Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 02/04/2017 08:00
Independentemente da classe social, da localidade, da raça, da cor ou do gênero, todo ser humano precisa ter acesso à água potável para sobreviver. E a necessidade de uso desse bem natural, que é limitado, obriga o homem a se desdobrar para encontrar novos modos de abastecer uma população que só cresce. A situação vivida atualmente pelos brasilienses não é um caso isolado. Segundo estudo da Science Advances, publicação científica, cerca de 4 bilhões de pessoas sofrem com a escassez de água por pelo menos um mês no ano. Ao redor do mundo, cidades e países já passaram por crises semelhantes às vistas no Planalto Central e, há décadas, mostram que, com incentivo governamental somado à conscientização da população, é possível viver bem mesmo em regiões aonde a água não chega em grande quantidade.
[SAIBAMAIS]Em meio a clima árido e tropical, a Austrália cresceu e se desenvolveu em uma das regiões mais secas do mundo. O pior momento ocorreu entre 1997 e 2009, quando os australianos viveram o que eles chamam de seca do milênio, causadora de uma severa crise de abastecimento hídrico. Para sobreviver ao problema, ocorreu uma verdadeira reforma hídrica no país, com investimento de mais de U$ 6 bilhões em infraestrutura. Uma das aplicações do montante foi para a construção de obras em que as águas residuais saem das residências e seguem para reservatórios próprios, onde são tratadas e, depois, retornam para as casas, que se adaptaram para receber o líquido em torneiras especiais, usadas para atividades que não necessitam de água potável.
Diante do clima de pânico que se instaurou durante a crise, o governo australiano entendeu que o planejamento para o setor deveria ser prioridade em relação a outras pastas governamentais e, para isso, estabeleceu regras e direitos claros, envolvendo toda a comunidade. O brasiliense Eli Braga, 51 anos, viveu em Sidney entre 1991 e 2011, passando por por a toda grande seca. Ele conta que os australianos realmente seguiam à risca as normas instauradas pelo governo. ;Por lá, você só podia regar os jardins e lavar os carros no fim de semana, e a vizinhança realmente denunciava quem não poupava água. Até mesmo após a época crítica, cidades como Brisbane continuam passando por períodos de racionamento;, conta.
Por aqui, Eli diz não ver o mesmo empenho da população. ;Moro na Asa Norte e sempre encontro pessoas lavando calçadas com mangueira, sem contar o roubo da água de hidrantes.; A opinião é compartilhada pela jornalista Beatriz Colsani, 25, que viveu nas cidades de Brisbane e Gold Coast entre 2010 e 2011. Ela lembra que, mesmo após o período crítico ter passado, os australianos desenvolveram uma cultura de economia. ;Eles têm a cultura de tomar banhos de até quatro minutos, e apenas um por dia. Para garantir que isso será cumprido, muitas famílias grudam ampulhetas nos box do banheiro.; Os relógios foram doados pelo governo para que a população pudesse monitorar o tempo no chuveiro.
O doutor em recursos hídricos pela Universidade de Brasília (UnB) Demetrios Christofidis destaca o exemplo de Cingapura como modo de conscientizar a população sobre gastos de água. O país é formado por um conjunto de 63 ilhas e sofre com problemas de abastecimento desde a década de 1950, tendo que importar água da Malásia. ;O governo começou a oferecer prêmios para quem poupasse água. Essas pessoas apareciam na tevê e eram tratadas como verdadeiros exemplos, daí nasceu um orgulho nacional em ser alguém que poupe água.; Em Singapura, após a campanha, o consumo de água caiu de 200 litros por pessoa/dia, para 140 litros. Na semana passada, reportagem do Correio mostrou que moradores do Lago Sul usam, em média, 418 litros de água por pessoa diariamente.
Segundo Demetrios, há diversos modos de captar água quando a da superfície e a subterrânea entram em nível crítico. A primeira opção, que costuma ser mais barata, é a transferência de águas de bacias vizinhas, como o DF planeja fazer com Corumbá IV. Depois disso, o reúso da água do esgoto, após tratamento. Em terceiro caso, a construção de usinas de dessalinização da água do mar.
Israel, fundada em meio ao deserto, enfrenta crise hídrica desde que declarou a independência, em 1948. Uma das soluções escolhidas pelo governo foi o tratamento do esgoto. Hoje, 80% da água do país é tratada e reutilizada na agricultura. ;Sistemas assim podem ser feitos no DF. São projetos que usam o líquido tratado para produção não alimentícia;, atesta Demetrios.
Escassez
Ser o detentor de 12% da água doce do mundo faz o brasileiro viver o mito da falsa abundância de água, segundo o professor Marcelo Mendonça, do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás. Mais de 80% dos recursos se encontram na região amazônica, deixando o resto do país em situações de seca. ;Não precisamos ir para muito longe, regiões do Nordeste brasileiro e até de grandes municípios de Goiás já vivem períodos de secas extremas;, afirma.
Com o impacto causado durante a crise hídrica de São Paulo, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em parceria com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), realizou, em 2015, o Seminário Internacional Gestão da Água em Situação de Escassez. O evento contou com presença de representantes da Austrália, da China, da Espanha, dos Estados Unidos, do Japão, de Israel, de Cingapura, do Uruguai e do México, países que passaram por situações críticas como as vivenciadas agora no Brasil. Um dos exemplos mostrados no fórum foi a escassez que atinge grandes centros urbanos, como a Califórnia, estado mais populoso dos Estados Unidos, onde, em 2015, foi implantado um racionamento, buscando reduzir em 25% o consumo da população.
Além do rodízio, multas no valor de 500 dólares são aplicadas para moradores da Califórnia que forem flagrados desperdiçando água. No outro lado do mundo, racionamentos de água são rotina no Japão desde 1955. Para evitar que o quadro seja frequente, a população tenta economizar ao máximo. Desde 1978, por exemplo, todo o 15; dia do mês é considerado o dia de economizar água, quando a população consome apenas o extremamente básico.
Países próximos ao mar também construíram usinas de dessalinização, passo que, segundo o professor Marcelo Mendonça, ainda não precisa ser dado no Brasil. ;Usinas assim são muito caras e têm vida útil muito baixa para o investimento. São mais indicadas para países ricos e em situações extremas;, declara.
Outro investimento que ajudou diversos países a enfrentarem a crise é o combate contra a perda e o roubo de água. No Brasil, a expectativa é de que 39% da água captada seja perdida. No DF, esse número cai para 35%. Já no Japão, é de apenas 9%, enquanto em Israel, não passa de 7%. ;Podemos diminuir esse índice aqui também, mas, para isso, precisamos que o governo crie planejamentos estratégicos para tratar o problema da água como uma prioridade. Precisamos de conselhos que pensem planos diretor, estipulando estratégias para cada atividade produtiva, a partir da demanda de água necessária em cada caso;, afirma o professor Marcelo Mendonça.
* Estagiário sob supervisão de Sibele Negromonte