Uma lei municipal do Novo Gama (GO), distante 41km do Plano Piloto, virou motivo de discórdia entre os moradores, o Legislativo e o Executivo da cidade vizinha. A norma, em vigor desde junho de 2015, proíbe qualquer tipo de manifestação contra as religiões cristãs e o cristianismo. A autoria do texto é do vereador Danilo Lima Ferreira (PSDC), conhecido como Danilo Só Alegria. A matéria passou por votação na Câmara Municipal e foi sancionada sem vetos pelo prefeito Eduardo Vidal Pereira Martins (PP). Especialistas ouvidos pelo Correio são categóricos: a lei confronta a Constituição Federal, tem teor discriminatório e reforça preconceitos. Para eles, ancorados na liberdade de expressão, a manifestação de opiniões é uma garantia constitucional.
Os três primeiros artigos da lei divergem severamente da Constituição Federal e interpretam erroneamente o Código Penal Brasileiro (leia O que diz a Lei). A redação vaticina que ;fica proibido qualquer tipo de manifestação pública que fira ou afronte a fé cristã;; que ;qualquer movimento ou manifestação que fira ou afronte o cristianismo deverá ser interrompida imediatamente pelas autoridades locais;; e que ;os envolvidos nos atos de discriminação ao cristianismo deverão ser punidos conforme prediz o artigo 208 do Código Penal (que prevê prisão de até um ano);. O texto transforma em crime qualquer ação contrária ao estipulado na lei, como protestar contra um posicionamento católico ou profanar uma imagem religiosa.
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Para Paulo Henrique Blair de Oliveira, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), o texto é inconstitucional e pode ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). ;Temos uma constituição que obrigada a igualdade. Nenhuma religião pode ter proteção em relação a outra. A liberdade para o exercício da liberdade religiosa é gêmea da de expressão e pensamento. O conteúdo é inconstitucional por inteiro e, se for questionado no STF, vem a ser considerado da mesma forma;, acredita.
O mestre e doutor em direito, estado e constituição Mamede Said Maia Filho explica que quem tem competência para legislar sobre o direito penal é a União, como o aval do Congresso Nacional e a sanção do presidente da República. Ele critica a ;elasticidade; dos conceitos ferir e afrontar. ;Cria aos adeptos do cristianismo uma proteção, mas discriminando os demais. Não é preciso leis estaduais ou municipais nesse sentido. A Constituição estimula condutas de proteção a todas as religiões, e o Código Penal esmiúça as penalidades para os desvios;, acrescenta, ao ressaltar que houve falhas do Legislativo, onde o projeto se tornou lei, e no Executivo, quando o prefeito sancionou o texto.
Polêmica
Maria do Socorro Sousa, 45 anos, mora no Novo Gama há 11 e não concorda com a norma, apesar de ser católica. ;Cada um tem sua religião, o nosso dever é respeitar o próximo;, avalia. A pluralidade religiosa é uma realidade dentro de casa. A filha Larissa Moraes, 8, é evangélica. ;Cada um faz o que gosta e pratica a religião que faz bem;, diz a menina, que garante não sofrer sanções da mãe.
A funcionária pública aposentada Maria José Oliveira Rocha, 69, tem uma loja de artigos religiosos. Ela diz sofrer preconceito pelos comerciantes vizinhos por ser umbandista. ;Já fui alvo de ameaças. Muita gente não tem informação e acaba julgando os outros. Já falaram até que iam me bater;, conta. Para ela, a lei reforça o preconceito religioso. ;Eu tenho medo de que aconteça alguma tragédia. Do jeito que está, daqui a uns dias, posso ser obrigada a fechar minha loja.;
O professor Paulo Henrique critica o discurso da lei. ;Tem havido uma tendência de setores conservadores de serem cada vez mais despudorados na forma como apregoa a quebra da igualdade social. Há um fortalecimento do pensamento conservador reacionário aos direitos constitucionais, pois estamos no limiar da assimilação das nossas diferenças ou da rejeição desse caminho.; Mamede Said completa: ;Isso é uma manifestação do comportamento de intolerância. É uma tendência retrógrada.;