No ônibus, nas lojas de roupa, no assento do avião e nos olhares e falas preconceituosos do cotidiano, a obesidade deixa marcas indeléveis na vida daqueles que carregam consigo quilos a mais. Na capital federal, 19,7% da população é obesa, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicada em 2015 ; o panorama mais recente sobre a doença. Em 2010, o índice era de 15%. A cidade é a 16; unidade da Federação com mais pessoas nessa condição. Hoje, Dia Nacional de Mobilização pela Promoção da Saúde e Qualidade de Vida, fica o alerta da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso): a expectativa é de que nos próximos anos ainda ocorra aumento dessa população.
São cerca de 530 mil pessoas obesas no DF. Até um ano atrás, o auxiliar administrativo Jônatas Pinto Silva, 33, fez parte desse grupo. Ele passou por uma cirurgia bariátrica, perdeu 46kg, mas, ainda hoje, guarda lembranças de um período que a depressão cada vez mais ganhava espaço. ;Percebi o tamanho que eu estava quando minha esposa fez uma foto e eu ocupava todo o sofá;, conta. O choque serviu para entender o que acontecia com seu metabolismo. Jônatas sempre viu a balança registrar peso a mais ; ele nasceu com 5kg. O rapaz perdeu totalmente o controle e chegou aos 125kg.
Para mudar a sua realidade, o primeiro passo que Jônatas deu foi entender o que era a obesidade, encará-la como doença e procurar ajuda. Exatamente o que recomendam os especialistas. ;Há uma negação da obesidade como uma doença. Isso é lamentável. O paciente, geralmente, é acusado de ser responsável pelo mal que ele tem;, explica a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente da Abeso. Apesar da íntima ligação com os hábitos, por exemplo o de comer, a obesidade é multifatorial e, em algumas situações, tem predisposição genética.
Com o aumento da população obesa, a Secretaria de Saúde tenta criar uma linha de cuidados específica. A intenção da pasta é credenciar o Hospital Regional da Asa Norte (Hran) junto ao Ministério da Saúde, até o fim deste semestre, para receber recursos, já que a unidade realiza cirurgias bariátricas. Técnicos do governo federal ainda analisam a documentação, e o processo não tem prazo para ser concluído. A Secretaria de Saúde iniciou um treinamento com 40 servidores para uniformizar o atendimento e implementar um fluxo predefinido de acompanhamento da doença no DF. Por ano, a Secretaria de Saúde realiza 150 cirurgias bariátricas.
A preocupação dos médicos é que 54,9% da população da capital federal, cerca de 1,6 milhão de pessoas, está com excesso de peso. Isso pode aumentar casos de pacientes graves. ;Atualmente, atendemos esses pacientes, só que de maneira pulverizada. Cada serviço realiza suas atividades, mas sem um encaminhamento predefinido de como será o fluxo do tratamento;, explica a coordenadora do Grupo Central da Linha de Cuidados de Sobrepeso e da Obesidade, Mariana Martins. A assistência será iniciada nas unidades básicas de saúde. A ideia é fazer avaliações, triagem do paciente e encaminhamento paras as intervenções necessárias.
Dificuldade
Nilvanda Camelo da Rocha, 42, está tentando compreender essa lógica. Há um ano, a consultora de vendas começou o processo para realizar a cirurgia bariátrica. A mulher está com 105kg, 36 a mais que o de costume. ;Engordei após problemas de saúde, há 10 anos. Desde então, tudo mudou. As pessoas têm um padrão de beleza alta, magra e jovem. Já ouvi: ;poxa, era tão bonita, como engordou; ou ;ela está engordando cada vez mais;. Eu me sinto incomodada, já fui alvo de fofoca e de ataques;, reclama. Ela narra as dificuldades diárias. ;No ônibus, é preciso escolher uma pessoa magra para se sentar ao lado ou ficar em pé. Para as lojas, você não é um cliente potencial, comprar roupa se torna uma saga;, conta.Apesar do aumento da qualidade de vida, da saúde e até mesmo da vaidade, Jônatas alerta para os riscos da cirurgia. ;Consegui vencer a obesidade com a ajuda médica, mas é um processo para o resto da vida. Quem fala que não há dificuldade em ser gordo mente. Até o meu irmão já teve que amarrar o cadarço do meu sapato. A cirurgia não é a solução, mas, sim, um passo. São muitas visitas ao psicólogo, depois uma recuperação delicada e uma mudança de vida com suplementação alimentar e prática de exercícios físicos;, detalha. Hoje, Jônatas corre no Parque da Cidade e frequenta a academia. Numa gaveta, ainda guarda uma bermuda e uma camisa que usava quando era obeso.