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Travesti luta para ser chamada pelo nome social na colação de grau

Lua Stabile adotou o nome há três meses e vai colar grau em 10 de agosto

postado em 02/08/2016 21:59

Lua Stabile adotou o nome há três meses e vai colar grau em 10 de agosto

Uma estudante de 24 anos luta para poder ser chamada pelo seu nome social na colação de grau, em 10 de agosto. Lua Stabile é travesti, está no último semestre de Relações Internacionais e, apesar dos pedidos para conseguir trocar de nome em um dia importante de sua vida, ainda não teve sucesso.

Ela adotou o nome social há três meses e, simultaneamente, solicitou a troca da nomenclatura no espaço aluno e na lista dos formandos do UniCEUB, que serão convocados ao palco na data da cerimônia. De acordo com Lua, a justificativa da instituição é de que documentos comprobatórios não haviam sido apresentados. "Como vou apresentar documentação adequada se o registro civil ainda não foi alterado? O nome social é uma medida paliativa, desenvolvida porque precisamos ser tratados conforme a designação correta enquanto não possuímos verba para mover processos judiciais", explica.

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Em nota, o UniCEUB informou que os artigos 56 e 57 da Lei n; 6.015 determinam que a alteração do nome só pode ocorrer mediante a averbação e publicação da nomenclatura no Diário Oficial da União, no primeiro ano após o atingimento da maioridade civil. Após este prazo, apenas por exceção e motivadamente, em decorrência de audiência do Ministério Público e por sentença judicial. Ainda segundo a instituição de ensino, a portaria n; 1.612 do Ministério da Educação é uma sinalização de mudança, mas ainda necessita da devida regulamentação. O UniCEUB esclareceu, por último, que concedeu a escolha de tratamento nominal para outros dez alunos que seguiram estritamente a todos os ditames legais e ressaltou que tão logo os estudantes obtenham as comprovações previstas na Lei, autorizará os requerimentos dos interessados.

Diante da negativa da universidade, Lua recorreu à empresa responsável pela Comissão de Formatura. Em e-mail, explicou o caso e solicitou que o nome fosse respeitado ao menos pelo locutor que a chamaria ao palco. A comitiva respondeu, em mensagem eletrônica, que não poderia agir em discordância com os registros encaminhados pelo UniCEUB em quaisquer situações. "Gostaria muito de participar. Tenho beca, roupa, tudo que é necessário. Mas, em contrapartida, penso no constrangimento. Me chamarão pelo nome e gênero que não me definem mais. É muito triste", queixa-se.

Lua Stabile adotou o nome há três meses e vai colar grau em 10 de agosto

Dificuldades

Histórias semelhantes à de Lua acontecem frequentemente: a conquista do diploma acadêmico é um plano utópico para grande parte dos componentes do grupo T. Esta parcela da população, segundo dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (ANTRA), é a mais suscetível à evasão escolar: 73% abandonam os estudos. O número é desencadeado por uma série de constrangimentos diários ; piadas transfóbicas, desrespeito ao nome e gênero, além da constante fetichização. A rejeição também é um ponto a ser destacado. Estudo desenvolvido em 2015, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), aponta que 7,1% dos alunos não gostariam de compartilhar as salas de aula com um travesti, enquanto 4,4% não se sentiriam confortáveis ao lado de transexuais.

Com o intuito de diminuir os índices estarrecedores que se alastram ao longo dos anos, o Ministério da Educação estabeleceu, em 2011, a Portaria número 1.612, que assegura ao grupo T o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do MEC, mediante a apresentação de um requerimento. A abrangência abarca cadastro de dados e informações, além de comunicações internas de uso social.

Ensino interrompido

Túlie Moreira, 21 anos, também é travesti e enfrenta situação semelhante. A estudante abandonou os estudos na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em 2015, porque o nome social não fora atendido. Após o desligamento, mudou-se para Brasília e, aqui, ingressou no UniCEUB. Durante o ato da matrícula, a garota realizou o pedido do nome social. Segundo ela, a atendente não fazia ideia do conceito. Por isso, solicitou que se dirigisse ao cartório para realizar a troca do registro civil e, depois, protocolasse uma requisição na Central de Relacionamento. Devido ao despreparo das funcionárias, Túlie as alertou sobre a resolução do Ministério da Educação. A partir deste momento, a situação apenas piorou. As profissionais afirmaram que a estudante só poderia realizar o pedido quando estivesse regularmente matriculada. "Atendi à solicitação e efetivei a inscrição. Minutos depois, uma terceira pessoa apareceu e disse que um laudo médico deveria ser apresentado. A partir deste momento, fiquei em prantos", lamenta.

Após a tentativa, Túlie registrou mais dois pedidos: o primeiro referia-se à adoção do nome; o segundo, à publicação de normas, artigos e resoluções concordantes ao tema - ambos foram negados. Devido ao cenário desfavorável, a aluna decidiu cancelar a matrícula e estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "Não permanecerei em uma instituição que não respeita meu nome ou gênero. Vou desistir da graduação por um tempo, porque, afinal, aparentemente, é isso que devemos fazer. Nos desmotivam até que não aguentemos mais continuar em uma instituição de ensino."

Burocracia
O processo para realizar a troca de registro civil é demorado e o custo, alto. A especialista em direito civil e processo civil, Juliana Barreto, explica que, em primeiro lugar, o interessado deve procurar a Defensoria Pública ou advogados particulares. O profissional ajuizará uma ação de alteração de registro - o processo tramita perante a Vara de Registros Públicos localizada no Setor de Rádio e TV Sul. De lá, o procedimento segue para o Ministério Público, responsável por definir um parecer, mediante a apresentação de inúmeros documentos, como certidões negativas e positivas da Receita Federal, registros policiais, além de um laudo médico descrito pelo doutor que realize o acompanhamento. Por último, o arquivo é destinado ao juiz, para a definição da sentença.

O valor para dar entrada ao processo é de cerca de R$ 480. Além disso, os honorários do advogado devem ser negociados.

Colaborou Marianna Holanda.

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