Cidades

Filme sobre os últimos dias de Tancredo Neves será gravado em Brasília

O roteiro é baseado em livro que aponta erros médicos que resultaram na morte daquele que seria o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura militar

Renato Alves
postado em 10/03/2017 06:03

1985 - A última foto oficial, feita por Gervásio Batista: ao lado da mulher, Risoleta, e da equipe médica do HBDF


Mais de 30 anos depois, a morte de Tancredo Neves ainda alimenta especulações. Tema de reportagens investigativas e de livros, agora ela vai ganhar as telas dos cinemas. Os últimos dias do primeiro presidente civil do Brasil depois de duas décadas de ditadura militar inspiraram o próximo projeto do consagrado cineasta Sérgio Rezende. As filmagens começam no segundo semestre deste ano, em Brasília.

O roteiro do longa-metragem é baseado no livro O paciente ; O caso Tancredo Neves (De Cultura, 2010), resultado de um estudo único, que durou 25 anos, respaldado em entrevistas com 42 médicos envolvidos, prontuários, diagnósticos, exames, cirurgias, procedimentos, rotinas e condutas no pré, intra, e pós-operatórios, e a evolução até o óbito de Tancredo, em 21 de abril de 1985.

Autor da obra, o historiador e pesquisador médico Luis Mir concluiu que houve erros médicos e um inconcebível silêncio em torno do caso. Um erro de diagnóstico de apendicite supurada e uma operação de emergência desnecessária, tumultuada não só pelo ;espetáculo; aberto na cena política, mas por uma sucessão de atos médicos temerários provocaram danos ao paciente, segundo ele.


Espetáculo

Mineiro de São João Del Rei, Tancredo havia sido internado para uma prometida cirurgia de rápida recuperação, que, no máximo, adiaria a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar, marcada para 15 de março de 1985. Apesar de simples, a operação era de urgência. Com esse argumento, os médicos responsáveis barraram a remoção de Tancredo para São Paulo.

No entanto, a cirurgia só se iniciou, de fato, à 1h10, no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Em meio a trombadas e confusões da equipe ; e ao alvoroço dos políticos e curiosos dentro e fora da unidade de saúde ;, houve desencontros e disputas na equipe médica de todo tipo, até em torno de qual seria o bloco cirúrgico para o procedimento.

Na antessala do centro cirúrgico, uma plateia de parlamentares médicos e de ministros de Estado nomeados aguardava. ;A certa altura, houve a possibilidade de invasão da sala de cirurgia até por médicos do Hospital de Base. Era impossível impedir a entrada das pessoas. Entre médicos e não médicos, chegaram a circular, no centro cirúrgico e dentro da sala de cirurgia, 60 pessoas. Quando se iniciou a operação, havia dentro da sala 25 pessoas. Um show, ruinoso para os médicos e para o paciente;, descreve Luis Mir.

Resistência
Enquanto, nas saletas e corredores do hospital, o debate político e o impasse relacionado a quem seria empossado agitava a cúpula da política que conduzia a transição democrática, Tancredo resistia a qualquer cirurgia, repetindo: ;Deixem-me tomar posse e depois façam comigo o que quiserem;. A mulher dele, dona Risoleta, respeitava a decisão do marido. ;Só será operado se ele quiser;, reforçava. Mas, insistindo no diagnóstico de apendicite supurada, os médicos convenceram a família. Ao mesmo tempo, um deles garantiu a Tancredo que a cirurgia e a recuperação seriam rápidas e que, em 24 horas, ele estaria em condições físicas de tomar posse. Mas não foi o que aconteceu.

Do quadro simples de uma apendicite, foi revelado, posteriormente, pelo médico chefe da equipe que acompanhou o caso, Henrique Walter Pinotti, que o presidente já chegara ao HBDF com processo infeccioso e que o problema foi agravado por uma infecção hospitalar.

Última foto

Durante a internação de Tancredo, o país viveu períodos de alívio e de angústia, a maioria deles ditados pelos boletins médicos lidos pelo então porta-voz e secretário de Imprensa do governo, Antônio Brito. As primeiras notícias eram de Tancredo andando pelo quarto, indicando a recuperação. Em 25 de março, após a segunda cirurgia, Pinotti afirmou que, ;se o presidente Tancredo Neves quiser, ele pode assumir já nesta sexta-feira;. No mesmo dia, Tancredo posou para uma foto.

O autor da imagem histórica é o fotógrafo Gervásio Batista. Com o fim da ditadura, ele recebeu o convite para se tornar fotógrafo oficial da Presidência da República. Mas aquele que seria o seu chefe não chegou a tomar posse. Nem por isso, Gervásio deixou de fazer uma imagem do presidente eleito. Em uma tentativa de acabar com boatos da morte de Tancredo, chamaram-no para clicar a imagem exclusiva do futuro presidente ao lado da equipe médica e de dona Risoleta.

O registro é a última imagem pública de Tancredo vivo. ;Muita gente especulou ; e ainda especula ; que ele já estava morto. Mas é mentira. Ele estava mal, tanto que um dos médicos o apoiou, na tentativa de melhorar a imagem do presidente. Mas conversei com ele, ouvi a voz dele;, afirmou Batista ao Correio. Com 96 anos, aposentado, ele é considerado o maior repórter fotográfico do Brasil.

Transferência

Justamente naquele 25 de março, o quadro de Tancredo se agravou. Ele sofreu hemorragia e foi levado de Brasília para o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo. No período de internação no IC, as ruas próximas do maior complexo hospitalar da América Latina se transformaram no principal lugar de peregrinação do país. O interior do hospital se tornou a sala de espera da República, com a presença de governadores, senadores, deputados, religiosos e outras figuras públicas.

Do lado de fora, anônimos esperavam notícias sobre o quadro de saúde do presidente acompanhados pelo batalhão de jornalistas. A agonia de Tancredo e do país se agravou em 12 de abril, quando ele era mantido vivo por aparelhos. A última esperança foi a chegada do médico norte-americano Warren Myron Zappol, especialista em doenças respiratórias agudas. Em 20 de abril, ele deu um diagnóstico: Tancredo Neves era um paciente terminal. Líder do movimento Diretas Já, ele nunca assumiu o cargo, pois morreu de infecção generalizada, no dia seguinte. Em seu lugar, foi empossado o vice-presidente José Sarney.

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