Luiz Calcagno, Adriana Bernardes
postado em 22/09/2016 06:10
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Tempo de colocar a leitura em dia ou para ver a paisagem correr pela janela. Tempo para fazer amizades ou para enterrar a cara no celular. Tempo para tirar um cochilo ou embalar o dia na playlist favorita. São muitas as possibilidades para quem, diariamente, faz todos os percursos a pé, de ônibus, bicicleta, metrô, táxi ou com a combinação de tudo isso. Hoje, quando se comemora o Dia Mundial Sem Carro, o Correio conta a histórias de pessoas que, apesar da péssima qualidade do transporte público do Distrito Federal, faz uso dele para se locomover, seja por opção, seja por falta dela. O tempo também é de reflexão sobre o que a população precisa e o serviço ofertado atualmente aos 160 mil usuários de metrô e 500 mil de ônibus.
Durante dois dias, três repórteres que usam o transporte público registraram o trajeto de casa até o trabalho e contam suas experiências (leia Eu repórter). No caminho, colheram depoimentos de passageiros, em uma pequena mostra do que ocorre diariamente na vida de centenas pessoas no DF.
Gente como o garçom Oziel Alves Caetano, 38 anos. Antes mesmo de o sol nascer, ele está acordado, arrumando-se para ir ao trabalho. Morador de Águas Lindas, cidade goiana a cerca de 50km de Brasília, ele precisa sair de casa às 5h para chegar à Esplanada dos Ministérios às 7h. A primeira etapa da viagem Oziel faz de ônibus, até a Rodoviária do Plano Piloto. Por volta das 6h30, pega uma bicicleta do projeto Bicicleta Compartilhada em direção ao destino final. ;É uma rotina pesada, saio do trabalho por volta das 16h. Minha sorte é que não pego trânsito nesses horários.;
Mesmo tendo carro, o trabalhador dá preferência ao transporte público. ;Não tenho como gastar tanto dinheiro com gasolina;, justifica. Oziel aproveita o tempo dentro do ônibus para dormir e aliviar parte do cansaço da rotina. ;Se eu começasse a usar meu veículo, com certeza estranharia. Estou acostumado com meus cochilos;, diverte-se.
Sem opção
Alguns pontos do Distrito Federal sofrem com a falta de transporte público. Dona de uma loja na Rodoviária do Plano Piloto, Taline Brito, 29, não poderia aderir ao Dia Mundial sem Carro. A mulher mora próximo à DF-250, entre o Paranoá e Planaltina, e reclama que, na região, só passam em média três ônibus por dia. ;Além da falta de condução, as paradas de ônibus são bastante perigosas. Dependo exclusivamente do meu automóvel.;
O gasto com combustível chega a R$ 600 por mês. ;Gostaria muito de poder alternar com o ônibus, mas não tenho essa opção;, queixa-se. Outra questão apontada pela comerciante é a falta de segurança nos estacionamentos. ;Tanto na faculdade, quanto no local em que trabalho, o roubo de veículos é comum.;
Para o doutor em estudos de transporte e professor da Universidade de Brasília Paulo César Marques, campanhas como a de hoje, em que as pessoas são convidadas a deixar o carro em casa, servem para conscientizar e permitir a quem se dispõem a experimentar o transporte público ter um novo olhar sobre a cidade. ;Temos a tendência de enxugar o tempo gasto no transporte individual e computar cada minuto gasto com o transporte público. Mas, se você calcular o tempo gasto no trânsito e para encontrar uma vaga, verá que, em alguns percursos, o ônibus e o metrô são mais viáveis.;
Mas, com a qualidade do atual sistema, é difícil conseguir novos adeptos e manter os que existem. A estudante Juliana Procópio, 24, mora no Gama, estuda em Taguatinga e faz estágio na W3 Sul. Faz até quatro viagens de ônibus e uma de metrô por dia. Ela aproveita tanto tempo de deslocamento para dormir. A estudante não tem carteira de motorista e, no momento, essa não é uma das prioridades. ;Estou no trânsito sempre nos horários de pico. Não teria paciência de ficar horas alerta em um carro, com o pé na embreagem.; Porém, a estudante está insatisfeita com o transporte público na cidade. ;Quando saio para me divertir, sinto falta de um carro. À noite ou no fim de semana, o transporte não é eficiente.;
Alternativa
Hoje, uma série de ações chama a atenção para o uso racional do transporte individual de passageiros. O Estacionamento da Quadra 6 do Setor Comercial Sul, em frente ao Pátio Brasil, está fechado desde as 16h de ontem e só será reaberto às 23h de hoje. No local, os carros deram lugar a uma feirinha de orgânicos, food trucks, atividades culturais, e representantes da ONG Rodas da Paz e de órgãos do governo.
Os donos dos carros são orientados a estacionar no Estacionamento 13 do Parque da Cidade. O governo colocou ônibus circulares saindo de lá com destino ao Setor Comercial Sul em intervalos de 8 minutos. Para o secretário de Mobilidade, Fábio Damasceno, a experiência será um teste. ;A mobilidade é uma prioridade deste governo e temos colocado várias ações em prática. Entre elas, as ciclovias, o Trevo de Triagem Norte e o alertamento da rodovia no trecho Granja do Torto-Colorado e, em breve, vamos iniciar a operação dos ônibus na faixa exclusiva da EPTG.;
Sobre a possibilidade de restringir o uso do carro, Damasceno descarta, por enquanto. ;As pessoas têm o livre arbítrio para escolher. Cabe a nós, ofertar uma gama de outras opções para que elas usem. O programa Circula Brasília tem essa capacidade.;
John Michael da Silva, 24, mora em Ceilândia e é carregador em um posto do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na L4 Norte. Todos os dias, pegava o metrô e um ônibus para chegar ao trabalho. Há cerca de 15 dias, porém, trocou o coletivo pela bicicleta. Desembarca na Estação Central e termina o trajeto pedalando. Ele lamenta a incapacidade do sistema de transporte público para atender a demanda. ;É desconfortável, quebra muito e ainda atrasa. Mas tem vantagens. É mais seguro que ir de carro. Mais barato também.; Desde que incluiu a bike como meio de transporte, o carregador descobriu várias vantagens. ;O trajeto do ônibus leva até 40 minutos. De bicicleta, faço em 15 minutos, eu me exercito e ainda tenho mais ânimo.;
Eu, repórter
Ônibus lotado
;Acordo diariamente às 6h30, e saio do Recanto das Emas para a Universidade Católica, em Taguatinga. Após a aula, sigo para o Correio Braziliense, no Setor de Indústrias Gráficas. Depois do expediente, retorno para a universidade, e só por volta das 23h, chego em casa. Realizo todos esses trajetos de ônibus, passando cerca de duas horas e meia por dia dentro de um transporte público. Confesso que, se tivesse oportunidade, escolheria realizar o percurso em um veículo próprio, mas ainda estou tirando a carteira de motorista. O transporte público deixa a desejar. Por dia, devo perder pelo menos uma hora na parada, esperando ônibus. Geralmente, pego o transporte cheio e, na maioria das vezes, acabo sentando na escada para não ter que realizar todo o percurso em pé. Aproveito o tempo de deslocamento para assistir a séries no celular e, nos dias mais difíceis, volto para casa dormindo.; (Pedro Grigori)
Tráfego pesado
;Minha rotina, para muitos, pode parecer cansativa. Moro em um bairro chamado Céu Azul, em Valparaíso, cidade do Entorno do Distrito Federal, distante 37km do Plano Piloto. Preciso sair de casa, todos dias, às 5h para estar no trabalho às 7h. Uso dois ônibus para chegar ao destino. Após 6 horas de expediente, pego outra condução para a faculdade, no fim da Asa Sul. Por volta das 22h30, estou novamente na parada, esperando para seguir em direção à Rodoviária do Plano Piloto e, enfim, voltar para casa. Tenho carteira de motorista, entretanto, meu carro está quebrado. Na região em que moro, a situação do transporte público é precária. Os ônibus são cheios e o trânsito, pesado. Os congestionamentos na BR-040 são frequentes. Houve situações em que tive que passar mais de duas horas dentro do transporte.; (Walder Galvão)
Nova perspectiva
;Em casa, eu e minha mulher temos priorizado cada vez mais outras formas de nos locomover pela cidade. Claro que, com uma filha pequena e um sistema de transporte público e um conjunto de ciclovias insatisfatórios, muitas vezes, temos que apelar para o carro da família. Mas, por decisão conjunta, abdicamos de um dos veículos. Semanalmente, uso o transporte público ao menos uma vez. Porém, fazer a viagem atento a outros personagens no metrô e no ônibus me trouxe uma nova perspectiva de uso do transporte público. As pessoas não apenas precisam dele. Não querem que seja bom só porque é a única alternativa. Elas querem gostar, querem que o carro assuma a posição que já conquistou, de um veículo obsoleto e do passado.; (Luiz Calcagno)
Inquérito contra o Uber
O aplicativo Uber é alvo de inquérito no Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e no Tocantins. A investigação foi instaurada ontem para apurar possíveis irregularidades trabalhistas na relação entre a empresa e os motoristas. O processo, de autoria do procurador José Pedro dos Reis, pretende avaliar as condições sanitárias, de alimentação dos motoristas, além de as jornadas de trabalho e o registro empregatício.
Ônibus lotado
;Acordo diariamente às 6h30, e saio do Recanto das Emas para a Universidade Católica, em Taguatinga. Após a aula, sigo para o Correio Braziliense, no Setor de Indústrias Gráficas. Depois do expediente, retorno para a universidade, e só por volta das 23h, chego em casa. Realizo todos esses trajetos de ônibus, passando cerca de duas horas e meia por dia dentro de um transporte público. Confesso que, se tivesse oportunidade, escolheria realizar o percurso em um veículo próprio, mas ainda estou tirando a carteira de motorista. O transporte público deixa a desejar. Por dia, devo perder pelo menos uma hora na parada, esperando ônibus. Geralmente, pego o transporte cheio e, na maioria das vezes, acabo sentando na escada para não ter que realizar todo o percurso em pé. Aproveito o tempo de deslocamento para assistir a séries no celular e, nos dias mais difíceis, volto para casa dormindo.; (Pedro Grigori)
Tráfego pesado
;Minha rotina, para muitos, pode parecer cansativa. Moro em um bairro chamado Céu Azul, em Valparaíso, cidade do Entorno do Distrito Federal, distante 37km do Plano Piloto. Preciso sair de casa, todos dias, às 5h para estar no trabalho às 7h. Uso dois ônibus para chegar ao destino. Após 6 horas de expediente, pego outra condução para a faculdade, no fim da Asa Sul. Por volta das 22h30, estou novamente na parada, esperando para seguir em direção à Rodoviária do Plano Piloto e, enfim, voltar para casa. Tenho carteira de motorista, entretanto, meu carro está quebrado. Na região em que moro, a situação do transporte público é precária. Os ônibus são cheios e o trânsito, pesado. Os congestionamentos na BR-040 são frequentes. Houve situações em que tive que passar mais de duas horas dentro do transporte.; (Walder Galvão)
Nova perspectiva
;Em casa, eu e minha mulher temos priorizado cada vez mais outras formas de nos locomover pela cidade. Claro que, com uma filha pequena e um sistema de transporte público e um conjunto de ciclovias insatisfatórios, muitas vezes, temos que apelar para o carro da família. Mas, por decisão conjunta, abdicamos de um dos veículos. Semanalmente, uso o transporte público ao menos uma vez. Porém, fazer a viagem atento a outros personagens no metrô e no ônibus me trouxe uma nova perspectiva de uso do transporte público. As pessoas não apenas precisam dele. Não querem que seja bom só porque é a única alternativa. Elas querem gostar, querem que o carro assuma a posição que já conquistou, de um veículo obsoleto e do passado.; (Luiz Calcagno)
Inquérito contra o Uber
O aplicativo Uber é alvo de inquérito no Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e no Tocantins. A investigação foi instaurada ontem para apurar possíveis irregularidades trabalhistas na relação entre a empresa e os motoristas. O processo, de autoria do procurador José Pedro dos Reis, pretende avaliar as condições sanitárias, de alimentação dos motoristas, além de as jornadas de trabalho e o registro empregatício.
Com informações de Pedro Grigori e Walder Galvão.