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Conheça a representante do DF no concurso Miss Brasil Plus Size

Sharlene Leite se divide entre as profissões de professora e modelo. E se utiliza do ramo da moda para defender a valorização do encanto fora dos padrões e o fim da associação entre sobrepeso e doença

Ana Luiza De Carvalho*
postado em 04/03/2017 07:20


A professora de português e redação Sharlene Leite, 31 anos, divide as salas de aula com a possibilidade de ser eleita uma das mulheres mais bonitas do país este mês. Escolhida musa do São Paulo Futebol Clube, time do coração, e Miss DF Plus Size, ela concorre agora ao título nacional. O concurso Miss Brasil Plus Size será realizado entre 8 e 10 de março, em Mauá (SP).

A carreira de Sharlene no ramo da moda, porém, não começou de maneira fácil. Em 2012, sem qualquer razão aparente, ela começou a engordar e atingiu 30kg a mais na balança, deixando de ter um corpo socialmente aceito. A professora se abalou com os comentários maldosos e começou a malhar exaustivamente, enquanto fazia dietas restritivas. Tudo sem resultado. ;Eu julgo que não era empoderada naquela época, eu me deixava abater muito com esse preconceito;, conclui.

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A professora decidiu, então, procurar um médico e descobriu a razão do ganho de peso: ela estava com um câncer na tireoide. ;Estar gorda não significava mais nada naquele momento, porque eu queria viver, e queria viver bem;, desabafa. Após o diagnóstico, ela fez uma cirurgia para retirada da glândula e seguiu com o tratamento.

[SAIBAMAIS]Embora continuasse com o objetivo de perder peso, Sharlene não retornou ao corpo que tinha antes da doença. Além de se acostumar com o metabolismo artificial que substituía a tireoide, ela lutava para manter o amor-próprio em meio à gordofobia institucionalizada, marcada pela dificuldade em comprar roupas em tamanhos maiores.

Tudo mudou quando surgiu a chance de ser modelo. No início de 2013, uma agência entrou em contato com ela por meio de uma rede social. ;Eu me surpreendi porque aquilo que me oprimia era aquilo que eles estavam procurando;, diz. De início, ela resistiu, mas pesquisou sobre o mercado plus size e percebeu que havia uma relação direta entre as questões femininas e o preconceito com gordos. Entusiasta da análise do discurso, ela se animou com a sintonia entre as pautas e procurou a agência. ;Considero o plus size um discurso de desconstrução desse padrão da modernidade líquida;, teoriza ela, parafraseando o sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

Outro ponto que envolveria a análise do discurso e o sentido das expressões seria o ressignificado da própria palavra gorda. ;Ela não pode ter sentido de xingamento, mas é usada com um tom muito pejorativo. Não falem gordinha, digam gorda mesmo. Tem como ser bonita e ser gorda;, afirma.

O envolvimento de Sharlene com causas feministas vem desde a infância. Com apenas 10 anos, ela perdeu a mãe para a violência doméstica. Foi quando começou a refletir sobre a liberdade das mulheres nas próprias vidas. O amor pela mãe, inclusive, é uma das razões para ela investir na carreira. ;Se minha mãe fosse viva, gostaria muito de ouvir esse discurso e de saber que eu tento otimizar de alguma forma a vida das outras mulheres;, acredita.

Apoio

Sharlene conta com o apoio explícito dos colegas de trabalho e também da família para conciliar as rotinas das duas profissões. ;Meu marido sempre viaja comigo. Como tenho um ritmo de trabalho pesado, faço as viagens nos fins de semana. É um jeito até de a gente ficar junto, fazer uma coisa diferente;, diz. Ela não planeja abandonar o magistério e vê muito em comum entre as duas carreiras. ;Por mais distante que pareça, estou fazendo uma desconstrução social, tento fazer a mesma coisa nos dois ambientes.;

A nova carreira impactou também na relação com os alunos. ;Quando minhas alunas observam minhas fotos, veem uma mulher real, que dá 70 aulas por semana, mas que pode ser bonita do jeito que é, sem atingir um padrão;, comemora. ;As pessoas mais velhas estão menos abertas à modificação social do que os jovens. E, como convivo mais com jovens, tenho a graça de receber menos preconceito.;

A convivência com os alunos provaria que o plus size não é uma mercantilização do feminismo ou das necessidades das pessoas gordas. ;As roupas para gordos são muito senhoris. Se uma adolescente estiver acima do peso, tem que se vestir como uma senhora?;. Não se trataria, portanto, de uma questão econômica, mas de contemplar a identidade pessoal desse público. ;Se, antes, uma mulher gorda ia a uma loja e tinha de ser escolhida pela roupa, o que servisse teria de comprar, o segmento do plus size muda essa perspectiva;, finaliza.

Para Sharlene, a aversão institucionalizada aos gordos se reflete no mercado de trabalho. ;Nós trabalhamos bem menos em decorrência de existirem poucas marcas voltadas pro ramo. As outras modelos têm uma procura maior, são mais requisitadas.; Há até mesmo preferência por modelos magras no próprio ramo. ;Às vezes, acham a roupa mais bonita vestida em uma pessoa magra do que vestida em uma gorda;, diz.

Apesar das dificuldades, o segmento para homens é ainda mais modesto que o feminino. Segundo Sharlene, as mulheres têm um interesse maior por moda e o desejo de se afirmar por meio da expressão visual. A exigência social mais cruel também seria uma razão desse mercado ter se desenvolvido mais rápido que o masculino. ;Esse grito de liberdade, de ;eu não me encaixo no padrão;, é muito marcado pela mulher. Agora que o homem está sendo acometido por uma tendência de padronizar e ter um estereótipo de corpo;, diz.

Ainda segundo a professora, outro obstáculo é a associação entre gordura e saúde debilitada. Ela defende que o segmento plus size não é uma apologia à obesidade. ;Para eu ter um corpo tido como padrão, poderia fazer uma redução de estômago, mas isso não seria mais abrasivo para a minha saúde? Poderia tomar medicamento, mas isso também não seria abrasivo?;. Sharlene lembra que, devido ao câncer, até hoje, ela mantém uma alimentação regrada e bons hábitos de saúde.

As expectativas da professora para o futuro dizem mais respeito à valorização do indivíduo do que ao glamour da carreira. ;O que espero mesmo é fomentar esse discurso, conseguir representar essa mulher mais empoderada, menos refém desse jugo social. Uma miss tem que ser inteligente, tem que ter história de vida e ser exemplo de superação.;

* Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

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