Helena Mader
postado em 08/04/2017 08:00
Depois de tentar rescindir o contrato firmado com o governo e de recorrer à Justiça para pedir um novo habite-se para o empreendimento, o consórcio responsável pelo novo Centro Administrativo do Distrito Federal, em Taguatinga, resolveu apelar para uma câmara de arbitragem. As empresas Via Engenharia e Odebrecht, executoras da construção, buscarão os serviços de uma mediação externa como última alternativa para solucionar o problema, que se arrasta há quase dois anos e meio. Enquanto isso, o maior elefante branco do Distrito Federal continua fechado às margens da Avenida Elmo Serejo, sem perspectiva de ocupação. O Executivo analisa a proposta de rescisão amigável há seis meses, mas ainda não chegou a um veredito.
Definir o futuro do Centrad, como é mais conhecido o empreendimento, é um dos principais desafios do governo. O consórcio alega ter investido mais de R$ 1 bilhão e garante ter cumprido todas as exigências legais para a liberação do habite-se ; última pendência antes do início dos repasses previstos em contrato. Se o Centro Administrativo entrar em funcionamento, o governo terá de começar a pagar cerca de R$ 22 milhões por mês às empresas, o que representa um gasto anual de R$ 264 milhões. Esse valor inclui o ressarcimento às construtoras pela obra e a manutenção do espaço, com serviços como vigilância e contas de água e luz.
Se a parceria público-privada for mantida, ao fim dos 22 anos de contrato, o governo gastará R$ 6 bilhões com o Centro Administrativo do DF. Diante da dimensão da cifra, a rescisão do acordo é uma possibilidade considerada pelos técnicos do Executivo. A proposta dos empresários prevê o ressarcimento dos investimentos feitos pelo consórcio, que aceita abrir mão de multas e lucros cessantes. Mas o GDF discorda dos valores apresentados pelos responsáveis pela PPP. Para o Palácio do Buriti, caso haja um acordo sobre o cancelamento, deve ser seguido o valor estabelecido na licitação de 2008, quando foi firmado o contrato, no total de R$ 439 milhões.
A secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão do Distrito Federal, Leany Lemos, reconhece que a possibilidade está em debate. ;Estamos analisando os cenários em relação ao contrato e um deles é o de rescisão, tendo em vista que as tratativas foram feitas em outro contexto político e econômico. Estamos fazendo essa avaliação;, explicou Leany.
O GDF alega que, ao assumir o Palácio do Buriti, recebeu o imbróglio do contrato do Centrad com inúmeras pendências administrativas e questionamentos judiciais (veja quadro). O receio do alto escalão do Executivo levou à contratação do Unops, escritório de projetos especiais das Nações Unidas, para uma avaliação do contrato. A consultoria custou US$ 697 mil (cerca de R$ 2,2 milhões, em valores atuais) e segue em andamento.
Da infraestrutura prevista no acerto, 97% foram entregues. Os 3% pendentes têm relação com detalhes como a finalização do piso e a definição do leiaute, que dependem apenas de definições do governo. Mas o andamento do processo foi contaminado pelo clima político desfavorável, pois a Odebrecht aparecia citada no escândalo da Lava-Jato e integrantes do GDF tinham receio de autorizar o início dos repasses de recursos à empresa. Além disso, o Centrad foi inaugurado em 31 de dezembro de 2014, último dia da gestão de Agnelo Queiroz (PT), mas, em fevereiro de 2015, a Justiça cassou o habite-se concedido pela Administração Regional de Taguatinga no governo anterior. A alegação do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), acatada pela Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, foi a de que não houve o cumprimento de todos os pré-requisitos legais.
Integrantes do governo alegam que a empresa não atendeu todas as exigências e que falta implementar medidas mitigadoras de trânsito, como a construção de acesso viário e viadutos, além de obras para otimizar o fornecimento de energia. Na gestão passada, os empresários ouviram do GDF a promessa de que a administração pública ficaria responsável por todas essas intervenções. Mas, em janeiro do ano passado, um parecer da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) definiu que cabe ao empreendedor, portanto, ao consórcio, fazer essas obras de trânsito e de energia. A firma questiona a atribuição, mas, ainda assim, realizou as intervenções no trânsito exigidas pelo Detran para o início do funcionamento da primeira etapa da obra.
Com base nesse entendimento, a Via Engenharia e a Odebrecht apresentaram, em julho de 2016, um novo pedido de habite-se à Administração Regional de Taguatinga. O Código de Obras prevê a liberação do documento ou a apresentação das exigências em um prazo de 48 horas, o que não ocorreu. O consórcio recorreu, então, à Justiça, pedindo que a administração entregasse o habite-se no tempo legal e com a alegação de que todas as exigências haviam sido atendidas. A PGDF se manifestou pela rejeição do novo habite-se com o argumento de que só um terço das medidas mitigadoras teriam sido devidamente executadas. A Vara do Meio Ambiente rejeitou a liminar por entender que, como o tema requer apurada análise técnica, é preciso que o consórcio aguarde uma definição sobre o mérito do tema. Para isso, será feita uma perícia judicial.
Mobiliário
Há muitas divergências acerca do contrato para a ocupação do Centro Administrativo, mas elas não são as únicas pendências para a transferência definitiva de cerca de 13 mil servidores públicos para o local. O governo ainda não decidiu detalhes como mobiliário, sistemas de informática e computadores. Não há definições sobre o reaproveitamento do material disponível ou a realização de outras licitações para esses serviços. Sem resolver esses impasses, a mudança para o Centrad torna-se inviável.
O empreendimento gigantesco, que conta com 3 mil vagas de estacionamento, está pronto, com câmeras instaladas e em funcionamento. Os 49 elevadores têm de subir e descer vazios pelo menos uma vez por semana para evitar que se estraguem. A garantia dos elevadores venceu, sem que eles tenham transportado um único servidor público nesse período. Mesmo com a estrutura monumental, não há nenhuma garantia de que ela será ocupada algum dia pelo funcionalismo distrital.
O governo faz contas para analisar a viabilidade econômica do empreendimento. Há estudos técnicos que estimam o gasto anual do GDF com aluguel em R$ 57 milhões, valor quase cinco vezes inferior ao montante previso no contrato com o consórcio. As maiores despesas são de serviços que não poderão ser transferidos para o Centro Administrativo, como administrações regionais, creches, conselhos tutelares, postos do Detran e pontos de atendimento do Na Hora, por exemplo. A expectativa é de que somente órgãos centrais se mudariam para o complexo.
Em nota, a concessionária do Centrad garantiu que ;vem atendendo a todas as exigências legais impostas no escopo da PPP;. Segundo o consórcio, a primeira etapa, equivalente a 31% das obras, foi entregue em junho de 2014. ;Diante da demora do governo em solucionar questões sob sua responsabilidade e da inadimplência com a concessionária, a Centrad informou ao GDF a sua intenção em discutir uma solução para o contrato. A concessionária apresentou, então, a proposta de rescisão amigável do contrato de concessão.
Em novembro de 2016, a Centrad encaminhou vasta documentação ao GDF, mas, até o momento, não houve resposta do governo;, alegam as empresas. ;A concessionária também notificou o governo a respeito da possibilidade da instalação de um procedimento de arbitragem para resolução de pontos controversos no contrato. A arbitragem é um meio alternativo ao processo judiciário para a resolução de conflitos. Trata-se de uma ferramenta contratual legítima e prevista no contrato da PPP;, finaliza a nota.
Solução de conflitos
A entidade que deve ficar responsável pela mediação dos conflitos entre o GDF e o consórcio responsável pelo Centro Administrativo é a Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, que tem quase 40 anos de atuação. O serviço de arbitragem é como uma Justiça privada, que soluciona conflitos entre as partes. Os serviços foram regulamentados em 1996 por meio de uma lei federal.
Na Justiça
O MPDFT ajuizou quatro ações relacionadas a problemas no Centro Administrativo. Confira o andamento dos processos:
; Ação de improbidade administrativa contra o ex-governador Agnelo Queiroz e o ex-administrador regional de Taguatinga Anaximenes Vale dos Santos pela inauguração irregular do Centrad. A ação foi ajuizada em 14 de janeiro de 2015. O juiz determinou a realização das últimas diligências antes de proferir a sentença.
; Agravo de instrumento em segunda instância, interposto pelo MPDFT, resultou no bloqueio de bens de Agnelo e Anaximenes. A decisão foi proferida em 26 de fevereiro de 2015 e determinou a indisponibilidade de bens
do ex-governador e
do ex-administrador de Taguatinga, no valor
de R$ 28 milhões.
; Ação civil pública ajuizada pelo MPDFT, pedindo liminar para impedir repasses financeiros às empresas Odebrecht e Via Engenharia, responsáveis pela construção do Centrad. Em primeira instância, houve concessão de liminar e proibição de qualquer pagamento ao consórcio. Em segunda instância, a 5; Turma Cível cassou a liminar e negou a suspensão dos repasses.
; Ação civil pública movida pelo MPDFT para anular o habite-se do Centrad. A Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) conseguiu a anulação do habite-se que permitia o funcionamento do local em fevereiro de 2015. A ação tramita na Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal.