Cidades

Moradores do Plano Piloto contestam proibição de brincadeiras em pilotis

Na 312 Sul, até o Conselho Tutelar foi acionado para avaliar a proibição e Iphan também se manifestou. Evento criado no Facebook e chamado de "Brincalhaço" protesta contra o impedimento de usar o pilotis dos edifícios residenciais para brincar

Gabriela Vinhal
postado em 27/01/2017 20:15

Nas últimas semanas, casos de proibição de brincaderias nos pilotis dos prédios de Brasília têm causado polêmica. Na 312 Sul, as crianças estão proibidas de brincar em um dos blocos, assim como na Quadra 102 do Sudoeste. O assunto levou o Conselho Tutelar e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a se manifestarem. Ambos ressaltam que, por fazerem parte de área pública, de acordo com o plano urbanístico de idealizado por Lucio Costa, esses locais não podem ter o acesso limitado.

Os filhos da funcionária pública Marcela Abrahão, 41 anos, foram advertidos enquanto se divertiam durante as férias escolares embaixo de um bloco na Quadra 102 do Sudoeste com os vizinhos. Embora seja orientação do síndico, foi o porteiro quem deu o aviso: "Se acontecer uma próxima vez, o apartamento será multado".


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Mineira, Marcela mora no condomínio há cinco anos. Contudo, só foi advertida quanto à "infração" em dezembro do ano passado, quando o serviço de portaria foi terceirizado. "Meus filhos desceram durante o dia, em horário comercial, e subiram dizendo que não podiam mais ficar ali ou então seríamos multados", disse.

Com a época das chuvas, a mãe conta que o pilotis era uma alternativa acessível para os filhos não ficarem o dia todo em casa enquanto a esperam voltar do trabalho. Além disso, seria um momento de socialização e longe dos aparatos tecnológicos. "Eu cresci brincando na rua e queria que meus filhos tivessem um pouco disso também. Com essas mudanças, eles querem que eu os leve ao shopping? Para ficarem trancafiados?", critica a moradora.

A mãe lamenta que uma das características tão marcantes de Brasília, como a ocupação dos pilotis dos prédios, ainda seja vetada com base em um regimento interno elaborado em 1994, há 23 anos. O texto especifica o que não se deve fazer nas áreas comuns como "uso de bicicletas, patins, patinete, ou prática de jogos infantis ou de bola, brincadeiras infantis, correria, gritaria e aglomerações que atrapalhem moradores e o trânsito livre" do prédio. O objetivo seria "aprimorar a convivência entre os condôminos".

Para ela, essa situação ocorreu por causa da intolerância. "A cidade está perdendo um pouco o sentido pelo qual foi criada. O pilotis era um espaço de convivência, que está sendo prejudicado também pela falta de tolerância com as crianças, que não têm a maturidade dos adultos e são penalizadas por apenas viverem."

O Correio entrou em contato com a Administração Regional do Plano Piloto, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Pilotis com livre acesso

Os artigos 9; e 32;, da Portaria n; 166/2016, do Iphan, regulamentam e garantem o uso livre e público dos pilotis, permitindo a franca circulação de pedestre e usuários. Em nota, o Iphan informou que "parece bastante evidente que a sua intensa utilização, por crianças, jovens e adultos, faz de Brasília ser o que é: uma cidade diferente, vocacionada ao viver cotidiano e aos encontros que não devem ser impedidos por decisões restritivas de usos".

Na obra Brasília revisitada, de 1985-1987, sobre as características fundamentais do Plano Piloto, o próprio arquiteto Lucio Costa defendia a acessibilidade do local. "A escala residencial, com a proposta inovadora da superquadra, a serenidade urbana assegurada pelo gabarito uniforme de seis pavimentos, o chão livre e acessível a todos através do uso generalizado dos pilotis e o franco predomínio do verde, trouxe consigo o embrião de uma nova maneira de viver, própria de Brasília e inteiramente diversa das demais cidades brasileiras." (Brasília revisitada 1985/87, Características fundamentais do Plano Piloto, item 1)

Direito das crianças

O primeiro caso de proibição divulgado pelos moradores de Brasília ocorreu no Bloco H da 312 sul. Condôminos do prédio desabafaram no Facebook sobre a situação e receberam apoio dos internautas e de outros brasilienses, que se revoltaram com a atitude da síndica do edifício. Quanto a essa denúncia, a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude informou, nesta sexta-feira (27/1), que já acionou o Conselho Tutelar da região para garantir o direito das crianças do bloco e de toda a comunidade.


A Secriança e a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth) confirmaram que o Conselho Tutelar foi acionado para verificar o caso e disseram, ainda, que os pilotis são áreas públicas concedidas aos prédios. Portanto, não podem ter seu acesso restrito ou condicionado arbitrariamente. "A Segeth esclarece ainda que o regimento de um condomínio não pode se sobrepor ao regramento geral, como o projeto original da cidade e até mesmo princípios constitucionais, como direito de ir e vir e o direito ao lazer."

Brincalhaço marcado pelas redes sociais já tem mais de 2 mil pessoas confirmadas

Encontro marcado

Nas redes sociais, brasilienses se mobilizaram contra a iniciativa e criaram o "Brincalhaço", uma forma de protesto marcado para este domingo (29/1), no Bloco H da 312 Sul, local onde começou a proibição. O objetivo do encontro, segundo o organizador Alessandro Lehmann, é mostrar, com respeito, que as crianças do prédio não são culpadas por um "regimento tão ditatorial".

Como apoio à ocupação dos pilotis, alguns usuários postam fotos antigas deles brincando debaixo do bloco, com os amigos vizinhos. Outros internautas, por sua vez, registram imagens dos filhos no local para mostrar que, onde moram, a prática é autorizada. O evento já tem mais de 2 mil pessoas confirmadas e 7 mil convidados.

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