Roberta Pinheiro - Especial para o Correio
postado em 24/12/2016 08:00
Tudo começou na hora do recreio, para chamar a atenção dos alunos do Centro Educacional Carlos Mota, no Lago Oeste. O berimbau, o pandeiro, as palmas, os gingados e os balanços da capoeira tinham como objetivo conquistar os estudantes e ir além: mostrar o universo de possibilidades que eles podem buscar. ;A juventude tem que sair daqui com perspectivas de vida;, resume o professor Antonio Jorge Rodrigues da Silva, 46 anos. Ele é o mestre Jota, do Nativa Capoeira, e a voz por trás da atividade. O que começou como uma pequena ação dentro de uma escola sem alternativas cresceu. Do intervalo, ocupou também mais horas dos jovens. Há 17 anos, sem se deixar intimidar pelas dificuldades, Antonio Jorge não cobra pelos ensinamentos. Pelo contrário, além de professor e mestre de capoeira, se tornou amigo e conselheiro.
[SAIBAMAIS]O mestre chegou à instituição em 1999 para dar aulas de geografia. Em sala, notava os alunos sonolentos, sem estímulos, sem respeito e sem responsabilidades. ;Alguns trabalhavam com enxada e vinham exaustos para a escola;, relembra. Ele percebeu também que a educação física não era nem um pouco atrativa para os jovens. ;Era o de sempre, na quadra;, complementa. Antonio Jorge e o irmão decidiram revelar aos estudantes a brasilidade da capoeira, paixão que os fisgou ainda na adolescência. ;Aqui, trabalhamos disciplina, conduta ética. Cobro valores de vida, bom dia, boa tarde;, exemplifica. O professor custeou com o próprio dinheiro os instrumentos e deu início ao trabalho de formiga: aos poucos e sem parar. Mesmo depois que o irmão passou a dar aulas em Sobradinho, o mestre seguiu em frente com o projeto.
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O Lago Oeste faz parte da área rural do Distrito Federal. O centro educacional fica em frente a uma rodovia, cercado por terra. Os vizinhos são uma igreja católica e a associação de produtores da região. O local é marcado por notícias de violência e uso e tráfico de drogas. Não à toa, a escola leva o nome de um diretor assassinado em junho de 2008 por desenvolver atividades de combate à criminalidade no colégio e nas imediações. ;Quando isso aconteceu, deu vontade de parar. Eu me perguntei para onde estava indo o meu trabalho;, comenta o mestre Jota. Apesar de nunca ter se desentendido com estudantes, ele afirma que alguns dos alunos se envolveram com drogas. ;Já tive aluno detido. Mas, em sala de aula e, principalmente, na capoeira, cobro presença. Enquanto o jovem não me mostrar que saiu das drogas, ele não pode frequentar a atividade;, diz.
Novos olhares
A estudante Mayane Marques Fernandes, 17 anos, acabou de concluir o 3; ano do ensino médio na escola. Há três anos, ela frequenta as aulas de capoeira. ;Sempre quis desenvolver uma atividade física, mas o Lago Oeste não tem muitas escolhas. Hoje, não saio daqui;, afirma, com um sorriso largo no rosto. Dedicada e aplicada, Mayane tirou dos movimentos e do gingado da capoeira aprendizados para a vida. ;Se tornou uma atividade que me ajudou física e psicologicamente. Contribui para diminuir o estresse, para ter consciência do corpo e mais autoestima. É todo um ciclo. Sem falar que me ensinou sobre respeito;, conta. Em casa, passou a ter cuidado com os mais velhos. ;São como o mestre, pessoas com mais tempo de vida e mais conhecimento;, acrescenta.
Diante da realidade difícil e tão próxima e que cerca a comunidade, participar do grupo Nativa Capoeira trouxe outras perspectivas para Mayane. Este ano, ela atuou como voluntária em uma creche. ;Dei aulas lá e me identifiquei. Quero fazer educação física para trabalhar com crianças;, descreve. Hoje, a jovem tenta convencer outras alunas a frequentarem a roda de capoeira. ;Tenho uma amiga que se envolveu com drogas. Tento chamá-la para as atividades, porque aqui estamos cercados de pessoas do bem, mas não é fácil;, lamenta.
Além dos muros
Guiado por duas paixões, a capoeira e a educação, mestre Jota percebeu que precisava ir além dos muros da escola. Abriu a roda para toda a comunidade da região. Alunos, ex-alunos, filhos, sobrinhos e quem mais se interessar pelo esporte. ;Me perguntaram por que não cobro. Faço isso porque gosto. Já tenho a minha profissão;, justifica. Aos 28 anos, o supervisor de vendas Joelson Pacheco Ribeiro, ex-aluno do Centro Educacional Carlos Mota, auxilia nas aulas de capoeira e leva os filhos, o sobrinho e todas as crianças que aparecerem em casa. ;Na época em que comecei, era o único projeto que tinha para nos formar como cidadãos e contribuir na ressocialização. Não tenho dúvidas de que são iniciativas que têm que existir. Os jovens estão entrando cada vez mais cedo no crime;, afirma.