Cidades

Manifestações homofóbicas e racistas expõem UnB ao medo e à insegurança

A comunidade acadêmica defende a liberdade de expressão, mas vê com preocupação o crescimento de posições de extrema direita na universidade

Adriana Bernardes
postado em 27/06/2016 06:20 / atualizado em 16/09/2020 16:44

A comunidade acadêmica defende a liberdade de expressão, mas vê com preocupação o crescimento de posições de extrema direita na universidade

Inaugurada em 21 de abril de 1962 na recém-criada capital, a Universidade de Brasília (UnB) nasceu como símbolo da pluralidade de ideias e da produção intelectual e cultural do país. Há 54 anos, é lugar de embates de ideologias e discussões políticas de diferentes correntes. Mas, desde a redemocratização do país, não se via a presença tão forte de defensores do pensamento liberal. Para muitos, é um reflexo do que acontece no Brasil e no mundo. Nos últimos 15 dias, atos de violência física, psicológica, racista e homofóbica levaram medo à comunidade acadêmica e polarizaram as ações.

Há pouco mais de uma semana, um grupo de cerca de 30 pessoas que não fazem parte da instituição invadiu o Câmpus Darcy Ribeiro, na Asa Norte, e proferiu ofensas de cunho racista e homofóbico contra os alunos. De acordo com os manifestantes, o ato era contra a ;doutrinação esquerdista; da instituição. Dez dias antes, outra confusão motivada por divergências políticas acabou em agressões no Instituto Central de Ciências (ICC), o Minhocão. O conflito começou quando um aluno hasteou uma bandeira da Casa Imperial do Brasil no andar superior do prédio. Outros universitários tentaram recolher o símbolo da monarquia à força e uma briga envolvendo pelo menos cinco pessoas terminou em troca de socos e chutes.

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[SAIBAMAIS]Professora da Faculdade de Direito, Beatriz Vargas diz que os responsáveis pelos ataques estão equivocados quanto à realidade da instituição. Ela menciona que, em sala de aula, convive com estudantes alinhados com Frederich Hayek e outros adeptos do professor e ensaísta Olavo de Carvalho. E, mesmo com essa diversidade de pessoas, há convivência, conversas e discussões pacíficas. ;A postura desse bando, dessa quadrilha ligada à candidatura do Bolsonaro (deputado Jair Bolsonaro) é muito covarde. Está claro que eles escolhem alvos mais vulneráveis, que são os estudantes. É uma marca da extrema covardia desses grupos, que não sabem e não estão preparados para uma vida democrática;, analisa.

Segundo Beatriz, qualquer instituição que não abrange a pluralidade de ideias não merece o nome de universidade. Para ela, grupos de extrema direita, como o que atacou a UnB, é composto por ;gente desinformada e sem argumento;. ;Não temos termômetro ideológico para saber qual é, na universidade, o campo de conhecimento que tem postura mais à esquerda ou mais à direita. Há pessoas que defendem ideias diferentes em diversos campos. A UnB foi a primeira universidade que instituiu a cota racial e a cota social. Foi a primeira a autorizar o nome social; por isso, é alvo do discurso da ultradireita;, ressalta.

O apoio de docentes à presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), e o indicativo de uma eventual greve no segundo semestre, caso a petista não volte ao comando do governo federal, são apontados como alguns dos motivos dos ataques do dia 17. O presidente da Associação dos Docentes da UnB (AdUnB), Virgílio Arraes, explica que a assembleia dos professores apoiou uma proposta nesse sentido, mas que ela ainda precisa ser discutida no encontro nacional e, depois, avaliada novamente na UnB. ;A AdUnB não pode, de modo algum, compactuar com qualquer tipo de desrespeito, de afronta a valores democráticos. Essa é nossa postura;, destaca.

UnB, patrimônio valioso

; Ana Dubeux

A Universidade de Brasília é um templo. E deveria ser inviolável, mas está provado que não é. O recente protesto diante do Centro Acadêmico de Sociologia mostrou que o extremismo não encontra barreiras para propagar sua voz e sua ação. Trata-se de ousadia simbólica. Mas também de ameaça real. Quando digo que a UnB é um templo é porque tenho dela as referências mais impactantes em termos de uma educação livre, libertária, revolucionária. Seu câmpus aberto, sem barreiras, está impregnado pelas ideias de gente como Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, entre tantos outros fundadores, que mesmo expulsos pelos militares, deixaram o legado que ainda inspira os estudantes nos dias de hoje. Eu não estudei lá, mas tenho infindáveis relatos a respeito, do presente e do passado.

Os ventos mudam de direção e a realidade impõe transformações. Na política, sobretudo. Mas também na forma de financiar e equacionar os problemas do país e, particularmente, na educação superior. É preciso profissionalizar a gestão, enxugar gastos, buscar recursos. Sabemos todos que faz parte da história da UnB ser lugar de acolhida de todos os matizes ideológicos. Sempre houve convivência de ideias e ideais. Sempre houve setores mais conservadores, mais liberais, mais radicais, mais tudo, como quiserem chamar, esquerda, radicais de esquerda, direita, ultradireita, reaças. O preocupante não é a existência de uns e outros, é a impossibilidade de uma convivência respeitosa e pacífica entre eles. Isso é o que tem de ser combatido.

A UnB é ; porque sempre foi e deve continuar sendo ; vanguarda. A discussão sobre as cotas, raciais e sociais, partiu dela. Uma nova forma de ingresso no ensino superior, o PAS (Programa de Avaliação Seriada), partiu dela. Quantas e tantas outras ideias não estão sendo concebidas e testadas neste momento? Quantos políticos, ministros, juristas, médicos, biólogos, cientistas, enfim, não estão neste momento sendo formados ali? Não, não há espaço para mais nada a não ser o saber, a diversidade, a discussão pródiga, a ciência. Não deixemos entrar o crime, a homofobia, o racismo, a violência, a falta de respeito. Precisamos proteger nosso patrimônio mais valioso.


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