Isa Stacciarini
postado em 24/10/2016 06:00
Em meio aos corredores do Câmpus Darcy Ribeiro, o primeiro da Universidade de Brasília (UnB), não são apenas alunos que passeiam nos espaços cercados por área verde e intervenção artística. A vida dentro da comunidade acadêmica revela um viés pouco conhecido: a participação da comunidade em projetos, aulas, grupos de pesquisa e produções científicas. Um universo feito não apenas de universitários ou alunos regulares, mas de moradores de Brasília que valorizam o conhecimento, a troca de ideias livres, o estímulo ao pensamento crítico e o incentivo ao debate.
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A UnB agrega alunos ouvintes, gente de fora que participa de projetos de extensão, grupos de pesquisa, palestras e rodas de conversa. Entre eles, há pré-vestibulandos, jovens, adultos e pessoas da terceira idade. Cidadãos que simplesmente vivem a universidade de diversas formas e fazem do convívio um reduto de acolhimento, encontro, representação e conforto.
Psicólogo e educador popular na área da saúde, Rafael Gonçalves, 30 anos, conhecido como Rafa Energia, é um dos que se enquadram no perfil. A relação dele com a UnB começou com a Faculdade de Saúde, há um ano, a partir da colaboração com a Conferência Livre de Juventude e Saúde. Hoje, ele também participa do Projeto Vidas Paralelas, assiste a aulas no laboratório de saúde indígena e é organizador do Movimento Ocupe a Extensão. Está, semanalmente, de duas a três vezes, no câmpus. ;Meu diálogo sempre foi contribuir com oficinas, participar das aulas, acompanhar grupos de pesquisa e dialogar com a Faculdade de Saúde, ajudando na organização de tendas da área, na Semana de Calouros, entre outras atividades;, destacou.
Na campanha Ocupe a Extensão, Rafa criou um canal no Youtube para tratar das experiências e do lugar na universidade. O movimento tem o objetivo de dar visibilidade à prática da extensão. ;Estamos construindo uma estratégia de conhecer mais os movimentos de extensão e, nisso, agregá-los para fortalecer sua prática. O desafio é criar espaços de encontro. A UnB precisa estar conectada com a realidade das comunidades e da sociedade para produzir conhecimentos conectados com a realidade;, destacou. ;A importância é as pessoas de fora da estrutura burocrática acadêmica trazerem histórias de vida e realidades, além de interferirem na produção de conhecimento. A UnB precisa estar cada vez mais integrada com a sociedade para produzir conhecimento;, acrescentou.
Bibliotecária e estudante de direito em uma faculdade particular, Dandara Baçã, 28, formou-se em biblioteconomia em 2009 pela UnB. Até 2011, ela participou de um projeto na universidade. E, desde o início do semestre, começou a integrar o projeto de extensão Corpolítica da Faculdade de Direito da UnB. ;A universidade propicia o diálogo e a oportunidade. Quando entrei para a UnB, eu não tive essa fase na instituição, porque precisava me manter. Voltar hoje mais madura é muito bom. É um tempo de construção de conhecimento mais profundo;, destacou.
Velha guarda
Economista formado pela UnB e advogado, Cláudio Antônio de Almeida, 73, participa de forma voluntária em diversas ações da universidade. Amigo pessoal de Honestino Guimarães desde a época em que estudava no Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem), a história dele se confunde com a da própria instituição pública. Mineiro de Belo Horizonte, ele ingressou na universidade pública para fazer economia, em 1965. ;À época, havia essa aproximação e facilidade em fazer matérias de outros cursos e áreas. Era um grande momento para acreditar no projeto educacional da cidade;, destacou.
Mas, em período de intensa repressão militar, Cláudio foi preso e torturado durante a invasão da UnB, em 29 de agosto de 1968. Em 1969, formou-se em economia e, em 1983, em direito, por uma universidade particular. Na década de 1990, voltou à UnB para cursar história, mas não chegou a terminar por causa de uma das maiores greves da história.
Recentemente, Cláudio participou da Comissão de Memória e Verdade Anísio Teixeira, da UnB, como integrante, e constantemente recebe convites de professores e alunos da graduação e pós-graduação para dar palestras, além de participar de congresso e movimentos estudantis, quando convidado. ;Minha relação com a UnB acabou sendo de muito carinho. Digo que ela é a minha mãe de criação. Uma instituição que me deu formação, cultura, sustentáculo. Nunca me afastei pelo carinho que sinto. A UnB me deu coordenação, diretrizes e o sentido da vida;, destacou.
Médica e professora da UnB aposentada, Ivonette Santiago de Almeida, 74, tem uma história com a educação que começou ainda em Teófilo Otoni, Minas Gerais. Ela foi integrante do movimento de Educação de Base, voltado para alfabetização de trabalhadores rurais com o método Paulo Freire. Em 1966, ela se mudou para Brasília e, um ano depois, iniciou o curso de medicina na UnB. Depois, ela começou a ganhar espaço no movimento estudantil, ao agregar alunos que entravam no curso de medicina e ciência da saúde. ;A universidade tinha portas abertas e tínhamos a oportunidade de fazer disciplinas em outros cursos. Fiz literatura brasileira, filosofia grega, crítica literária, iniciação teatral e artes. Essa abertura para outras disciplinas que conversam com a saúde me favoreceu como médica;, destacou.
Em consequência da intervenção militar na UnB, Ivonette foi excluída na metade do curso de medicina, mas retornou seis meses depois, com um mandado de segurança. Hoje, Ivonette participa de mesas de palestras em direito e em eventos da saúde, além de programações acadêmicas, como a Semana Jurídica, que ocorreu no fim de setembro. Em 1968, ela pintou um quadro de Honestino Guimarães com a imagem que ficou na memória. ;Tenho paixão e amor pela UnB e sempre frequento o que ocorre no câmpus. A história da UnB tem a ver com a minha. Costumo dizer que sou cidadã do câmpus. Venho de forma livre e espontânea participar das atividades que possam me acrescentar;, reforçou.