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No primeiro dia de racionamento, preço da caixa d'água sobre 78%

Em algumas das cidades atingidas pelo racionamento, que começou ontem, o preço de tonéis e caixas d'água subiu mais de 78% e, mesmo assim, faltou produto

Flávia Maia, Walder Galvão*
postado em 17/01/2017 06:00
O início do racionamento de água no Distrito Federal veio acompanhado de uma corrida às lojas de material de construção e equipamentos hidráulicos. Desde que a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) anunciou o rodízio para as regiões abastecidas pelo Rio Descoberto, proprietários de casas que não tinham caixas d;água procuram o produto para a compra. Alguns que tinham a reserva resolveram aumentar a capacidade de estoque e engrossaram as filas nas lojas. Baldes, tonéis e latões também se tornaram objetos bem cotados no mercado da crise hídrica. O resultado foi a falta de mercadorias nas prateleiras e aumento de preços. A Caesb e a Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa) reiteram o pedido de armazenar somente o necessário e da maneira correta para manter a eficiência do racionamento.
Em Ceilândia, a reportagem fez um levantamento dos preços praticados antes e depois do anúncio do racionamento. Um exemplar de 500 litros custava R$ 140. Desde sábado, devido à procura de consumidores, o valor chegou a R$ 190 ; 35% a mais. No Recanto das Emas, o incremento foi ainda mais expressivo e o preço chegou a R$ 250 ; alta de 78,5%. Somente no sábado, uma loja da Quadra 25 de Ceilândia Oeste vendeu o estoque completo do reservatório: cem peças. Na manhã de ontem, o mesmo estabelecimento anotou 25 encomendas para quando a reposição do produto chegar.

O vendedor da loja de Ceilândia Fábio Cardoso, 33 anos, relata que nunca viu tanto movimento no comércio. ;Parecia o fim do mundo. Os clientes chegavam em grupos de 10. Tivemos que nos desdobrar para atender todos;, afirmou. O homem mora em Águas Lindas (GO) e conta que muitas pessoas saíram de Ceilândia para comprar as caixas d;água na cidade goiana. ;O preço do fornecedor aumentou e tivemos que fazer um acerto na loja também. Aqui, conseguimos reajustar o valor em 5%, mas, em outras lojas, tem gente metendo a mão;, alerta.

Em busca de uma segunda possibilidade de reservação, o policial militar Edivaldo Viana de Souza, 66, comprou mais uma caixa d;água. ;Moro com seis pessoas. Uma não será suficiente e não posso ficar sem água. Mas acho um absurdo pagar R$ 190, até semana passada a gente conseguia encontrar por R$ 130;, reclama. Na opinião do morador de Ceilândia, a medida pegou todos de surpresa. ;A Caesb deveria ter agido mais cedo. Porém, não podemos responsabilizar somente o governo, o próprio ser humano é culpado. Aqui, é fácil flagrar desperdícios.; Em relação aos gastos da instalação do reservatório, o policial decidiu poupar. ;Eu mesmo vou colocar a caixa d;água. Pelo menos nisso, não vou ter prejuízo;, destaca.
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Quem não consegue arcar com o preço do equipamento se virou de outras formas para conseguir ter água em casa durante as 24 horas de interrupção. O lanterneiro Francisco Naurian Ribeiro, 53, usou baldes e um tambor para armazenar. ;Os preços estão uma loucura. Não tive como adquirir uma caixa d;água antes e agora vou ter que correr atrás;, lamenta. O lanterneiro afirma que encontrou depósitos de 500 litros por R$ 300. Sem ter como estocar, Francisco acordou a família inteira para tomar banho antes das 6h. Além disso, o almoço da família teve de ser comprado. ;Após as 8h, não saía mais nada das torneiras. Todo mundo vai ter que comer marmita hoje (ontem).; O homem mora com seis pessoas em uma residência no Recanto das Emas, duas delas são crianças. ;Meus netos estão de férias. Com isso, o gasto é ainda maior. Precisamos fazer comida e todo mundo precisa tomar banho. Espero que a situação melhore;, relata.

Excesso

O receio de ficar sem água levou os moradores das regiões atingidas a estocarem o líquido, muitas vezes, em quantidade superior ao necessário para 24 horas. Tanto a Caesb quanto a Adasa condenam a prática. Até porque, se todos guardarem mais água do que o necessário, o rodízio e a economia de água perdem a razão de ocorrer. ;Algumas pessoas reservam mais do que o necessário até porque é uma situação inédita. Percebemos comportamento similar quando fizemos o racionamento em Planaltina e Sobradinho. O consumo aumentou na primeira semana, mas, na semana seguinte, se normalizou;, explica Igor Medeiros Silva, regulador de serviços públicos da Adasa.

Para Karina Bassan, engenheira química da Caesb, essa primeira reação de armazenar muita água se deve ao fato de as pessoas não terem noção exata de quanto consomem e quanto cada atividade demanda do líquido. ;Como é a primeira vez que temos um racionamento, isso causa insegurança. A gente não tem a cultura de saber quanto realmente precisa de água para nossas atividades diárias;, frisa.

Segundo cálculos da Caesb e da Adasa, cada morador necessita, em média, de 100 a 150 litros diários de água. Dessa forma, uma casa com até cinco pessoas pode manter uma caixa de 500 litros, sem a necessidade de mais estocagem. Igor explica que, pelo Código de Obras do Distrito Federal e resoluções da Adasa, é recomendável que toda edificação tenha armazenagem suficiente por 24 horas.

A Caesb orienta aos usuários que não armazenem água em baldes, tambores ou latões. ;Não são recipientes adequados e podem virar foco de mosquito da dengue;, lembra Karine. O plano de racionamento começou ontem em três regiões do DF. Ao todo, serão 15 regiões administrativas afetadas ; todas elas abastecidas pelo rio Descoberto. O rodízio vai funcionar em um ciclo de seis dias, no qual o morador fica 24 horas sem água. Em seguida, passa dois dias com o sistema instável e mais três dias, normalizado.

Fiscalização contra roubo

A Caesb vai ampliar os serviços de fiscalização para coibir as ligações clandestinas e diminuir o percentual de perdas da companhia. Além de aumentar para 32 o número de técnicos encarregados de vistorias, eles passarão a atuar de forma proativa. A ocorrência indiscriminada do furto de água é um dos motivos da escassez hídrica no DF. As ligações clandestinas são responsáveis pelo desvio de 680 mil m; de água por mês na capital. A Caesb estima que existam cerca de 38 mil ligações clandestinas, gerando um prejuízo mensal de R$ 2,7 milhões. A maior parte das ligações clandestinas são encontradas em áreas de ocupações irregulares.

A empresa vai implementar ainda um sistema de controle para identificar onde ocorrem vazamentos ou ligações clandestinas. Os responsáveis pelas ligações clandestinas usam vários artifícios para se autoabastecer com a água pública, inclusive danificando as tubulações. O furto de água é uma prática criminosa, com pena prevista de um a quatro anos de prisão, além de multa.

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