Cidades

Professora usa até fantasias para discutir a questão de gênero com alunos

Patricia Pinho Andrade incorpora o papel de grandes figuras femininas para, de forma lúdica, desenvolver o pensamento crítico dos estudantes

postado em 09/10/2016 06:00

Patricia Pinho Andrade incorpora o papel de grandes figuras femininas para, de forma lúdica, desenvolver o pensamento crítico dos estudantes

;E o sutiã? Quem inventou o sutiã;, pergunta a professora Patricia Pinho Andrade. ;Por favor, diz que, pelo menos ele (sutiã), foi uma mulher, professora;, pede a estudante Samara Damasceno, 9 anos. A solicitação, em tom de súplica, veio ao fim de uma dinâmica promovida por Patricia para mostrar aos alunos que padrões e generalizações precisam ser questionados. Dizer que o homem inventou o para-brisa e a mulher, a vassoura, podem não ser certezas absolutas só porque o ;homem trabalha com carro; e ;as mulheres cuidam da casa;, como pensavam alguns meninos e algumas meninas.

Toda essa história de invenções e dinâmicas começou porque Patricia é hiperativa, como brinca a própria professora da rede pública de ensino do DF. Aos 32 anos, ela sabe que esta garotada tem outra velocidade. ;É outro perfil de ensino. É ebulição pura;, explica. Logo, buscar metodologias que unam o conhecimento à construção do pensamento crítico, da cidadania e da cultura, de uma forma lúdica, divertida e interativa, sempre foi uma constância em seu trabalho. Desta vez, escolheu como ponto de partida importantes personalidades femininas, como Frida Kahlo, Malala Yousafzai, Coco Chanel, Carmen Miranda e Clarice Lispector. Para cada oficina e cada habilidade que pretende trabalhar com os estudantes, escolhe uma história e vai além: incorpora a personalidade e a roupa da mulher a ser estudada. De mestra, vira atriz.

Patricia Pinho Andrade incorpora o papel de grandes figuras femininas para, de forma lúdica, desenvolver o pensamento crítico dos estudantes

;É seguro aqui? Eles vão me encontrar?;, questiona Patricia ao entrar na sala de aula vestida de Malala. Os alunos do 3; ano do ensino fundamental da Escola Classe 10 de Taguatinga, dispostos em semicírculo, perguntam-se quem seria aquela. ;É a chapeuzinho vermelho?;. Com os olhos atentos e curiosos, os 28 estudantes acompanham cada passo da personagem. Aos poucos, a professora vai revelando quem ela é. Uma menina que enfrentou o Exército do Talibã porque queria estudar e ser médica num país onde mulher não tem voz. Não pode frequentar a escola, tem que ficar em casa e ajudar a mãe, os casamentos são arranjados e as esposas não levam o sobrenome da família, mas sim o do marido. ;Mas tão novinha assim?;, interrompe, em tom irritado, Yasmim Oliveira, 9.

Quando Patricia descreve como eram as casas no Paquistão, país de Malala, e as dificuldades que a família da menina passou, as mãos dos alunos vão ao rosto para esconder o medo. ;Isso até hoje é assim?;, questiona um estudante. ;Tia, temos que esconder o computador para o pessoal do Talibã não entrar aqui e destruir tudo;, disse outro, ao descobrir que lá na terra de Malala, as pessoas precisavam enterrar esse tipo de eletrônico para não sofrer nas mãos do movimento radical religioso. Entre uma linha e outra da história, surgem os anos que puxam a turma para um rápido exercício de Matemática. ;Há quantos anos isso aconteceu?;, pergunta a professora. Os meninos e meninas, rapidamente, resolvem a conta e respondem em voz alta.

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No ponto final da narrativa de Malala, Patricia volta a ser professora e divide a turma em grupos para a dinâmica. A partir do que ouviram sobre a menina paquistanesa, os alunos têm que decidir quem criou algumas invenções: o homem ou a mulher. Na lista, estão a maquiagem, o salto alto, o wi-fi, a vassoura, o para-brisa, a geladeira, o colete à prova de balas e a chupeta, entre outros. Em poucos minutos, os estudantes tomam suas decisões. ;Os homens não lavam a louça, por isso a mulher criou a máquina de lavar louça;, conclui Isabella Ferreira, 9. ;Claro que o colete à prova de balas foi um homem;, afirma, com segurança, Maycoln Rodrigues Mendes, 9.

Concluídas as escolhas, chega a hora de saber o grupo ganhador. ;Vamos ver, quem inventou o salto alto?;, pergunta Patricia. ;A mulher;, grita a maioria dos alunos. ;Não;, diz a professora. ;Foi um homem.; E logo a cara de surpresa e espanto toma conta dos meninos e meninas. A cada invenção, eles começam a ver que as certezas que tinham não eram absolutas, começam a desconstruir padrões e a mudar as decisões. ;Generalizar é uma atitude humana, mas acreditar que isso é uma verdade absoluta gera um preconceito. A oficina de hoje quebra essas generalizações que eles trazem da cultura, que basicamente diz que lugar de mulher é em casa e o outro é o espaço do homem.; Quando os estudantes percebem que utensílios do universo feminino foram criados por homens, e vice-versa, a professora ressalta que é preciso ter cuidado com os padrões repetitivos. É quando entra o sutiã.

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