamento um concurso público para a contratação de servidores, e o processo de seleção deve ser concluído até setembro. ;Os funcionários que descumprirem os procedimentos rotineiros das unidades podem responder na corregedoria.;
O Ministério Público do DF abriu procedimento para apurar o desrespeito à legislação nos centros de internação. Para o MP, a restrição de direitos fere o Estatuto da Criança e do Adolescente e a lei que regulamenta o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
O presidente do Sindicato dos Servidores da Carreira Socioeducativa do DF, Cristiano Torres, diz que a medida extrema foi tomada para assegurar a segurança de funcionários e de adolescentes. ;Seria preciso aumentar o quadro em cerca de 80% para que houvesse um atendimento normal. O governo poderia ao menos autorizar horas extras, isso aumentaria em 40% o efetivo de servidores. Mas o GDF não libera;, reclama Cristiano. ;Com o efetivo atual, não é possível fazer revista na comida levada por familiares e em um grande número de visitantes.;
Restrição de direitos
O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente identificou uma série de problemas nas unidades. Na resolução publicada pela entidade esta semana, o conselho denuncia a falta de oficinas de qualificação, de materiais de consumo e de limpeza, de carros e de medicamentos. ;Os socioeducandos estão sem banho de sol adequado, visitas familiares restritas a uma única pessoa e diante da impossibilidade de recebimento de alimentação complementar fornecida pelas famílias. Faltam roupas de cama e banho, material de limpeza e higiene pessoal e há o descumprimento das orientações pactuadas com a Secretaria de Estado de Saúde, com suspensão abrupta do uso do cigarro;, denuncia o conselho.
A entidade apontou ainda a existência de racionamento de água sem aviso-prévio, denunciou a má qualidade da comida servida e falhas no atendimento médico. No ano passado, um interno do Recanto das Emas morreu depois de um ataque cardíaco. Desde o início de 2015, nove jovens morreram sob a tutela do Estado: além desse caso de morte natural, houve oito assassinatos. O CDCA garante ainda que as atividades profissionalizantes são quase inexistentes. ;Há reiterados relatos de agressões sofridas pelos adolescentes, que evidenciam uma cultura institucional de violência e a falta de formação dos servidores;, diz a resolução da entidade.
O presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fábio Félix, cobra a retomada da rotina dos jovens nas unidades de internação. ;Nenhum problema, mesmo que estrutural, justifica a negação de direitos, que deveriam ser garantidos pelo Estado;, afirma Fábio. A entidade cobrou que, em um prazo de 60 dias, a Secretaria da Criança publique instrução normativa com regras claras de conduta nas unidades.
A reportagem conversou com parentes de jovens internados em unidades do DF. Eles afirmam que o clima entre os adolescentes, depois da suspensão de benefícios, é de tensão. ;Eles estão muito revoltados. Os agentes proibiram totalmente o cigarro de uma hora para a outra, sem oferecer nenhum tipo de tratamento de saúde. Os garotos estão à flor da pele;, conta a mãe de um jovem de 18 anos, que está há um ano e quatro meses internado no sistema socioeducativo, por ato análogo ao tráfico de drogas. ;Os agentes são muito violentos, não só com os adolescentes, mas também com os familiares. Já me chamaram de vagabunda na fila da visita;, queixa-se a mulher.
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