Jornal Correio Braziliense

Cidades

Estudantes da UnB usam picolés para avaliar honestidade de universitários

Os jovens se surpreenderam com o percentual da "taxa de esquecimento" de quem deveria pagar R$ 2 pelo produto mesmo sem ninguém para cobrar. O índice chegou a 34,1% por dia


Camilla Zorzi (D), 18 anos (ao lado de Luisa Barbosa Severo), estudante de administração" /> 
 
“Se você se deparasse com um freezer cheio de picolés e, no lugar de um caixa ou um fiscal, existisse apenas uma urna para você depositar o valor do produto, você pegaria o picolé sem pagar ou pagaria mesmo que ninguém estivesse olhando?” O questionamento, pregado na parede do Pavilhão João Calmon, na Universidade de Brasília (UnB), era parte de uma pesquisa realizada por três estudantes de economia, que buscaram avaliar a honestidade dos universitários no Câmpus Darcy Ribeiro, na Asa Norte.

Apesar de o grupo ainda não ter definido o que será feito dos resultados, ele chama a atenção: durante os 12 dias do experimento, os índices de “esquecimento”, ou seja, daqueles que não se dispuseram a pagar os R$ 2 cobrados por cada produto, ficaram bem acima do que esperado. “Achávamos que a porcentagem de picolés não pagos chegasse a 10%, no máximo, por dia. Mas, na sexta passada, esse número chegou a 34,1%, mesmo após o teste ter sido divulgado”, afirma Thainá Targino, uma das coordenadoras do experimento, ao lado de Gabriel Herct e Daniel Ribeiro.

Apesar de o universo acadêmico ser limitado, ele reflete um paradoxo na sociedade brasileira. Pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no primeiro semestre mostrou que 65% da população julga a corrupção como o principal problema no país. Em 2010, o crime havia ficado na quarta posição, subindo para a terceira em 2013. Thainá frisa que ainda não decidiu o que será feito a partir de agora — professores sugerem que eles façam palestras pela UnB para educar a comunidade acadêmica sobre a realidade dos atos corruptos —, mas surpreende ver que, no ambiente universitário, ainda haja uma taxa tão alta de contrassenso no discurso e na prática. “Somos o futuro da classe intelectual, que tem a chance efetiva de mudar a realidade do país, e tantos agem dessa forma. Deixa-me com menos esperança ver esse resultado.”

Para Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, experiências como essa são a prova de que a corrupção no Brasil é um problema cultural, em vez de uma questão limitada aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “Ela está no setor público e privado. Não há como avaliar onde ela começou, mas é certo que os brasileiros se conformaram a esses pequenos atos, como se eles fossem naturais”, avalia.

O especialista indaga sobre qual seria o impedimento de um estudante que não pagou pelo picolé teria ao agir de forma parecida ao assumir um cargo público. “A (Operação) Lava-Jato precisa ser elogiada, mas não pode ser eterna. É preciso trabalhar mais ainda a educação e há de se punir de forma veemente aqueles que cometem atos de corrupção. Um estudante não vai ser pego pela Lava-Jato, mas precisa ser atingido culturalmente para mudar sua percepção do que é uma ação corrupta”, completa.
 
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