Cidades

Crise hídrica: sistemas de reaproveitamento e captação são pouco utilizados

No Distrito Federal, já existem construções residenciais com sistemas inteligentes de captação e reaproveitamento de água, mas as iniciativas são isoladas e não há legislação específica

postado em 09/10/2016 06:00

Mário Viggiano, arquiteto e pesquisador na área de arquitetura bioclimática: reaproveitar água exige atenção redobrada na filtragem

As chuvas em áreas isoladas do Distrito Federal ainda não foram capazes de aumentar o nível das águas dos reservatórios do Descoberto, que registram 31,91% do volume útil, e de Santa Maria, que marca 46,5% da capacidade. E as previsões para o próximo ano não são animadoras. Segundo a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), caso o período de chuvas no DF seja novamente escasso e o consumo de água não diminua, Brasília deve enfrentar em 2017 uma crise hídrica ainda mais séria. Pensando nisso, brasilienses, como o advogado Ricardo Passos, 53 anos, estão instalando em casa sistemas que aproveitam a água das chuvas para reutilizar em banhos e lavagens de roupa. Em sistemas como esse, a redução do consumo e do valor da conta de água chegam a 50%.

A ideia de instalar tais sistemas surgiu quando Ricardo foi construir a nova casa, no Lago Sul. ;Queria reduzir o valor da minha conta de água, diminuir o impacto da minha família no meio ambiente e valorizar o meu imóvel;, explica o advogado. Devido ao tamanho do lote, foi possível instalar uma infraestrutura com grande captação. O sistema de aproveitamento pluvial (entenda o funcionamento na arte) escolhido é um dos mais modernos. Devido ao tamanho da laje da casa, foi viável instalar dois reservatórios de 60 mil litros, cada. Ou seja, em tempos de chuva, a família de Ricardo consegue captar e utilizar cerca de 120 mil litros de águas pluviais.

Investimento compensa
Após passar por filtragem, a água da chuva pode ser usada para regar plantas, dar descarga e lavar calçadas, áreas externas e roupas. Sistemas complexos, como o de Ricardo, chegam a custar de R$ 5 mil a R$ 15 mil, dependendo do tamanho do lote. Porém, existem sistemas mais acessíveis, contendo apenas a calha, um filtro simples e reservatório de abastecimento de até 100 litros, que costumam custar menos de R$ 1 mil.
O aproveitamento de águas pluviais é cada vez mais comum no Distrito Federal. A arquiteta Tânia Fernandes, especializada em projetos com consciência ambiental, conta que residências grandes no Park Way e chácaras no Lago Oeste são os locais da capital onde os sistemas são mais instalados. ;Quanto maior for o telhado da casa, mais água poderá ser captada. Por isso, a instalação em lotes grandes é mais proveitosa. No começo, o investimento pode ser alto, mas é um valor que, a longo prazo, retorna para o cliente por meio da redução das contas de água;, explica.


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Sistemas assim costumam ser oferecidos pelo arquiteto ao cliente na hora da construção. O profissional precisa fazer um estudo para identificar qual tipo de projeto é adequado para a necessidade e a residência de cada cliente. ;Mostramos diversas opções para os clientes, que, na maioria das vezes, são convencidos pelo custo-benefício que as propostas trazem. Porém, sempre tento vender a ideia de uma maior consciência ambiental, pois já é visível que a nossa água potável está acabando, então precisamos usar nossos recursos do modo mais inteligente possível;, aconselha Tânia.


Poupar gastando pouco

Pequenas mudanças de hábitos e utensílios domésticos também podem ajudar a diminuir o valor da conta no fim do mês. O gerente de edificações Frederico Ambrosio explica que a troca de torneiras e vasos sanitários por produtos de linhas sustentáveis podem diminuir pela metade o consumo gerado por esses itens. ;No mercado, já existem produtos, como torneiras com arejadores e fechamento automático, e vasos sanitários com sistema dual flush, que permitem dois tipos de descargas, e auxiliam o consumidor a poupar água sem grandes gastos;, conta.

Usar de novo
Enquanto os sistemas de aproveitamento de águas pluviais são mais usuais na época de chuvas, esquemas feitos para reutilizar águas cinzas (confira como funciona na arte) operam durante todos os meses do ano. As águas cinzas são aquelas derivadas dos chuveiros, lavatórios de banheiro, tanques, máquinas de lavar roupas e lavagem de automóveis. São líquidos que, se bem tratados, podem ser reaproveitados dentro do lote. Mário Viggiano, arquiteto e pesquisador na área de arquitetura bioclimática e sistemas sustentáveis, é responsável por projetos feitos para poupar o meio ambiente. ;Por ser originada de lavagens e banhos, a água cinza contém pelos de roupa e resíduos corporais de humanos, o que obriga a filtragem a ser muito mais rígida;, explica ele, que instalou na própria casa sistema de aproveitamento de água de chuva.

Após o tratamento, a água cinza é indicada para descargas de vasos sanitários e regagem de jardins. ;Mesmo após passar por tantos filtros, a água sai da instalação cheia de nitrogênio, e com um odor um pouco forte. Particularmente, indico o sistema para irrigação de certos tipos de plantas de jardins que necessitam desse elemento;, conta o pesquisador.

No Distrito Federal, já existem construções residenciais com sistemas inteligentes de captação e reaproveitamento de água, mas as iniciativas são isoladas e não há legislação específica

O reservatório de águas cinzas tratadas da residência do advogado Ricardo Passos capta até 8 mil litros, que são usados para regar o jardim do advogado. O resultado se reverte em economia. ;Anualmente, faço duas manutenções no sistema, apenas para trocar os filtros, que custam valores irrisórios perto da economia que consigo;, destaca. Por gerarem uma obra mais complexa, sistemas como esses são mais indicados para quem ainda está construindo uma nova residência.

Regularidade

Incomum no Brasil, esses sistemas de captação de água de chuva e de reaproveitamento de águas cinzas já são bastante usados no exterior. Nos Estados Unidos, várias normas e leis têm sido criadas visando à permissão e incentivo do reuso das águas cinzas. Por lá, a prioridade é reutilizá-la por meio de irrigação subterrânea, e vários estados têm cartilhas que auxiliam a montagem e implantação de sistemas. Em 1995, por exemplo, o Department of Water Resources da Califórnia já lançava um catálogo chamado Graywater Guide (Guia de águas cinzas, em tradução livre), que indica onde usar o líquido após a filtragem.

Aqui, legislação semelhante inexiste. Durante a instalação dos sistemas em casa, o advogado Ricardo Passos teve problemas com fiscais da Caesb. ;Recebemos algumas visitas, mas uns falavam uma coisa, e outros falavam outra. Não havia uma norma que regularizava a instalação, por isso, no fim das contas, a obra foi permitida;, relembra Ricardo. Representante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU-DF), o conselheiro Rogério Markiewicz relata a dificuldade de relacionamento com a concessionária de água e o governo do DF. ;Temos apenas a NBR 15527, que regulamenta o aproveitamento de águas da chuva, então fica muito difícil ter um diálogo com o governo sobre isso. O CAU incentiva e apoia essas medidas sobre sustentabilidade e educação ambiental, mas precisamos de ajuda governamental para tornar essa prática mais usual;, explica.

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