Jornal Correio Braziliense

Cidades

Cidadãos de lugar nenhum: DF tem 11 moradores sem nacionalidade

Correio encontrou alguns desses apátridas e mostra as dificuldades que eles enfrentam diariamente por não possuírem serem reconhecidos por seus países de origem



O jovem conta que o Brasil foi o único país que lhe abriu as portas. Quando chegou por aqui, recebeu um visto de refugiado. Esse, aliás, é o tratamento que o governo brasileiro costuma dar aos apátridas. Para a diretora do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH) - entidade social sem fins lucrativos que atende refugiados e apátridas -, Rosita Milesi, tal apoio ainda é "muito modesto". "Uma alternativa de promover apoio às pessoas apátridas é através do refúgio, mas embora boa, esta não é a solução ideal. É necessário adotar uma legislação interna que lide e trate com especificidade o tema, definindo um responsável por avaliar os casos e promover ações no sentido de sanar esta lacuna na vida das pessoas apátridas", justifica.

O Ministério da Justiça informou que os apátridas podem ter acesso aos mesmos serviços públicos ofertados para brasileiros e imigrantes, "conforme previsto na legislação brasileira e na Convenção sobre o Estatuto da Apatridia, que está internalizada no Brasi." Ainda segundo a pasta, o país assinou as duas principais convenções internacionais sobre o tema: a que dispõe sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, e a Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, de 1961.

Apesar disso, um outro apátrida morador do DF, Wajdy Mussa, de 25 anos, reclama que não recebeu auxílio do governo brasileiro e enfrenta dificuldades financeiras para conseguir manter a família. Amigo de infância de Ahmad, Wajdy veio para o Brasil pouco depois do colega, trazendo consigo a mulher, Reem Hassan, 27, e o filho, Issam Mousa, 3, todos apátridas. Todos os membros da família receberam vistos de refugiados, mas não pretendem pedir a nacionalidade brasileira. ;Não desfazendo do Brasil, que de um ponto de vista é o melhor país do mundo, mas o nosso desejo hoje é ir para a Europa, onde estão meus pais e os da minha esposa;, afirma. Contudo, independente do país que escolher para viver, o casal terá para sempre um vínculo com o Brasil: Wajdy e Reem acabam de ter mais um filho que nasceu no país e se tornou o primeiro membro da família a ter uma nacionalidade.

Ao contrário dos amigos, Ahmad pretende continuar no Brasil para ;levantar a vida;. Ele já recebeu uma identidade permanente e pode ficar para sempre no país. Em breve, receberá o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE). O último passo - e também o seu sonho - é receber a nacionalidade brasileira. Enquanto aguarda, o jovem já se considera um cidadão nacional e usa o pouco português que aprendeu nas ruas, misturado com um forte sotaque árabe, para definir o povo brasileiro que lhe acolheu: ;Gente boa;.

Quatro pontos para entender melhor a apatridia:

1. O que é ser apátrida?

Apátrida é toda pessoa que não seja considerada nacional por nenhum Estado, conforme sua legislação.

2. O que pode gerar a apatridia?
Diversos fatores, entre eles regras que dificultem ou impeçam a transmissão de nacionalidade de pai para filho, especialmente para aqueles que nascem em outro país; regras que discriminem o acesso à nacionalidade; falhas em abrigar todos os residentes do país quando um Estado se torna independente e conflitos na aplicação de leis de nacionalidade entre Estados.

3. Existe alguma maneira de os apátridas receberem uma nacionalidade?

Sim, mas as regras de naturalização variam conforme o país.

4. Quantos apátridas existem no mundo? E no Brasil?
A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) estima que existam mais de 10 milhões de apátridas no mundo. No Brasil, são 1.797. São Paulo é o estado com o maior número de apátridas (1.064), seguido por Paraná (236) e Rio de Janeiro (182). O DF é o nono da lista, com 11.

Fontes: Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) e Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH).