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Conheça a família de artistas que comanda o Circo Real Português

Fundado em 1938, o Circo Real Português tem passado de pai para filho há cinco gerações. Saiba como vive essa família de artistas que, apesar de todas as dificuldades, não deixa o espetáculo morrer

Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 15/02/2017 06:00
A família que comanda e se apresenta no Circo Real Português
Horas antes do início do espetáculo, o sol quente deixa o ambiente embaixo da lona do Circo Real Português abafado. Na última cadeira da plateia, a trapezista e gerente administrativa, Joici Portugal, 31 anos, discute com um funcionário da Administração de Águas Claras, que não liberava a montagem do espetáculo na cidade. ;Não temos vergonha de viver do circo, é um trabalho digno, não estou roubando ninguém. Nosso objetivo é apresentar a nossa cultura;, dizia ao assessor, ao telefone. Após terminar a conversa, a mulher procura o pai em uma das 11 casas móveis nas quais vivem as 50 pessoas que trabalham no circo. ;Esses dias, falaram que o preço do nosso ingresso é muito caro. Cobramos R$ 10. Antes da montagem, precisamos de uma autorização da Administração Regional, contratamos um engenheiro para fazer o laudo, contatamos a Agefis, recebemos vistoria da polícia, além de todo o trabalho para instalar água e luz. Mesmo assim, acham mais fácil pagar R$ 30 para ver um filme no cinema do que R$ 10 em uma atração circense;, desabafa a trapezista.

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Fundado em 1938 pelo bisavô de Joici, o circo tem sido passado de pai para filho por cinco gerações. Iasmin Portugal, 7, é a mais nova estrela. ;Ela é contorcionista. Desde novinha, faz arte;, conta orgulhosa a mãe. Tímida, Joici mostra o ônibus em que vive com a filha e o cachorro. E ressalta que tem uma vida normal. ;Nasci no circo. Cresci viajando muito, trocando de escola mensalmente. Mas, com o tempo, a gente acostuma. Quando não estamos no palco, somos pessoas comuns.; Ao ser questionada sobre o que gosta de fazer fora do horário de trabalho, ela apenas ri e aponta para o animal de estimação, um pug, que faz carinho no tênis que a mulher usa, um modelo estampado com imagens de cachorro.



O atual proprietário, Cleibe Portugal, 72, relembra feliz dos tempos dourados. ;Reuníamos 2.500 pessoas por espetáculo, já recebemos até Os Trapalhões no nosso palco. O Dedé Santana começou aqui;, enaltece. Hoje, a realidade é outra. Nos bons dias, o público chega a 200, mas nada que faça Cleibe querer desistir. ;Nasci no circo e quero terminar aqui. Se me oferecessem um apartamento para morar e um carro para andar, eu morreria de tédio;, declara. O artista, que atuou como palhaço, mágico e domador de leões, agora assume o cargo de mentor, nos bastidores do picadeiro. ;Ninguém quer ver um velho não. A plateia quer gente nova;, diz. A felicidade do homem é facilmente vista no sorriso que abre ao ver a neta Letícia Portugal, 10, subir ao palco e assumir o trapézio. ;Nunca obriguei ninguém a ficar aqui, mas fico tão feliz quando eles dão continuidade ao ramo da família;, relata.

Vilck tem dupla função no circo: de dia, é soldador e faz a manutenção, à noite, é o homem do globo da morte

Cleibe teve oito filhos. Quatro viraram artistas circenses. A atual esposa, Ana Paula Portugal, 37, assistiu a uma apresentação da trupe em Juazeiro da Bahia e acabou fugindo com o circo. Agora, é bailarina. Além de Cleibe, cinco irmãos ajudam a comandar o espetáculo. Há membros da família na organização do show, dentro do globo da morte e, claro, no picadeiro. Um dos que comanda a festa é Yago Portugal, 24. ;Não deixo ninguém falar da minha profissão em tom de chacota. Eu sou palhaço de circo com orgulho. Esse é meu ganha-pão e é digno, além de não ser fácil. Não sigo um script. Tenho alguns direcionamentos na mente, mas, quando subo no palco, é improviso. Sinto o que a plateia gosta, daí faço o meu show;, garante.

Novo espetáculo

Quando o assunto é a atual realidade do circo, Cleibe Portugal coça a cabeça e enruga a testa. ;Tivemos que nos adaptar;, admite. Na fachada, uma placa anuncia show de um robô dos Transformers, franquia de filmes americana na qual carros se tornam guerreiros metálicos. ;A criançada quer ver coisas atuais, aí não podemos mais ficar no tradicional show circense. Trazemos atrações de filmes e desenhos animados e colocamos no picadeiro num formato mais teatral;, explica. Quem também atrai bastante atenção é a trapezista-mirim Letícia. ;Na escola, todo mundo fica animado quando digo que trabalho no circo, aí vem muita gente me ver;, conta. O avô coruja garante que foi a menina quem quis brincar no trapézio. ;Querem proibir que crianças trabalhem no circo, mas não entendem que elas vivem aqui, assistem a pais e familiares trabalhando com isso e entram porque acham divertido. É igual ao teatro ou à tevê. Existem atores-mirins porque eles sonham com aquilo, igual com o circo;, garante.

Outra artista-mirim da trupe é Amanda Portugal, 15, que agora é até professora. Está ensinando Renata Siqueira, 20, como ser sua parceira na lira dupla. ;É um espetáculo no qual ficamos penduradas em uns círculos, que ficam bem no alto do picadeiro;, conta Amanda. A garota relata que treina muito, mas que já caiu durante apresentações. ;Geralmente, quando alguém cai, conseguimos segurar a pessoa e a plateia acha que faz parte do show. Mas teve um dia que escorreguei da argola e caí de bunda no chão. A plateia se assustou, mas eu levantei e fingi que não tinha sido nada demais. No dia seguinte, acordei dolorida, mas ninguém que estava assistindo ficou sabendo disso;, relata.

Vilck Portugal, 27, também começou a atuar pequeno no picadeiro. As primeiras participações foram como palhaço, mas a busca por emoção o fez mudar de área. ;Meu tio se apresentava no globo da morte, tinha vontade de experimentar, mas tinha medo. O treinamento começa com uma bicicleta, só passamos para a moto depois de ganhar experiência, mas toda vez que fecha a grade é como se fosse a primeira vez. Sempre há riscos e não podemos relaxar;, conta. Durante o dia, o artista troca o capacete por uma máscara protetora, utilizada para soldar ferros. ;Faço a manutenção do globo e ajudo na de toda estrutura de ferro do circo.;

Até o fim do mês, o Circo Real Português segue montado em frente ao Terminal Rodoviário do Gama. No próximo mês, espera estar em Águas Claras, caso a Administração Regional permita. Antes disso, o circo viajou todo o país. Em 1960, na inauguração de Brasília, a trupe se apresentou na nova capital, sendo o primeiro circo armado no DF. Mas, anos depois, durante a ditadura militar, Cleibe Portugal afirma ter vivido a época mais complicada da carreira. ;Antes das apresentações, tínhamos que mandar todo o roteiro, já com as falas feitas, para a Polícia Federal. Se tocássemos no nome de algum político, o espetáculo era barrado. E, para garantir que seguiríamos o script, eles mandavam policiais para acompanhar o show. Cansei de ouvir falar em palhaço saindo preso;, relembra.

Hoje, o clima é outro. ;Temos mais liberdade, mas nos comprometemos em ser um espetáculo familiar. Somos um show que pode ser visto e entendido por alguém de 8 até 80 anos.; E essa promessa é rapidamente cumprida. Horas depois, à noite, as cadeiras de ferro cobertas por capas azuis ou vermelhas são ocupadas por pessoas de todas as idades, que mostram que a magia do circo ainda está longe de morrer.

Programe-se

Circo Real Português
Onde: em frente ao Terminal Rodoviário do Gama
Horários: de terça a sexta-feira, às 20h30, e sábados e domingos, às 16h, às 18h e às 20h30
Ingresso: R$ 10
Mais informações: (61) 99416-3290

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