Uma estudante de 24 anos luta para poder ser chamada pelo seu nome social na colação de grau, em 10 de agosto. Lua Stabile é travesti, está no último semestre de Relações Internacionais e, apesar dos pedidos para conseguir trocar de nome em um dia importante de sua vida, ainda não teve sucesso.
Ela adotou o nome social há três meses e, simultaneamente, solicitou a troca da nomenclatura no espaço aluno e na lista dos formandos do UniCEUB, que serão convocados ao palco na data da cerimônia. De acordo com Lua, a justificativa da instituição é de que documentos comprobatórios não haviam sido apresentados. "Como vou apresentar documentação adequada se o registro civil ainda não foi alterado? O nome social é uma medida paliativa, desenvolvida porque precisamos ser tratados conforme a designação correta enquanto não possuímos verba para mover processos judiciais", explica.
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Em nota, o UniCEUB informou que os artigos 56 e 57 da Lei n; 6.015 determinam que a alteração do nome só pode ocorrer mediante a averbação e publicação da nomenclatura no Diário Oficial da União, no primeiro ano após o atingimento da maioridade civil. Após este prazo, apenas por exceção e motivadamente, em decorrência de audiência do Ministério Público e por sentença judicial. Ainda segundo a instituição de ensino, a portaria n; 1.612 do Ministério da Educação é uma sinalização de mudança, mas ainda necessita da devida regulamentação. O UniCEUB esclareceu, por último, que concedeu a escolha de tratamento nominal para outros dez alunos que seguiram estritamente a todos os ditames legais e ressaltou que tão logo os estudantes obtenham as comprovações previstas na Lei, autorizará os requerimentos dos interessados.
Diante da negativa da universidade, Lua recorreu à empresa responsável pela Comissão de Formatura. Em e-mail, explicou o caso e solicitou que o nome fosse respeitado ao menos pelo locutor que a chamaria ao palco. A comitiva respondeu, em mensagem eletrônica, que não poderia agir em discordância com os registros encaminhados pelo UniCEUB em quaisquer situações. "Gostaria muito de participar. Tenho beca, roupa, tudo que é necessário. Mas, em contrapartida, penso no constrangimento. Me chamarão pelo nome e gênero que não me definem mais. É muito triste", queixa-se.
Dificuldades
Histórias semelhantes à de Lua acontecem frequentemente: a conquista do diploma acadêmico é um plano utópico para grande parte dos componentes do grupo T. Esta parcela da população, segundo dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (ANTRA), é a mais suscetível à evasão escolar: 73% abandonam os estudos. O número é desencadeado por uma série de constrangimentos diários ; piadas transfóbicas, desrespeito ao nome e gênero, além da constante fetichização. A rejeição também é um ponto a ser destacado. Estudo desenvolvido em 2015, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), aponta que 7,1% dos alunos não gostariam de compartilhar as salas de aula com um travesti, enquanto 4,4% não se sentiriam confortáveis ao lado de transexuais.
Com o intuito de diminuir os índices estarrecedores que se alastram ao longo dos anos, o Ministério da Educação estabeleceu, em 2011, a Portaria número 1.612, que assegura ao grupo T o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do MEC, mediante a apresentação de um requerimento. A abrangência abarca cadastro de dados e informações, além de comunicações internas de uso social.
Ensino interrompido
Túlie Moreira, 21 anos, também é travesti e enfrenta situação semelhante. A estudante abandonou os estudos na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em 2015, porque o nome social não fora atendido. Após o desligamento, mudou-se para Brasília e, aqui, ingressou no UniCEUB. Durante o ato da matrícula, a garota realizou o pedido do nome social. Segundo ela, a atendente não fazia ideia do conceito. Por isso, solicitou que se dirigisse ao cartório para realizar a troca do registro civil e, depois, protocolasse uma requisição na Central de Relacionamento. Devido ao despreparo das funcionárias, Túlie as alertou sobre a resolução do Ministério da Educação. A partir deste momento, a situação apenas piorou. As profissionais afirmaram que a estudante só poderia realizar o pedido quando estivesse regularmente matriculada. "Atendi à solicitação e efetivei a inscrição. Minutos depois, uma terceira pessoa apareceu e disse que um laudo médico deveria ser apresentado. A partir deste momento, fiquei em prantos", lamenta.
Após a tentativa, Túlie registrou mais dois pedidos: o primeiro referia-se à adoção do nome; o segundo, à publicação de normas, artigos e resoluções concordantes ao tema - ambos foram negados. Devido ao cenário desfavorável, a aluna decidiu cancelar a matrícula e estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "Não permanecerei em uma instituição que não respeita meu nome ou gênero. Vou desistir da graduação por um tempo, porque, afinal, aparentemente, é isso que devemos fazer. Nos desmotivam até que não aguentemos mais continuar em uma instituição de ensino."
Burocracia
O processo para realizar a troca de registro civil é demorado e o custo, alto. A especialista em direito civil e processo civil, Juliana Barreto, explica que, em primeiro lugar, o interessado deve procurar a Defensoria Pública ou advogados particulares. O profissional ajuizará uma ação de alteração de registro - o processo tramita perante a Vara de Registros Públicos localizada no Setor de Rádio e TV Sul. De lá, o procedimento segue para o Ministério Público, responsável por definir um parecer, mediante a apresentação de inúmeros documentos, como certidões negativas e positivas da Receita Federal, registros policiais, além de um laudo médico descrito pelo doutor que realize o acompanhamento. Por último, o arquivo é destinado ao juiz, para a definição da sentença.
O valor para dar entrada ao processo é de cerca de R$ 480. Além disso, os honorários do advogado devem ser negociados.
Colaborou Marianna Holanda.