Cidades

Respeita as minas: as mulheres do rap estão aí e lutam por espaço

Na cultura hip-hop, as mulheres entram e soltam o verbo sobre a realidade que vivem, denunciando a opressão

Sarah Peres - Especial para o Correio
postado em 08/03/2017 16:02
Vera Verônika foi a primeira mulher a entrar na cena do rap de Brasília. Nascida na capital, se mudou para Valparaíso de Goiás aos 3 anos de idade. Aos 13, adentrou no mundo das rimas. Era 1992 quando tudo começou. Levada pela realidade a qual vivia (negra e moradora da periferia), ela canta a vivência que têm e segue representando essa classe que, a cada dia, busca por direitos iguais e empoderamento. "A gente que trabalha com o rap, canta o que vive, as questões sociais que passamos. O rap é abordar os problemas que existem, para que tenha uma transformação rítmica e social das pessoas", diz Vera, que também é pedagoga e ativista.
A Batalha das Gurias busca um ambiente de apoio e incentivo das mulheres na cena do rap
Quando Vera Verônika entrou em cena, diz ter recebido o apoio dos homens. A iniciativa do rap cantado por mulheres, poucas até então, foi conquistando adeptas. Porém, em comparação com os dias atuais, Verônika acredita que falta espaço. ;O rap é uma música que não é de ninguém, qualquer um pode cantar. Hoje há mais consciência de inclusão das mulheres, mas ainda é preciso muita evolução quanto ao machismo e o racismo no hip-hop;, afirma.
"A gente percebe que os caras não estão lendo e, consequentemente, tendo conhecimento do mundo atual. Nas batalhas, atacam as mulheres falando do corpo, cabelos e por aí vai", comenta. "Por isso batalhas de minas são importantes para que elas possam rimar e colocar a sua voz, sem que sejam ofendidas;, finaliza.
Elisandra Martins, conhecida como MC Lis, participa de batalhas exclusivamente femininas e nas mistas. Ela também percebe a mesma problemática: "não apenas no hip-hop, mas em outras culturas. A ocupação dos espaços públicos são majoritariamente masculinas. No rap, era muito raro ver as minas batalhando, por medo de como tudo vai acontecer em batalhas mistas. Tudo por conta da desqualificação do discurso e objetificação dos corpos femininos;, alega.
Todavia, a MC nota que há um grupo de homens que busca não perpetuar essa atitude. ;Já consegui observar que os meninos estão tentando mudar essa postura machista. Mas nós ainda sofremos muito. Eles tentam falar que o cara tá batalhando como ;menininha; e, nos ataques das rimas, xingam as mulheres da família do rapper;, retrata Lis.

Batalhas

[SAIBAMAIS] Visando um ambiente amistoso e empoderador, surgiram, no Distrito Federal, duas batalhas exclusivamente femininas. Uma delas é a ;Batalha das Gurias (BDG);, que começou no final de 2012 e ocorria apenas aos domingos, no Museu da República. Segundo a rapper Elisandra, que comanda o coletivo juntamente com outras oito meninas, um projeto de extensão para a BDG foi criado na intenção de atender, também, as cidades satélites.
"O Museu servia como ponto estratégico, por ser de fácil acesso para o encontro. Mas percebemos que não atingimos todo o público, por conta dos valores das passagens. Então, por ter minas de várias satélites, buscamos apoio para organizar as edições nas regiões administrativas, na intenção de atingir meninas que também não conheçam o projeto", explica a MC. Neste mês, há edições no Plano Piloto, na Cidade Ocidental, Taguatinga e São Sebastião.
Em Santa Maria, no final de 2016, foi criado a ;Batalha das Guerreiras;. Apesar de ser um coletivo novo, as MCs Kayne Araújo e Morena Araújo, com apoio do DJ Cris, estão montando um projeto que visa a entrada de novas meninas na cena do rap. A pretensão é realizar três batalhas por mês, na Praça Central da região administrativa. "Na cidade não tem muitas rappers mulheres e o intuito é descobrir novos talentos. Queremos ajudar as mulheres a entenderem da cena, mostrando que temos potencial, que o nosso lugar é onde quisermos;, diz Kayne.

Cenário independente

As dificuldades, porém, existem e não são poucas. Os estúdios em geral cobram um valor considerado caro pelos rappers, impossibilitando, assim, quem os artistas que tenham uma renda mais contada, gravem suas músicas. Vera Verônika teve apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e, por isso, está lançando, nas próximas semanas, o disco Mojubá, com 13 faixas. Todas com letras dos 25 anos de caminhada na cultura do hip-hop. O DVD será gravado em 5 de maio, no SESC do Gama, com entrada gratuita.
A maioria das mulheres trabalha de forma independente. É assim com Layla Moreno, que participou da primeira formação da BDG. Ela lançou o 1; EP, intitulado Vermelho Bordô, com apoio de amigos. "É complicado ser independente, tudo tem que desembolsar uma grana. Como conheço uma galera que gosta do meu trabalho, consegui algumas parcerias. Mas a essência toda é independente, não tem mídia, um selo ou algo do tipo", explica. Dois videoclipes foram gravados e editados por Pedro Lemos: Amor Bandido e Sigo no Corre. O terceiro, que conta com a mesma ajuda, está em andamento, mas ainda sem data para divulgação.
"Sinto que quando é uma mina que sobe no palco, a galera não permanece e nem vibra tanto. Pra isso ocorrer, temos que ser duas vezes melhor do que os caras;, conta Layla.
* Estagiária sob supervisão de Anderson Costolli

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