O Ministério Público Federal (MPF) denunciou três gestores do governo local e um do Ministério da Saúde por exposição de pacientes hemofílicos e coagulopatas ao risco de morte pela falta de medicamento preventivo e emergencial. Eles também vão responder por desobediência a ordem judicial e serão responsabilizados pelas falhas na distribuição dos remédios. O órgão cobra ainda providências que garantam a regularização da assistência na capital federal.
A denúncia foi formalizada após seis meses de investigação. O procurador regional da República Ronaldo Albo denunciou o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, o ex-secretário Fábio Gondim, a presidente da Fundação Hemocentro, Miriam Daisy Calmon, e o coordenador geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, João Paulo Baccara. Segundo a investigação, o desabastecimento, que afeta a vida de 240 pacientes, agravou-se a partir de janeiro deste ano, quando a distribuição de insumos destinados aos portadores de hemofilia e a aquisição de novos estoques passaram por uma ;situação caótica;.
A consequência da má gestão é drástica na vida dos doentes. Além das dores agudas, eles podem entrar em um quadro de debilitação, com risco de sequelas irreversíveis, como a amputação de membros, e até a morte. Por ano, são identificados, em média, seis novos casos da doença. A servidora pública Roberta Gomes de Lucena, 46, é mãe de Matheus, 14. Aos 4 meses, ela descobriu que o filho era hemofílico. Ultimamente, a situação é de extremo desespero. ;Você tem que passar a sensação para o seu filho de que está tudo bem. Mas ele abre a geladeira e vê cada vez menos medicamento. Quando é pequeno, você consegue contornar. Mas, na adolescência, não dá mais para contar uma história, porque ele vê que a realidade é outra.;
Segundo Roberta, o fracionamento das doses teria começado em outubro do ano passado. Primeiro, as entregas passaram a ser feitas a cada 15 dias. E de fevereiro para cá, além de quinzenais, o Hemocentro suspendeu as doses extraordinárias, que servem para os sangramentos espontâneos. ;É uma situação muito grave. Sem o medicamento, essas pessoas podem sangrar até a morte ou ficar debilitadas para o resto da vida;, lamenta.
Calvário
A situação é tão grave que o procurador Ronaldo Albo está determinado a responsabilizar criminalmente os gestores de saúde toda vez que uma pessoa tiver amputação, sequela ou vier a óbito por falta de remédios. ;Se o Estado veda a comercialização e não fornece o medicamento, qual é a opção do paciente? As pessoas não podem esperar;, disse ao Correio. A partir de agora, o procurador está disposto a ampliar a investigação e ouvir pacientes renais, falciformes e diabéticos que enfrentam dilema parecido.
Segundo a ação, em janeiro, o MPF alertou a Secretaria de Saúde e o Ministério da Saúde sobre a crise no setor. ;Cabia aos denunciados, cada um na sua exclusiva parcela de culpabilidade, tomar medidas eficazes para evitar todo o dano físico, psicológico e moral que induvidosamente ocorreu;, detalha na ação penal. A médica hematologista do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) Jussara Oliveira Santa Cruz de Almeida depôs na investigarão e ressaltou o risco de possível falta de medicação para o tratamento. ;Na verdade, tais prescrições estão sendo atendidas de forma fracionada;, descreve trecho do depoimento.
Versão oficial
O Correio entrou em contato com o Ministério da Saúde no fim da tarde de ontem. Por telefone, a assessoria de comunicação informou que ;não houve tempo para levantar tecnicamente as informações sobre o medicamento;. Sobre a ação, disse que vai responder judicialmente. A Fundação Hemocentro não comentou o caso. ;O referido processo corre em segredo de Justiça. Nenhuma informação pode ser repassada pelas partes;, resumiu, em nota.
O ex-secretário de Saúde Fábio Gondim garantiu que ;não houve negligência no fornecimento; durante sua gestão. ;Trabalhamos com toda a dedicação para reverter essa situação. A situação crítica dos hemofílicos está num quadro mais grave ainda: o da saúde pública. A gente distribui o que o Ministério oferece e sempre houve questionamentos da quantidade;, ressaltou.
Em nota, a Secretaria de Saúde disse que não foi notificada a respeito de ação. Porém, garante que está atuando para que em nenhum momento os pacientes fiquem desassistidos. Segundo a pasta, em abril do ano passado, houve uma ;uma súbita diminuição do quantitativo de entregas; por parte do Ministério da Saúde. ; fato que voltou ocorrer no início do ano. ;A Secretaria de Saúde agiu com diligência, apesar de todas as dificuldades, e tratou o caso com total prioridade. Finalmente, vale reforçar que em nenhum momento nenhum paciente ficou sem receber os fatores coagulantes de que necessita;, destaca texto.