Roberta Pinheiro - Especial para o Correio
postado em 25/12/2016 08:00
Em silêncio, os voluntários chegam, estacionam o carro, abrem o porta-malas, montam uma pequena mesa de ferro e iniciam uma partilha. Em frente à emergência do Hospital de Base do DF (HBDF), um grupo de amigos distribui sopa e pão em uma noite fria e escura. Trabalhadores do Setor Comercial Sul, funcionários da unidade de saúde, acompanhantes, pacientes, garis e, principalmente, moradores de rua aparecem aos poucos. ;O que levamos é um acalento para o coração, uma esperança, um exemplo;, define a integrante do grupo Manoelita Marinho, 49 anos.
[SAIBAMAIS]Duas grandes panelas de 50 litros de sopa de legumes são feitas pelos voluntários algumas horas antes. Ali, cenoura e batata são meros coadjuvantes. A maioria dos que procuram pelo copo de alimento são usuários de droga e pessoas que vivem na rua. Na comida, buscam um refúgio e um carinho. ;Pode repetir?;, pergunta um senhor de casaco azul. De poucas palavras, outro rapaz sentado no chão comenta que está com muita fome. Um adolescente, ao terminar de comer duas porções, pede alguns copos para levar à família. Outro homem chega bem no fim e compartilha com os voluntários um pouco da história dele. ;Moro em um barraco com a família. Se algum dia puderem voltar e trazer um cobertor e uns casacos para os meus filhos...;, pede. ;Às vezes, quando entregamos o alimento, escutamos ;estou desde de manhã sem comer;, porque a pessoa não tem dinheiro;, conta a Manoelita.
As situações se repetem. Em poucas horas, a sopa acaba. ;Nossa, que delícia!”, conclui o senhor de casaco azul. Manoelita responde: ;Ela é feita com muito amor e carinho;. Mas as necessidades daquelas pessoas em situação de risco se multiplicam. Um homem de blusa roxa se aproxima dos voluntários e pede ajuda. Nitidamente, ele não está passando bem. Não consegue falar nem ficar em pé direito. Cuidadosamente, Manoelita se aproxima do rapaz e lhe oferece um copo de sopa. ;Venha aqui. Come um pouco que você vai se sentir melhor;, orienta. Em nenhum momento o grupo de amigos se assusta. Pelo contrário, os voluntários acolhem o homem.
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;O olhar de gratidão, um abraço, uma conversa. As pessoas vivem muito sozinhas. Você conseguir arrancar essas atitudes de uma pessoa que você vê que está drogada, judiada, esquecida pela sociedade, marginalizada, não tem preço. Todo mundo tinha que ajudar. Não tem que ter razão ou motivo;, afirma a mulher. O cuidado com o próximo veio da criação de Manoelita. Avô, pai e mãe sempre tiveram um olhar atento às necessidades dos outros. ;Meu pai era radioamador. Fazia campanhas de arrecadação de brinquedos e a gente ia doar com ele. Me criei no meio disso. Minha mãe pegava menino para tomar banho lá em casa, comprava cesta básica se tinha dinheiro sobrando;, comenta. Hoje, ela também se preocupa em passar os mesmos ensinamentos aos filhos.
Mais de 80 pessoas estão envolvidas no projeto de doação de sopa. Além do Hospital de Base, distribuem alimento para comunidades carentes do Paranoá e do Itapoã. O grupo de voluntários também oferta, durante dois sábados do mês, sanduíche e chocolate quente na Rodoviária do Plano Piloto e arrecada doações para famílias carentes, lares de idosos e de crianças. ;Enquanto kardecistas, acreditamos que temos de compartilhar o que possuímos. Somos todos irmãos. Estamos aqui de passagem, com algumas coisas emprestadas que Deus nos concede, alguns bens materiais que podemos dividir com quem tem um pouco menos. A comida é algo imprescindível. Se podemos compartilhar um pouco disso, por que não?;, questiona Manoelita. A satisfação vai além da ajuda ao próximo e se torna um acalento pessoal. ;A gente recebe muito mais do que doa;, resume.