Luiz Calcagno
postado em 13/02/2017 06:00
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O modelo de gestão das bibliotecas públicas e escolares ; imposto pelo Governo do Distrito Federal por um decreto de 1996 ; impede que a população tenha acesso aos livros ; quase todos de segunda mão ; guardados nessas instituições. A ausência de políticas para o setor fica evidente até mesmo nos estabelecimentos considerados mais bem equipados, como nas bibliotecas da Candangolândia e de Sobradinho II. Absurdos são vistos em unidades como a de Samambaia, que se restringe a uma única sala, fechada por uma porta de metal, ventilada por basculantes e com parte do forro destruído. Ou ainda a de Planaltina, que estava fechada quando a reportagem chegou. Especialistas apontam a descentralização na gestão dos locais; a falta de profissionais formados em biblioteconomia; a ausência de uma rede que conecte acervos e que facilite o acesso aos livros; além do desconhecimento das necessidades de cada região administrativa como os principais agravantes da situação.
[SAIBAMAIS]Das 26 bibliotecas públicas do DF, somente quatro têm internet disponível para os usuários. São elas a do Cruzeiro, a de Sobradinho, a de Ceilândia e a da Candangolândia. Além disso, apenas seis bibliotecários atendem os estabelecimentos, sendo dois em Brasília, um em Sobradinho, um em São Sebastião, outro no Núcleo Bandeirante e o sexto em Vicente Pires. Nenhum dos locais tem independência financeira ou conta com qualquer verba para ampliar e melhorar o acervo.
A reportagem do Correio visitou as bibliotecas de Taguatinga, de Ceilândia, do Recanto das Emas, de Samambaia, da Candangolândia, de Sobradinho, de Sobradinho II e de Planaltina. Na maioria delas, as estantes eram velhas e envergavam com o peso dos livros. Havia muita poeira. A equipe também flagrou carrinhos de transporte de material enferrujados, forros quebrados e locais mal iluminados. A do Recanto das Emas estava pintada, mas vazia. A sessão de livros infantojuvenis, estava abandonada em um beco, entre a parede e uma das estantes.
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No caso da rede pública de ensino, são 575 bibliotecas funcionando e 87 fechadas, para atender a um total de 659 escolas. Professor de biblioteconomia da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade de Brasília (UnB), Emir José Suaiden afirma que o modelo antiquado de gestão se espalha também nas bibliotecas das escolas, para as quais, segundo ele, o GDF se limita a distribuir os livros didáticos do Ministério da Educação (MEC) e não investe o suficiente em literatura infantojuvenil para cativar novos leitores.
Persistência
A reportagem encontrou, entre a maioria dos frequentadores, concurseiros e vestibulandos. Nenhum dos abordados, no entanto, contava com exemplares da biblioteca para estudar. Além disso, em nenhum dos estabelecimentos, havia acervo digitalizado ou acesso a títulos de outras unidades para auxiliar em buscas e pesquisas.
Segundo Emir José Suaiden, desde a inauguração de Brasília, bibliotecários da capital federal lutam por um sistema de rede que interligue as instituições. Ele lamenta que o descaso do governo com tais espaços reflita uma realidade comum em todo o país. Por outro lado, o professor lembra os bons exemplos que mostram que não há motivo para a capital perpetuar a falta de cuidado com o setor. ;Em São Paulo, há bibliotecários especializados nas escolas. Já o GDF não tem pessoal qualificado. A verba aqui é irrisória;, lamenta.
O presidente da Associação dos Bibliotecários do DF, Ricardo Rodrigues, concorda com a avaliação. Ele destaca que a desatenção do governo também é reflexo do pouco hábito de leitura da população brasileira. ;Consequentemente, nossas autoridades não dão valor a esses espaços;, pondera. Para Ricardo, soma-se à falta de estrutura e de pessoal a forma de gerenciar as bibliotecas do DF, que também deixa a desejar.
Há uma diretoria do setor na Secretaria de Cultura (SeCult), mas as bibliotecas públicas são subordinadas às administrações regionais. ;Muitos gestores foram indicados por administradores para um ;cargo de confiança; sem ter qualquer experiência na área. Como fazer alguma melhoria sem saber quem é o responsável e qual a competência técnica da pessoa? A associação propõe, batalha por mudança em todo o sistema, mas é complicado. Você fala que é bibliotecário e as pessoas não te recebem;, lamenta.
Um novo horizonte
Diretora do sistema de bibliotecas públicas da SeCult e doutora em ciência da informação, Graça Pimentel admite os problemas. Segundo ela, a diretoria presta apoio técnico às 26 unidades espalhadas pela capital, com reuniões bimestrais e trimestrais e pelo menos uma visita anual a cada uma delas. ;Entre as dificuldades, estão a falta de recursos humanos qualificados, de espaço público e a aquisição de acervo;, lista. ;No fim do ano passado, fizemos um curso de capacitação para 130 pessoas que atuam nas bibliotecas e licitamos a aquisição de 6,5 mil livros, a R$ 180 mil, para atender à rede de bibliotecas públicas, além do programa ;Mala do Livro;. Também estamos estudando meios de gestão para termos a condição de criar um sistema que conecte os acervos das bibliotecas públicas;, afirma.
No entanto, não há previsão para a instalação dessa rede virtual de unificação. Segundo Graça, aos poucos, o GDF garantirá acesso à internet a todas as unidades que ainda não contam com o serviço. ;Em 2016, também, fizemos arrecadação de exemplares da Bienal do Livro e recebemos outros de instituições governamentais. Sabemos que isso não é suficiente, mas tentamos manter acervos menores e com melhor qualidade. No ano passado, tivemos 523 mil atendimentos nas unidades e outros 630 mil pelo ;Mala do Livro;. Estamos com um cenário melhor;, comemora.
A pedagoga Shirley Bragança, gerente da Gerência de Bibliotecas, Livro e Leitura da Secretaria de Educação, explica que a pasta tenta suprir a necessidade de investimento em livros infantojuvenis, por exemplo, com a democratização da escolha e compra de novos títulos, feita por professores e por estudantes. ;Todos os anos, reservamos uma verba para que eles comprem novos livros na Feira do Livro de Brasília. No ano passado, foram R$ 500 mil e, neste ano, possivelmente, R$ 600 mil. Os alunos fazem a lista de títulos e participam de encontros com autores. É uma forma de democratizar a leitura.;
O órgão também estuda a criação de uma rede, o Programa Ler, que conecte os acervos das bibliotecas escolares, um projeto que está previsto para ser lançado em julho deste ano, mas, inicialmente, sem integração com a rede da SeCult. A concretização, porém, vai depender do modelo de gestão, que exigirá treinamento e contratação de pessoal especializado. ;Gerimos as bibliotecas escolares e as comunitárias, que complementam os acervos das escolas e atendem a mais de uma unidade por região. Nossa meta é ter um bibliotecário, em cada biblioteca escolar comunitária, que oriente os professores. Isso é importante, pois precisamos de um profissional ligado à grade curricular para cuidar desses espaços, segundo as necessidades educacionais;, explica.
Por último, Shirley destaca que as escolas também têm programações ligadas ao desenvolvimento cultural dos alunos. ;Mas o principal nas nossas bibliotecas é o desenvolvimento do currículo;, destaca. ;Ainda temos muito o que fazer, o que desenvolver: políticas de incentivo à leitura, comprometimento dos pais, estímulo para que empresários abram livrarias nas cidades satélites. O que investimos não é suficiente, mas tende a aumentar e o GDF está abrindo os olhos para isso;, garante.
Do século passado
O Decreto 17.684, de 18 de setembro 1996, instituiu a rede de bibliotecas públicas do Distrito Federal, composta por todas as bibliotecas públicas das regiões administrativas, pela Biblioteca Pública de Brasília e pela Biblioteca Nacional, pertencentes à Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Embora o texto garanta o suporte técnico da Secretaria de Cultura, o artigo 3; vincula as unidades às administrações regionais, inclusive financeiramente.
Para saber mais
Biblioteca Demonstrativa fechada
Os problemas podem ser vistos até mesmo no centro da capital. A Biblioteca Demonstrativa de Brasília (BDB), vinculada à Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura, está prestes a completar três anos fechada. Localizada na Entrequadra 506/507 da Asa Sul, foi interditada pela Defesa Civil em 6 de maio de 2014. À época, o órgão alegou que a estrutura apresentava riscos para usuários e funcionários. Em outubro do ano passado, no entanto, a área foi liberada para uso. ;O que sabemos é que as reformas foram feitas e, agora, aguardamos que ela seja devidamente aparelhada, com a recomposição dos acervos e mobílias. Enquanto isso, seguimos esperando;, afirma o presidente da Associação de Amigos da BDB, Mauro Mandelli. Morador da 706 Sul, Tancredo Maia, 69 anos, lamenta o desperdício do espaço cultural. Ele, assim como filhos e netos, foram frequentadores da biblioteca. ;São três gerações. É uma perda ter uma área dessas fechada por tanto tempo. É um descaso do poder público federal com um espaço importante para a cultura brasiliense;, reclama.