Walder Galvão*
postado em 02/04/2017 08:02
Feche os olhos. Agora, se imagine em uma boate superlotada, com música alta, fumaça, luz forte e centenas de pessoas falando ao mesmo tempo. A descrição exemplifica o que se passa na cabeça de pessoas com autismo. A dificuldade de estabelecer relações agrava ou dificulta as rotinas familiar, escolar e de trabalho. Apesar disso, o diagnóstico não impede conquistas nas mais diferentes áreas. Com apoio da família e amparo de profissionais especializados, os pacientes conseguem exercer a cidadania. A luta dessas pessoas é lembrada hoje, Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, existem 2 milhões de brasileiros autistas.
[SAIBAMAIS]Em Brasília há quatro anos, a família da professora Rita de Cássia Massau Vieira, 42 anos, leva uma vida pacata em Águas Claras. Mãe de dois filhos, Lucas Vieira Silva, 20, e Aline Vieira Silva, 17, e casada com Cristiano Sacco Silva, 43, ela leciona para alunos do ensino fundamental. No entanto, Rita precisou travar uma batalha até ter o diagnóstico do filho mais velho. Aos 15 anos, Lucas foi apontado como portador da Síndrome de Asperger, uma dificuldade de interação social que faz parte do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Mas, antes disso, tratamentos equivocados foram aplicados ao jovem. ;Desde pequeno, meu filho sempre apresentou maneiras diferentes de se comportar. Ele não entendia o que as crianças faziam;, relata.
Rita levou o filho a consultas com psicólogos, psicopedagogos, neurologistas e psiquiatras, mas a falta de um diagnóstico conclusivo deixou marcas na família. ;O preconceito e a discriminação são grandes. Muitas pessoas não conseguiam entender o Lucas, nem mesmo as escolas. Quem dava apoio era a própria família. Os médicos diziam que ele tinha transtorno bipolar ou esquizofrenia e, dos 10 aos 13 anos, ele chegou a ser expulso de três escolas. Era muita pressão;, desabafa. A professora também afirma que, devido aos diagnósticos equivocados, Lucas tomou medicações que causaram complicações.
Rotina
A família de Lucas precisou deixar o Rio Grande do Sul. Segundo Rita, ao chegar a Brasília, o quadro do jovem começou a melhorar. A dica da mãe do jovem para as famílias que tiverem alguém com sintomas de autismo é não se desesperar. ;O que eu posso fazer como professora é mostrar que existe uma solução. A vida não acabou ali. Temos que nos adequar a uma nova rotina;, completa.
Lucas terminou o ensino médio e hoje cursa jogos digitais em uma faculdade. Ele relata que o preconceito foi um dos principais vilões durante a infância. ;Muitas pessoas não acreditavam em mim, achavam que eu estava mentindo. Com isso, eu acabava me escondendo;, conta. O rapaz sempre apresentou uma inteligência acima da média e soube utilizar isso a seu favor. O jovem dá o maior mérito para a cadela Penélope. A pequena o acompanha há 13 anos e ajudou nos períodos mais conturbados.
No Transtorno do Espectro do Autismo, cada caso é único. A psicóloga especialista em autismo e coordenadora da ONG Movimento Orgulho Autista Brasil, Joane Cele, diz que não existe um diagnóstico específico. ;São feitos vários exames para destacar outros problemas. A partir disso, é realizada uma avaliação clínica com observação de psicólogos, fonoaudiólogos, neurologistas e psiquiatras para, assim, chegar a algum resultado;, explica. Joane esclarece que existem três classificações da síndrome: leve, moderada e severa.
A psicóloga aconselha os pais a procurarem ajuda médica quando perceberem que as crianças apresentam algum comportamento atípico, como não olhar nos olhos ou dificuldade de interação. ;Quanto antes começarmos a intervir, melhor. Em alguns casos, conseguimos apontar um diagnóstico com um ou dois anos de idade e já conseguimos iniciar o tratamento;, informa. Joane ressalta que o acompanhamento é realizado por toda a vida.
O Movimento Orgulho Autista Brasil é formado por pais, mães, autistas e interessados no tema. A organização promove cursos, encontros, seminários, palestras, atos públicos e outros eventos pela melhoria da qualidade de vida das pessoas autistas. O movimento funciona nacionalmente e a direção fica no Distrito Federal. De acordo com o presidente, o policial federal Fernando Cotta, a falta de informação sobre o tema o motivou a ser um dos fundadores do movimento. ;Tenho um filho de 19 anos diagnosticado com a síndrome. Isso também me impulsionou a querer informar as outras pessoas sobre o assunto. Nosso objetivo é poder lutar por políticas públicas;, relata.
A principal queixa do presidente da organização é a deficiência na rede pública de saúde. ;Temos pouquíssimos lugares de atendimento no DF. Muitas vezes, as pessoas ficam em uma lista de espera por até três anos. Isso impacta no tratamento dos diagnosticados, eles acabam deixando de adquirir uma série de habilidades nesse tempo, aponta.
A dificuldade de encontrar uma escola que atenda crianças autistas é uma grande preocupação dos pais. Moradora do Gama, a professora Cléssia Amorim, 35 anos, precisa levar uma psicóloga e uma psicopedagoga para a escola particular do filho Henrique Dias Amorim, 5, diagnosticado com a síndrome. As profissionais vão até a unidade de ensino instruir os responsáveis pela educação da criança. ;Já tentei colocá-lo na rede pública, mas a experiência não foi boa. Agora, estamos fazendo um teste com esse novo modelo para saber se vai dar certo;, relata.
Centros
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal informou, por meio de nota, que a rede pública oferece atendimento para autistas em quatro Centros de Atendimento Psicopedagógicos (CAPS), em Taguatinga, Recanto das Emas, Asa Norte e Sobradinho. Segundo a pasta, esses locais oferecem atendimento para qualquer tipo de transtorno mental infanto-juvenil. O Hospital da Criança de Brasília (HCB) atende protocolo específico para autismo vinculado à neuropediatra, além do Hospital de Apoio, que participa da Unidade de Genética, fazendo testes que têm a função de aferir se a pessoa tem autismo.
Já a pasta de educação informou que todas as escolas públicas do DF são consideras inclusivas. Segundo a secretaria, os estudantes com Transtorno do Espectro Autista podem ser encaminhados para uma classe comum inclusiva até a educação de jovens e adultos (EJA). A pasta ressalta que os professores que atendem esses estudantes são profissionais especializados, com aptidão para atuar na área.
Eventos
Entre 3 e 7 de abril, o Centro de Atendimento Psicopedagógico (CAP) de Taguatinga vai promover a 1; Semana de Conscientização do Autismo. Na programação há palestras com psicólogos, passeio ao zoológico, gincana e caminhadas. Veja a programação completa no site www.saude.df.gov.br.
* Estagiário sob a supervisão de Cristine Gentil