Cidades

"Vamos ser sinceros: Ninguém aqui é virgem", diz deputado Cristiano Araújo

"Seria útil para deixar claro que o suposto esquema não passa de grande armação"

Helena Mader, Ana Maria Campos
postado em 25/02/2017 07:25
Para Cristiano, CPI da Saúde

Apontado pelo ex-secretário-geral da Câmara Legislativa Valério Neves como o responsável pela conquista do ;negócio das UTIs;, o deputado Cristiano Araújo (PSD) confirma, nos áudios aos quais o Correio teve acesso, ;que levou o assunto aos distritais;. Receoso com o andamento da Operação Drácon, o distrital dedicou horas dos dias subsequentes à deflagração das investigações aos debates sobre os possíveis desdobramentos do caso ; cassação do mandato, condenação judicial, prejuízos à reeleição e, até mesmo, prisão de parlamentares em exercício.

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O parlamentar garante aos interlocutores, sucessivas vezes, que não fechou o acordo sob investigação na Drácon, apenas admite que agiu como intermediador. ;Eu não fiz o negócio. Eu levei o assunto, cara. Eu não pedi nada pra ninguém, tanto é que viajei. Agora, os bispos (Renato Andrade e Julio Cesar) vão ficar mentindo até a última hora;, conta. O parlamentar do PSD acrescenta: ;Aí, fui falar: ;Porra, fala se vocês foram ou não foram;; ;Ah, a gente foi lá mesmo. Tivemos a conversa;;, completa. Segundo o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), Cristiano era o intermediário da propina com empresas da área de saúde. O montante acertado seria de 10% do valor liberado, cuja previsão era de R$ 30 milhões. Cristiano e os deputados Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS), Bispo Renato (PR) e Júlio César (PRB) foram denunciados por corrupção passiva.

[SAIBAMAIS]Nas conversas captadas pela escuta ambiental instalada em seu gabinete por policiais civis e membros do Ministério Público, com autorização judicial, Cristiano destaca a morosidade do sistema judiciário brasileiro e aponta que, na Câmara Legislativa, ;ninguém é virgem;. O parlamentar sugere que, nas condições políticas da Casa, seria improvável o andamento do processo de cassação. De fato, as representações da Drácon acabaram sendo suspensas pelo então presidente do Legislativo local, Juarezão (PSB).

Cristiano Araújo revela, nos diálogos, que teve o apoio do ex-deputado Leonardo Prudente, condenado por improbidade administrativa na Operação Caixa de Pandora. Ele é pai de Rafael Prudente (PMDB), corregedor da Casa até o fim do ano passado. Em um encontro, segundo Cristiano, Leonardo recordou-se do momento em que teve o mandato ameaçado na Câmara, em 2010. À época, Cristiano teria garantido que ;não iria fazer nada;. ;A mesma conversa que você teve comigo... Eu não esqueci nada daquilo lá (...) Olha, não quero f... ninguém. Ele (Rafael) vai te defender à medida que não indisponha ele;, teria dito Leonardo Prudente.

Reeleição

Em dezenas de diálogos, Cristiano Araújo aponta as pendências na Justiça e mostra não se preocupar com uma condenação rápida, que minaria seus planos para a eleição de 2018. ;Em todas as possibilidades que a gente analisa, mesmo que venha uma condenação, não contamina a minha eleição. A gente tem muita coisa a fazer, tem STJ, STF, TCU, é um processo confuso;, ressalta. Apesar das especulações, em uma das gravações, o distrital discute com assessores a possibilidade de pedido de prisão contra os parlamentares investigados. Nesse momento, lê o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso Mello sobre o tema.

Assim, o distrital sugere a necessidade de ;sair do foco; para se poupar. ;Nesse ambiente, com o governador puto, ele deve estar colocando a Polícia Civil toda de olho na gente;, diz. E acrescenta, aconselhando cautela ao interlocutor: ;Se pisar fora...;.

Para deixar os holofotes, logo após a deflagração da Drácon, Cristiano afastou-se da CPI da Saúde, na qual ocupava a Vice-presidência. ;Se a gente sai da CPI, sai do foco. Mas, por outro lado, não tem como atacar o governo e nem se defender lá dentro, né?!”, reflete. Após inúmeros debates, o deputado e os interlocutores classificam a permanência como ;insustentável;. A exemplo de Cristiano, Bispo Renato Andrade (PR) também deixou a CPI.

Bispo Renato, inclusive, é considerado pelo parlamentar como um dos envolvidos em situação mais crítica. ;O bispo é o mais enrolado. Tem o assessor dele. Gravação dele;, afirma, referindo-se a Alexandre Braga Cerqueira, suspeito de ocultar provas antes da deflagração da Drácon para obstruir as investigações. O ex-servidor foi flagrado pelo sistema de câmeras de segurança da Casa retirando caixas de documentos e equipamentos no mesmo andar onde funcionam os gabinetes da Mesa Diretora, em 20 de agosto. Com esse cenário, Cristiano avalia: ;Nós não estamos nem 1/3 do que nego ;tá; enrolado;.

Enfrentamento

Ao Correio, Cristiano Araújo comentou os diálogos. Em primeiro lugar, defendeu que, ao dizer ;que levou o assunto aos distritais;, referia-se não ao suposto esquema, mas, sim, à demanda de diversos setores, como construção civil, vigilância e saúde, os quais obtinham dezenas de débitos em aberto com o GDF e demandavam o recebimento dos valores.

Depois, o parlamentar disse não se recordar do diálogo com Leonardo Prudente. Sobre o uso da CPI da Saúde para atacar o governo e preservar-se, explicou que ;àquela época, estava em uma linha de enfrentamento com o governo, pela solicitação de demandas da população;. E acrescentou: ;A CPI seria útil para deixar claro que o suposto esquema não passa de grande armação;. (AMC, HM e AV)


Memória

Emendas, propina e denúncia


A Polícia Civil e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagraram, em 23 de agosto do ano passado, a Operação Drácon. A ação, motivada pela entrega de áudios de deputados distritais gravados por Liliane Roriz (PTB), investiga um suposto esquema de uso de emenda parlamentar para o pagamento de unidades de terapia intensiva (UTIs) mediante cobrança de propina. O conchavo, conhecido como UTIgate, seria integrado pelos membros da Mesa Diretora afastados pela Justiça: Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS), Bispo Renato Andrade (PR) e Julio Cesar (PRB); além de Cristiano Araújo (PSD).

Na primeira fase da operação, cumpriram-se mandados de busca e apreensão nos gabinetes e nas casas dos parlamentares envolvidos, com o intuito de buscar indícios que confirmassem a existência da articulação. Após as primeiras ações da Polícia Civil, o distrital Chico Vigilante (PT) afirmou que um servidor da Câmara Legislativa o informou sobre retiradas de provas da Casa. Assim, em 2 de setembro, pela segunda etapa da ação, a Polícia Civil voltou ao Legislativo local. Dessa vez, para apurar a possibilidade de destruição ou alteração de evidências referentes ao caso (fotos).

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