Cidades

TCDF identifica desperdício milionário na saúde pública do DF

Em alguns casos, câmeras de segurança, berços, camas e aparelhos de raios-x estão estocados de forma improvisada ou foram furtados

Otávio Augusto, Helena Mader
postado em 19/02/2017 08:07
A investigação começou em 2015 após denúncia do Ministério Público de Contas, que identificou falhas em compras da Secretaria de Saúde

Mesmo sem recursos para melhorar a saúde pública do Distrito Federal, o governo fez gastos milionários em compras direcionadas e desnecessárias. Por causa da falta de planejamento, aparelhos de raios-x, câmeras de vigilância, berços, camas ginecológicas, mesas auxiliares e monitores fetais estão guardados de forma improvisada em galpões da Secretaria de Saúde. A aquisição desse material ocorreu em quantidade muito superior à necessária, sem que houvesse estrutura para o recebimento na rede pública. Essas são as conclusões de uma auditoria recém-finalizada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal. Os contratos analisados somam R$ 18,6 milhões e pelo menos 20% desse valor foi desperdiçado. Sem controle nos estoques da pasta, parte do material desapareceu. A Polícia Civil investiga o furto.

A investigação começou em 2015, motivada por uma representação do Ministério Público de Contas. O órgão recebeu denúncias a respeito de mobiliário e aparelhos encaixotados. ;Muitas compras da Secretaria de Saúde são justificadas ao argumento do terror, de que se faz necessária a aquisição porque vidas precisam ser salvas, deixando de demonstrar que necessidade e economicidade precisam andar juntas;, argumenta a procuradora-geral do MP de Contas, Cláudia Fernanda de Oliveira.

Os auditores do Tribunal de Contas foram a campo checar as informações e confirmaram a veracidade das denúncias. ;Foram encontrados casos de aquisição sem justificativa idônea para a especificação dos bens e definição dos quantitativos a serem adquiridos. Detectou-se a utilização ineficiente e antieconômica de recursos públicos, representados pela existência de bens sem possibilidade de uso, seja por falta de peças para a montagem, seja por falta de estrutura das unidades da Secretaria de Saúde. Soma-se a isso a apuração de falhas quanto à adoção de procedimentos para garantir a conservação e segurança dos itens estocados;, detalharam os auditores no levantamento.

O caso mais grave identificado durante a apuração foi um processo aberto em 2012 para a compra de 900 câmeras de vigilância. À época, a pasta aderiu a uma ata de registro de preços do Senado Federal. O contrato somou R$ 5,3 milhões. O levantamento de valores do Senado era exclusivamente para a compra e a instalação das câmeras, mas a Secretaria de Saúde previu ainda outros serviços, como suporte técnico e manutenção preventiva e corretiva, sem licitação. Para o TCDF, a pasta direcionou a contratação para escolher a empresa. A firma pleiteou o pagamento da íntegra do valor previsto após a entrega dos produtos no almoxarifado, apesar de o contrato prever a prestação de todos os serviços técnicos e a instalação.

Das 900 câmeras compradas, só 95 foram instaladas. Além disso, dos 15 equipamentos de armazenagem de dados, apenas três receberam configuração. Depois da contratação dos serviços e da compra dos equipamentos, a Secretaria de Saúde percebeu que não tinha estrutura para uso do material. O Hospital de Base do DF e o Hospital Regional da Asa Norte (Hran) receberam 20 câmeras cada um, mas elas nunca funcionaram por falta de estrutura. ;A solução completa jamais foi entregue, podendo-se afirmar que a Secretaria de Saúde e os pacientes não encontraram retorno do alto dispêndio realizado;, apontou a auditoria do TCDF.

A central de monitoramento chegou a ser instalada e funcionou por alguns meses, mas o trabalho foi paralisado. No fim de 2016, quando os auditores visitaram o estoque, havia equipamentos de vigilância guardados que somavam R$ 2,6 milhões. Para piorar a situação, pelo menos 90 câmeras e dois aparelhos de armazenagem de dados que estavam guardados sem uso no almoxarifado sumiram.

Os bens que desapareceram do galpão somam R$ 641 mil. O extravio das câmeras pode ter levado mais de dois anos para ter sido notado pelo GDF. ;Conforme consta na ocorrência policial, o furto pode ter ocorrido entre agosto de 2013, data de recebimento dos bens, e outubro de 2015, data de finalização do inventário patrimonial, ocasião em que se constatou que tais bens haviam sido furtados;, menciona um trecho da auditoria.

Também foram constatadas irregularidades em uma compra de mobiliário hospitalar realizada em 2014, por meio de uma adesão à ata de registro de preços do Ministério da Defesa. A compra de leitos, berços, macas e camas ginecológicas totalizou R$ 4,6 milhões. Quase três anos depois, há 198 peças adquiridas nesse contrato que estão armazenadas. No caso do biombo duplo, das 610 unidades compradas, 153 permanecem em estoque ; o equivalente a 25% do total. Há, ainda, 47 berços encaixotados. ;É possível concluir que a compra não levou em consideração as reais demandas das unidades de saúde;, detalharam os auditores.


Radiografia

Em 2013, o GDF comprou mobiliário para escritório, em um contrato de R$ 6,4 milhões. A justificativa oficial para a despesa foi a inauguração de unidades de pronto atendimento (UPAs), de centros do sistema prisional e do Saúde da Família. Em setembro de 2016, os bens em estoque somavam R$ 351 mil. Há casos de aparelhos encaixotados há quase uma década. Em 2009, o governo adquiriu 20 equipamentos de raios-x, ao custo unitário de R$ 97 mil. ;Na solicitação de compra, consta pedido de 20 aparelhos. No entanto, na grade de distribuição, há apenas sete equipamentos. Assim, verificou-se absoluta ausência de justificativa para as 13 unidades restantes.;

Dois aparelhos foram comprados para os hospitais da Asa Norte e de Brazlândia. Mas essas unidades afirmam não ter interesse no material. O Hran ocupou recentemente o único espaço disponível com um tomógrafo, e o Hospital Regional de Brazlândia alega não ter estrutura adequada nem espaço físico para a instalação do raio-x.

A compra de produtos em quantidades muito acima do necessário ocorreu também durante uma aquisição de mesas auxiliares. Em 2012, o Hospital Regional de Planaltina solicitou quatro unidades para o centro cirúrgico. Mas a Secretaria de Saúde alterou o quantitativo e optou por negociar 500 mesas, para toda a rede. Conclusão: até hoje, 367 peças estão em estoque e sem uso.

Nos últimos cinco dias, o Correio procurou a Secretaria de Saúde, mas a pasta informou que não se manifestaria sobre a auditoria.

900

Total de câmeras compradas sem uma avaliação prévia da estrutura da rede pública

Recomendações

Os auditores do TCDF fizeram uma série de recomendações à Secretaria de Saúde, como incluir nos processos de compras públicas justificativa para os itens e quantidades adquiridas, com comprovação de que os quantitativos foram baseados na real necessidade. A Corte também cobra que, antes de comprar equipamentos, a pasta peça a manifestação da área técnica responsável sobre a viabilidade de instalação e utilização imediatas. No fim de janeiro, os conselheiros deram prazo de 30 dias para que o GDF se manifeste sobre as irregularidades apontadas.


"Muitas compras da Secretaria de Saúde são justificadas ao argumento do terror, de que se faz necessária a aquisição porque vidas precisam ser salvas, deixando de demonstrar que necessidade e economicidade precisam andar juntas;
Cláudia Fernanda de Oliveira, Procuradora-geral do MP de Contas

Secretário censura repórter do Correio

Em atitude autoritária, a Secretaria de Saúde se recusou a responder a pedidos de esclarecimentos feitos pelo Correio. O secretário Humberto Fonseca também determinou à assessoria de imprensa da pasta que não repasse informação ao repórter Otávio Augusto. A censura atenta contra a liberdade de imprensa e afronta a Constituição, que garante aos veículos de comunicação o direito de levar ao conhecimento da população informações de amplo interesse público.

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