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;Zip, zap, zup;; Não mais do que essas três palavras são necessárias para que a contadora de histórias e futura pedagoga Verônica da Silva consiga a atenção dos alunos. As crianças, sentadas em carteiras dispostas de modo enfileirado por toda a sala, mudam para um estado de silêncio quase que absoluto. Os olhares, ansiosos e imaginativos, voltam-se para um mesmo ponto: a frente da classe. O motivo? A história que está prestes a começar.
No mês em que se celebra o Dia do Contador de Histórias, este poderia ser apenas mais um texto sobre uma educadora que atua como contadora em uma escola particular do Distrito Federal ; o que não deixa de ser o caso de Verônica. No entanto, o diferencial dela é um dos métodos que adota: por meio de histórias infantis com personagens negros, ela trabalha com as crianças, desde cedo, temáticas raciais e o respeito à diversidade.
Atentas às palavras que virão a seguir, as crianças mantêm olhos e ouvidos abertos. O texto narrado por Verônica ganha vida ali mesmo. À medida que a imaginação flui, a entonação ritmada, as onomatopeias e a voz em alto e bom som adotadas por ela parecem desenhar cada uma das cenas descritas.
[SAIBAMAIS]O livro da vez é Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado. ;Por isso, eu vim com os cabelos soltos hoje;, explica aos pequenos. Por cima da roupa, o avental que veste tem nuvens, árvores e flores coloridas costuradas sobre o tecido. Antes de começar a narração, Verônica gruda à peça alguns dos personagens do livro: uma boneca negra, um coelhinho branco e uma coelhinha preta, cada um para representar os personagens do conto.
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Professora em uma escola formada majoritariamente por crianças brancas, as histórias não são escolhidas por acaso. Segundo ela, o projeto surgiu para incentivar as crianças a lidar com as diferenças e prepará-las para o mundo. É por meio de obras infantis com personagens negros que a pedagoga tenta desenvolver, desde cedo, nos pequenos, uma visão de mundo mais pluralista e respeitosa.
Diante de um contexto literário no qual o modelo eurocêntrico predomina, Verônica também relata a dificuldade que enfrenta para encontrar as obras. ;Estou sempre com catálogos e é muito difícil achar livros infantis com personagens negros;, lamenta. A pedagoga, que costumava contar essas histórias aos alunos apenas em datas especiais, explica que o assunto não pode ficar restrito apenas a ocasiões específicas do ano. ;Não posso me lembrar disso só no Dia da Consciência Negra ou no Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, porque o racismo eu enfrento todo dia;, conta a educadora.
Apesar de a ideia ter dado certo, Verônica relatou situações em que precisou ter jogo de cintura. Em uma delas, uma aluna demonstrava ter medo de pessoas negras. ;Ela se afastava, tremia e ficava em um canto apavorada;, conta. Em outra ocasião, a fala de uma criança de 4 anos chamou a atenção: ;Acho a sua cor um pouco feia, por isso eu prefiro os brancos;.
As histórias e a convivência acabaram por ter um efeito positivo em ambos os casos e resultaram na reversão do quadro. ;A criança não nasce preconceituosa, eu tenho certeza disso. Como ela vai saber essas coisas? É porque alguém disse;, explica. Verônica conta que, diante do problema, é importante saber enfrentar a situação com parcimônia, pois são crianças. ;Elas levam os valores do que aprenderam aqui para a vida. E eu sei lidar bem com isso. Não me abala. O meu papel é ensinar;, diz.
Os fantoches e as bonecas negras usadas também promovem a identificação por parte dos pequenos. Verônica relembra a reação de uma aluna negra ao ter aula com a pedagoga pela primeira vez: ;Ela me olhou, ficou encantada e disse toda feliz: ;Ela é da minha cor!’;
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A diretora pedagógica do colégio, Silvania Emília Teixeira, conta que o respeito às diferenças e o trabalho com valores são temáticas recorrentes nos projetos cobrados das crianças. Segundo ela, a ideia é promover, desde cedo, a consciência de que as diferenças não importam. E as crianças manifestam um pouco do que aprenderam ao longo dos poucos anos escolares já cursados. Após ouvir a história narrada por Verônica, a aluna Bruna Vieira, 5 anos, fez questão de deixar os sentimentos bem claros: ;Eu amo todo mundo, de todos os países, de todas as cores e de todos os tamanhos!” E, após serem questionados sobre o motivo de terem gostado da personagem principal do livro Menina bonita do laço de fita, todos gritavam os seus motivos ao mesmo tempo: ;porque ela é bonita;; ;porque ela é negra;; ;porque ela usa lacinho;; ;porque tem o cabelo enroladinho;.
Ainda que no mundo adulto a discussão seja bem mais profunda, é desde cedo que se trabalha o respeito ao próximo. O aluno Davi Helou, 5, foi um dos pequenos que confirmou isso. Durante o debate do fim da aula, ele salientou que há coisas mais relevantes com que se preocupar. ;A cor da pele não importa, o que importa é o coração;, arrematou.
* Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte
Agradecimento: colégio Ceav Jr.
Para se inspirar
- O cabelo de Lelê, de Valéria Belém
- Rosa Morena, de Iris Borges
- Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado
- Princesa Arabela: mimada que só ela, de Mylo Freeman
- Sapato trocado, sorriso dobrado, de Regina Célia Melo
- O amigo do rei, de Ruth Rocha